Comentário de Marcos 1:15
Os contemporâneos de Jesus esperam ansiosamente por serem libertados da opressão. O presente mundo mau não lhes oferecia esperança. Antes, focalizavam suas esperanças num reino Messiânico futuro, quando Deus preencheria as aspirações nacionais, expulsando os conquistadores estrangeiros, e redimindo Israel para viver uma nova ordem de justiça e paz, livre da corrupção que eles conheciam tão bem. A pregação de João Batista acende a esperança de que a intervenção divina está próxima. Como resultado disso, muitas pessoas estão preparadas para a vinda do Prometido, convencidas de que Deus está prestes a cumprir sua promessa a seu povo. No meio desse grupo, surge Jesus, proclamando a essência das boas novas de Deus (v. 15):
"O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo;
arrependei-vos, e crede no evangelho ".
Essa mensagem contém duas frases com verbos no modo indicativo e duas no imperativo. Com os indicativos, Jesus declara a existência de certas realidades criadas por Deus que demandam (imperativos) certas respostas daqueles que as ouvem (ou lêem).
Jesus declara que o tempo (ho kairos) está cumprido". Esse é um tempo especial, diferente de outros. O tempo de espera está cumprido, pois agora Deus está ativamente empenhado em realizar aquilo que tinha pro¬metido. Chegou o momento propício para que ele entre na história humana e estabeleça o seu reino.
A proclamação de Jesus de que "é chegado o reino de Deus" eclipsa o chamado de João para "preparar o caminho do Senhor". A era dos profetas antigos se encerra com a prisão de João; Aquele que deveria vir já chegou. Em outras palavras, a pregação de João Batista acendeu a expectativa do reino, enquanto que Jesus a torna realidade. Deus invade a história na pessoa de Jesus para redimir aqueles que estavam separados dele. Desde que Jesus é o Filho de Deus, amado pelo Pai e ungido pelo Espírito (cf. 1.1-11), ele não somente proclama as boas novas: ele mesmo é o foco do evangelho. Sua vinda sinaliza a inauguração do reino de Deus. Essa é a ênfase dessas duas declarações cujos verbos encontram-se no indicativo.
A iniciativa de Deus requer um compromisso de homens e mulheres, pois Deus não constrói seu reino independente do envolvimento humano. Ninguém pode receber seu reino passivamente, como pensam algumas seitas judaicas. "Arrependei-vos e crede no evangelho!" Com esses dois verbos no imperativo, Jesus define a resposta que Deus requer daqueles que desejam pertencer a seu reino. Nem arrependimento nem fé, entretanto, são gestos isolados; tanto atitudes como ações são essenciais para o seguidor de Jesus que queira receber os múltiplos benefícios da presença dinâmica de Deus.
Os que se arrependem humildemente reconhecem, diante de Deus, que falharam em fazer o que é certo e confessam que não são senhores de seus próprios destinos. Reconhecem sua indignidade inata e confessam a falsidade de seus motivos e ações. Quando percebem que seu grande prazer não está em Deus ou em fazer o que lhe agrada, clamam pela misericórdia daquele que "resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes" (1 Pe 5.5; cf. Lc 18.9-14).
Além da ênfase de João no arrependimento (1.4-5), Jesus destaca a fé. Como resultado de crer na pregação de Jesus, é criado um novo relacionamento entre Deus e aqueles que crêem. Eles passam a contar com Deus e a abraçar as promessas do evangelho. As palavras pisteuo (crer) e pistis (fé) denotam originalmente o relacionamento de confiança entre duas partes num acordo, e a fidedignidade de suas promessas. Nos evangelhos esses termos ganham especial importância e referem-se especificamente à aceitação e confiança naquilo que Deus tem feito e prometido em seu Filho.
Crer verdadeiramente nas boas novas resulta em obediência, conforme ilustrado pelos quatro pescadores (1.16-20). "Fé" no evangelho de Marcos não é uma idéia abstrata, mas significa vida debaixo do domínio de Deus. Isso esclarece que as boas novas de Deus confrontam cada pessoa com sua decisão de submeter-se a ele ou continuar a controlar sua própria vida.
Embora Jesus declare que o reino de Deus é uma realidade presente, ele não satisfaz as expectativas de seus contemporâneos. Por exemplo, eles estavam certos de que Deus julgaria os gentios. Jesus, no entanto, os serviu (cf. 7.24-8.9) e os aceitou no reino (cf. 11.17; 13.10,27; 14.9). Também não expulsou as autoridades romanas opressoras da pátria dos judeus.
Como alguém pode conciliar a presença do domínio de Deus com a continuação das injustiças e da morte? Na realidade, o tipo de reino pelo qual Israel esperava não veio; nem todas as profecias do Antigo Testamento foram inteiramente cumpridas. Entretanto, na pessoa de Jesus , o reino de Deus, embora encoberto, já está presente, convidando homens e mulheres a aceitar o senhorio dinâmico de Deus com suas responsabilidades e privilégios. O senhorio régio de Deus, no entanto, ainda não está consumado: "Mas agora ainda não vemos todas as coisas sujeitas a ele" (Hb 2.8). A primeira vinda de Jesus é o começo. Seu cumprimento está em andamento, seu encobrimento é temporário (cf. 4.22), e sua manifestação aguarda o segundo advento de Cristo.
