Comentário de Marcos 1:1
A. O TÍTULO DESTE EVANGELHO 1.1
O termo Grego euanggélion [1] ("evangelho") tinha um tom alegre, pois estava associado à proclamação de um comunicado político ou de uma vitória militar que resultara em benefícios para muitas pessoas. Sob essa perspectiva, o "evangelho" alerta os leitores ao anúncio de um evento histórico que trará resultados benéficos para a humanidade.
Além disso, a palavra tem um significado profético para aqueles familiarizados com o Antigo Testamento. Isso lembra a promessa de boas novas (Is 61.1 s), renovando a esperança de que, por meio do seu servo ungido, o Espírito do Soberano Deus proclamará a libertação dos oprimidos (cf. Lc 4.17ss). Ele traz a segurança de que Deus está presente (Is 40.9), e está no controle (Is 52.7).
O Novo Testamento nunca emprega o termo euanggélion para indicar um livro. Por volta de 150 d.C, Justino Mártir utilizou pela primeira vez o termo referindo-se a um livro que apresenta a pessoa de Jesus Cristo. Nesse sentido, a expressão "os quatro Evangelhos" refere-se, Comumente, aos primeiros livros do Novo Testamento.
A palavra "evangelho" adquiriu um significado adicional, também não encontrado no Novo Testamento. Refere-se a um estilo literário em particular que não se encaixa em outras categorias de composições. O "gênero Evangelho" inclui elementos biográficos mas não se constitui numa biografia de Jesus. Relata dados históricos e geográficos, contudo não podemos reconstruir uma cronologia exata da vida de Jesus com esses dados; nem mesmo mapear cada passo de seu itinerário. É uma narrativa com diferentes cenas entretecidas numa história unificada, coerente e completa. Todavia, o evangelho é mais do que uma narrativa, pois seus eventos são interpretados da perspectiva de Deus. É uma narrativa teológica.
As boas novas se referem a Jesus de duas maneiras: são as boas sobre Jesus e ao mesmo tempo são as boas novas que vêm dele. O evangelho apresenta Jesus e é ele mesmo quem proclama o evangelho. A essência da mensagem que prega é ele mesmo. A boa nova é a pessoa do próprio Jesus, a figura central em meio aos diversos cenários e personalidades apresentadas no livro.
O nome "Jesus" era utilizado em Israel desde a época de Josué (que é a forma hebraica do mesmo nome) e significa "o Jeová é a salvação" (Mt 1.21). A designação "Cristo", significando "ungido", é a tradução grega do hebraico "Messias", a esperança de Israel.
No princípio de seu Evangelho, Marcos une os dois termos Jesus Cristo. Tendo declarado que Jesus é o Cristo, o Messias prometido por Deus por intermédio dos antigos profetas, o autor usa a palavra "Cristo" somente algumas vezes (8.29; 9.42; 12.35; 13.21; 14.61; 15.32), provavelmente para minimizar falsas expectativas ligadas ao Messias naquela época.
A última afirmação no título do Evangelho de Marcos fecha a porta à possibilidade de Jesus ser visto como apenas um homem entre outros. O evangelho origina-se em Deus (1.14); e da mesma forma Jesus Cristo. Ele é o Filho de Deus.[2] Isso é afirmado muitas vezes, de modo a sublinhar sua importância. Jesus é chamado o Filho de Deus pelo próprio Deus (no princípio 1.11, e perto do meio do livro, 9.7), e por um homem, o centurião encarregado da Crucificação (perto do final do livro, 15.39). A organização desse Evangelho gira em torno das referências a Jesus como o Filho de Deus.
Marcos não relata o nascimento de Jesus (como o fazem Mateus e Lucas), a fim de mostrar que Jesus é o Filho de Deus. Sua apresentação é diferente da dos outros evangelistas, embora todos insistam que na contemplação do Filho, nós temos uma oportunidade única de conhecer a Deus, o Pai — sua natureza, suas ações e seus propósitos para conosco.
Além dessas afirmações no Evangelho de Marcos, a filiação divina de Jesus está implícita em muitas de suas próprias declarações (8.38; 12.6; 13.32; 14.36;62), e na pergunta do sumo sacerdote (14.61). Quando os espíritos maus fazem declarações semelhantes, Jesus exige que se calem (3.11; 5.7). Depois de destacar a frase "Filho de Deus", colocando-a estrategicamente no início de sua narrativa, Marcos vai adiante enfatizando a humanidade de Jesus como nenhum outro Evangelho. Ao acompanharmos o desenrolar da narrativa, entenderemos melhor as conotações, tanto humanas como divinas, da declaração "Jesus Cristo, o Filho de Deus".
