Arrependimento (Part. 5)

Tristeza de modo piedoso, não a do mundo: O apóstolo Paulo, em sua segunda carta aos coríntios, refere-se à “tristeza de modo piedoso” que eles expressaram como resultado da repreensão que lhes dera na sua primeira carta. (2Co 7:8-13) Ele ‘deplorara’ (metamélomai) ter de escrever-lhes tão severamente e causar-lhes dor, mas deixou de sentir qualquer lástima ao ver que a tristeza que sua censura produziu foi da espécie piedosa, levando ao sincero arrependimento (metánoia) da atitude e do proceder errados deles. Ele sabia que a dor que lhes causara operava para o bem deles e não lhes causaria ‘nenhum dano’. A tristeza que levava ao arrependimento tampouco era algo que eles devessem deplorar, pois os manteve no caminho da salvação; salvou-os do desvio ou da apostasia, e deu-lhes esperança de vida eterna. Ele contrasta esta tristeza com “a tristeza do mundo [que] produz a morte”. Esta não provém da fé e do amor a Deus e à justiça. A tristeza do mundo, resultante do fracasso, do desapontamento, da perda, da punição pelo erro, e da vergonha (veja Pr 5:3-14, 22, 23; 25:8-10), frequentemente vem acompanhada, ou produz, amargura, ressentimento, inveja; e não resulta em nenhum benefício duradouro, em nenhuma melhora, em nenhuma esperança genuína. (Veja Pr 1:24-32; 1Te 4:13, 14.) A tristeza mundana lamenta as consequências desagradáveis do pecado, mas não o próprio pecado e o vitupério que lança sobre o nome de Deus. — Is 65:13-15; Je 6:13-15, 22-26; Re 18:9-11, 15, 17-19; contraste isso com Ez 9:4.

Isto é ilustrado pelo caso de Caim, o primeiro a ser exortado por Deus a se arrepender. Caim foi divinamente avisado a ‘voltar-se para fazer o bem’, para que não fosse dominado pelo pecado. Em vez de se arrepender de seu ódio assassino, deixou que este o motivasse a matar seu irmão. Interrogado por Deus, deu uma resposta evasiva, e apenas quando se proferiu a sentença sobre ele é que expressou alguma lástima — lástima da severidade da punição, não do erro cometido. (Gên 4:5-14) Mostrou assim “que se originou do iníquo”. — 1Jo 3:12.

Esaú também expressou tristeza mundana, ao saber que seu irmão, Jacó, recebera a bênção do primogênito (direito que Esaú vendera insensivelmente a Jacó). (Gên 25:29-34) Esaú clamou “de maneira extremamente alta e amargurada”, com lágrimas, buscando o “arrependimento” (metánoia) — não o seu próprio, mas uma “mudança de pensamento” por parte de seu pai. (Gên 27:34; He 12:17, Int) Deplorou a sua perda, não a atitude materialista que o fez ‘desprezar a primogenitura’. — Gên 25:34.

Judas, depois de ter traído a Jesus, “sentiu remorso [forma de metamélomai]”, tentou devolver o suborno que havia negociado, e, depois disso, cometeu suicídio por se enforcar. (Mt 27:3-5) A enormidade de seu crime, e, provavelmente, a certeza horrível do julgamento divino contra ele evidentemente o venceram. (Veja He 10:26, 27, 31; Tg 2:19.) Sentiu o remorso da culpa, do desengano, até do desespero, mas não há nada que indique que expressou a tristeza piedosa que leva ao arrependimento (metánoia). Ele procurou, não a Deus, mas os líderes judeus para confessar-lhes seu pecado, devolvendo o dinheiro, evidentemente com a idéia errada de que poderia, desta forma, desfazer em certa medida o seu crime. (Veja Tg 5:3, 4; Ez 7:19.) Adicionou ao crime de traição e de contribuir para a morte dum homem inocente o de matar a si mesmo. Seu proceder se contrasta com o de Pedro, cujo choro amargo, depois de ter negado o seu Senhor, provinha dum arrependimento de coração, que levou ao seu restabelecimento. — Mt 26:75; compare isso com Lu 22:31, 32.

A lástima, o remorso e as lágrimas, portanto, não são uma medida segura do genuíno arrependimento; a motivação de coração é o fator determinante. Oséias expressa a denúncia de Yehowah contra Israel, pois, na aflição deles “não clamaram a [Ele] por socorro de seu coração, embora continuassem uivando sobre as suas camas. Estavam vadiando por causa do seu cereal e do seu vinho doce . . . E passaram a retornar, não a algo mais elevado.” Seus gemidos por alívio em tempos de calamidade tinham motivação egoísta, e, quando lhes era concedido alívio, não aproveitavam a oportunidade para aprimorar sua relação com Deus por aderirem mais de perto às Suas elevadas normas (veja Is 55:8-11); eram como um “arco frouxo” que jamais atinge o alvo. (Os 7:14-16; compare isso com Sal 78:57; Tg 4:3.) O jejum, o pranto e a lamentação eram apropriados — mas apenas se os arrependidos ‘rasgassem os seus corações’ e não simplesmente as suas vestes. — Jl 2:12, 13.