A primeira frase do título "o princípio do evangelho" poderia ser uma referência às promessas do Antigo Testamento (1.2s), ao aparecimento de João Batista (1.4-8) ou ao Prólogo como um todo (1.12s), pois cada um desses pontos é, em certo sentido, um "princípio do evangelho". Marcos, entretanto, parece apresentar todo o livro como "o princípio do evangelho", pois essa é uma história que continua com a proclamação do evangelho pelos apóstolos, e continua hoje "onde quer que o evangelho seja pregado" (14.9). Este é o novo livro de Gênesis (ambos começam com "princípio"). O Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus, tem um princípio no tempo e no espaço. Não há, no entanto, um ponto final, pois leva à vida eterna no porvir (10.30).
Em seu título, Marcos pressupõe o plano geral de seu Evangelho, dividido em duas etapas: Jesus o Cristo (capítulos 1 a 8), o Filho de Deus (8 a 16). O centro do livro (8.27-31) se constitui na transição da primeira para a segunda parte. Ao final da primeira etapa, Pedro confessa que Jesus é o Ungido; quase ao final da segunda parte, o centurião confessa que Jesus é o Filho de Deus. Na primeira, Jesus demonstra sua autoridade pelas suas palavras e seus feitos; na segunda, a ênfase recai no sofrimento de Jesus em obediência filial a Deus. Na primeira ele serve em poder; na segunda em fraqueza. Aqui, como através de todo Novo Testamento, a salvação que Deus oferece ao mundo está inseparavelmente mesclada com a pessoa de seu Filho, Jesus Cristo.
O autor desenrola a dramática história do "Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus", uma história que oferece um novo começo para aqueles que prestarem atenção ao convite de Jesus "Siga-me".
Fonte: Cornerstone Biblical Commentary
________________
Notas:
[1] O termo euanggélion aparece em Mc 1.1, 14, 15; 8.35; 10.29; 13.10 e 14.9.
[2] A maioria dos estudiosos concorda que as palavras "Filho de Deus" faziam parte do texto original, mas foram acidentalmente omitidas em alguns manuscritos antigos.
O termo Grego euanggélion [1] ("evangelho") tinha um tom alegre, pois estava associado à proclamação de um comunicado político ou de uma vitória militar que resultara em benefícios para muitas pessoas. Sob essa perspectiva, o "evangelho" alerta os leitores ao anúncio de um evento histórico que trará resultados benéficos para a humanidade.
Além disso, a palavra tem um significado profético para aqueles familiarizados com o Antigo Testamento. Isso lembra a promessa de boas novas (Is 61.1 s), renovando a esperança de que, por meio do seu servo ungido, o Espírito do Soberano Deus proclamará a libertação dos oprimidos (cf. Lc 4.17ss). Ele traz a segurança de que Deus está presente (Is 40.9), e está no controle (Is 52.7).
O Novo Testamento nunca emprega o termo euanggélion para indicar um livro. Por volta de 150 d.C, Justino Mártir utilizou pela primeira vez o termo referindo-se a um livro que apresenta a pessoa de Jesus Cristo. Nesse sentido, a expressão "os quatro Evangelhos" refere-se, Comumente, aos primeiros livros do Novo Testamento.
A palavra "evangelho" adquiriu um significado adicional, também não encontrado no Novo Testamento. Refere-se a um estilo literário em particular que não se encaixa em outras categorias de composições. O "gênero Evangelho" inclui elementos biográficos mas não se constitui numa biografia de Jesus. Relata dados históricos e geográficos, contudo não podemos reconstruir uma cronologia exata da vida de Jesus com esses dados; nem mesmo mapear cada passo de seu itinerário. É uma narrativa com diferentes cenas entretecidas numa história unificada, coerente e completa. Todavia, o evangelho é mais do que uma narrativa, pois seus eventos são interpretados da perspectiva de Deus. É uma narrativa teológica.
As boas novas se referem a Jesus de duas maneiras: são as boas sobre Jesus e ao mesmo tempo são as boas novas que vêm dele. O evangelho apresenta Jesus e é ele mesmo quem proclama o evangelho. A essência da mensagem que prega é ele mesmo. A boa nova é a pessoa do próprio Jesus, a figura central em meio aos diversos cenários e personalidades apresentadas no livro.
O nome "Jesus" era utilizado em Israel desde a época de Josué (que é a forma hebraica do mesmo nome) e significa "o Jeová é a salvação" (Mt 1.21). A designação "Cristo", significando "ungido", é a tradução grega do hebraico "Messias", a esperança de Israel.
No princípio de seu Evangelho, Marcos une os dois termos Jesus Cristo. Tendo declarado que Jesus é o Cristo, o Messias prometido por Deus por intermédio dos antigos profetas, o autor usa a palavra "Cristo" somente algumas vezes (8.29; 9.42; 12.35; 13.21; 14.61; 15.32), provavelmente para minimizar falsas expectativas ligadas ao Messias naquela época.
A última afirmação no título do Evangelho de Marcos fecha a porta à possibilidade de Jesus ser visto como apenas um homem entre outros. O evangelho origina-se em Deus (1.14); e da mesma forma Jesus Cristo. Ele é o Filho de Deus.[2] Isso é afirmado muitas vezes, de modo a sublinhar sua importância. Jesus é chamado o Filho de Deus pelo próprio Deus (no princípio 1.11, e perto do meio do livro, 9.7), e por um homem, o centurião encarregado da Crucificação (perto do final do livro, 15.39). A organização desse Evangelho gira em torno das referências a Jesus como o Filho de Deus.
Marcos não relata o nascimento de Jesus (como o fazem Mateus e Lucas), a fim de mostrar que Jesus é o Filho de Deus. Sua apresentação é diferente da dos outros evangelistas, embora todos insistam que na contemplação do Filho, nós temos uma oportunidade única de conhecer a Deus, o Pai — sua natureza, suas ações e seus propósitos para conosco.
Além dessas afirmações no Evangelho de Marcos, a filiação divina de Jesus está implícita em muitas de suas próprias declarações (8.38; 12.6; 13.32; 14.36;62), e na pergunta do sumo sacerdote (14.61). Quando os espíritos maus fazem declarações semelhantes, Jesus exige que se calem (3.11; 5.7). Depois de destacar a frase "Filho de Deus", colocando-a estrategicamente no início de sua narrativa, Marcos vai adiante enfatizando a humanidade de Jesus como nenhum outro Evangelho. Ao acompanharmos o desenrolar da narrativa, entenderemos melhor as conotações, tanto humanas como divinas, da declaração "Jesus Cristo, o Filho de Deus".
A primeira frase do título "o princípio do evangelho" poderia ser uma referência às promessas do Antigo Testamento (1.2s), ao aparecimento de João Batista (1.4-8) ou ao Prólogo como um todo (1.12s), pois cada um desses pontos é, em certo sentido, um "princípio do evangelho". Marcos, entretanto, parece apresentar todo o livro como "o princípio do evangelho", pois essa é uma história que continua com a proclamação do evangelho pelos apóstolos, e continua hoje "onde quer que o evangelho seja pregado" (14.9). Este é o novo livro de Gênesis (ambos começam com "princípio"). O Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus, tem um princípio no tempo e no espaço. Não há, no entanto, um ponto final, pois leva à vida eterna no porvir (10.30).
Em seu título, Marcos pressupõe o plano geral de seu Evangelho, dividido em duas etapas: Jesus o Cristo (capítulos 1 a 8), o Filho de Deus (8 a 16). O centro do livro (8.27-31) se constitui na transição da primeira para a segunda parte. Ao final da primeira etapa, Pedro confessa que Jesus é o Ungido; quase ao final da segunda parte, o centurião confessa que Jesus é o Filho de Deus. Na primeira, Jesus demonstra sua autoridade pelas suas palavras e seus feitos; na segunda, a ênfase recai no sofrimento de Jesus em obediência filial a Deus. Na primeira ele serve em poder; na segunda em fraqueza. Aqui, como através de todo Novo Testamento, a salvação que Deus oferece ao mundo está inseparavelmente mesclada com a pessoa de seu Filho, Jesus Cristo.
O autor desenrola a dramática história do "Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus", uma história que oferece um novo começo para aqueles que prestarem atenção ao convite de Jesus "Siga-me".
Fonte: Cornerstone Biblical Commentary
________________
Notas:
[1] O termo euanggélion aparece em Mc 1.1, 14, 15; 8.35; 10.29; 13.10 e 14.9.
[2] A maioria dos estudiosos concorda que as palavras "Filho de Deus" faziam parte do texto original, mas foram acidentalmente omitidas em alguns manuscritos antigos.