A proclamação de Jesus (1.15) motiva o resto da história do Evangelho. Marcos apresentará estudos de caso que demonstrarão o compro¬misso radical que a lei de Deus requer daqueles que crêem, no evangelho. Veremos indivíduos que experimentam a dinâmica presença de Deus em suas vidas diárias. Teremos oportunidades de observar que seguir a Jesus é viver de acordo com o senhorio régio de Deus. Desse modo, veremos como nós, também, podemos gozar os privilégios e cumprir as responsabilidades daqueles que vivem sob o domínio de Deus.
Fonte: Cornerstone Biblical Commentary
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Notas
v. 15 - Há duas palavras gregas para indicar "tempo". Chronos significa, simplesmente, um período de tempo; kairos, tempo específico. "Um dos principais termos escatológicos na Bíblia, kairos, é, acima de tudo, o tempo de Deus" (Bratcher e Nida, 37). Jesus anuncia que esse é um momento decisivo nos propósitos de Deus.
• A fim de evitar conotações estranhas ao evangelho, a palavra grega basileia ("reino") será traduzida por frases como "senhorio de Deus", "domínio de Deus", "sua soberania", "senhorio régio de Deus", e "presença dinâmica de Deus".
• Ao longo dos séculos, os eruditos católicos têm seguido o ensino de Agostinho, que identifica o reino de Deus com a igreja. Ladd, porém, está correto ao afirmar que "a igreja é o povo do reino, mas não pode ser identificada como o reino em si" (Theology, 58).
• Metanoia ("arrependimento", cf. 1.4-6) significa a renúncia do pecado, e é acompanhado por um voltar-se para Deus (i.e., conversão). Isso vai muito além do que ter remorso do passado, sentir repugnância pelo pecado e resolver viver corretamente. Arrependimento exige uma "mudança de mente" (nous), como Paulo declara em Rm 12.1s. Envolve uma total reorientação da personalidade. O arrependido estabelece o propósito de viver sob a direção de Deus.
• Antes da Crucificação, as boas novas eram um convite ao compromisso com a realidade do senhorio de Deus por meio de Jesus. Depois da ressurreição de Jesus o evangelho significa a mensagem cristã em sua inteireza.
"O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo;
arrependei-vos, e crede no evangelho ".
Essa mensagem contém duas frases com verbos no modo indicativo e duas no imperativo. Com os indicativos, Jesus declara a existência de certas realidades criadas por Deus que demandam (imperativos) certas respostas daqueles que as ouvem (ou lêem).
Jesus declara que o tempo (ho kairos) está cumprido". Esse é um tempo especial, diferente de outros. O tempo de espera está cumprido, pois agora Deus está ativamente empenhado em realizar aquilo que tinha pro¬metido. Chegou o momento propício para que ele entre na história humana e estabeleça o seu reino.
A proclamação de Jesus de que "é chegado o reino de Deus" eclipsa o chamado de João para "preparar o caminho do Senhor". A era dos profetas antigos se encerra com a prisão de João; Aquele que deveria vir já chegou. Em outras palavras, a pregação de João Batista acendeu a expectativa do reino, enquanto que Jesus a torna realidade. Deus invade a história na pessoa de Jesus para redimir aqueles que estavam separados dele. Desde que Jesus é o Filho de Deus, amado pelo Pai e ungido pelo Espírito (cf. 1.1-11), ele não somente proclama as boas novas: ele mesmo é o foco do evangelho. Sua vinda sinaliza a inauguração do reino de Deus. Essa é a ênfase dessas duas declarações cujos verbos encontram-se no indicativo.
A iniciativa de Deus requer um compromisso de homens e mulheres, pois Deus não constrói seu reino independente do envolvimento humano. Ninguém pode receber seu reino passivamente, como pensam algumas seitas judaicas. "Arrependei-vos e crede no evangelho!" Com esses dois verbos no imperativo, Jesus define a resposta que Deus requer daqueles que desejam pertencer a seu reino. Nem arrependimento nem fé, entretanto, são gestos isolados; tanto atitudes como ações são essenciais para o seguidor de Jesus que queira receber os múltiplos benefícios da presença dinâmica de Deus.
Os que se arrependem humildemente reconhecem, diante de Deus, que falharam em fazer o que é certo e confessam que não são senhores de seus próprios destinos. Reconhecem sua indignidade inata e confessam a falsidade de seus motivos e ações. Quando percebem que seu grande prazer não está em Deus ou em fazer o que lhe agrada, clamam pela misericórdia daquele que "resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes" (1 Pe 5.5; cf. Lc 18.9-14).
Além da ênfase de João no arrependimento (1.4-5), Jesus destaca a fé. Como resultado de crer na pregação de Jesus, é criado um novo relacionamento entre Deus e aqueles que crêem. Eles passam a contar com Deus e a abraçar as promessas do evangelho. As palavras pisteuo (crer) e pistis (fé) denotam originalmente o relacionamento de confiança entre duas partes num acordo, e a fidedignidade de suas promessas. Nos evangelhos esses termos ganham especial importância e referem-se especificamente à aceitação e confiança naquilo que Deus tem feito e prometido em seu Filho.
Crer verdadeiramente nas boas novas resulta em obediência, conforme ilustrado pelos quatro pescadores (1.16-20). "Fé" no evangelho de Marcos não é uma idéia abstrata, mas significa vida debaixo do domínio de Deus. Isso esclarece que as boas novas de Deus confrontam cada pessoa com sua decisão de submeter-se a ele ou continuar a controlar sua própria vida.
Embora Jesus declare que o reino de Deus é uma realidade presente, ele não satisfaz as expectativas de seus contemporâneos. Por exemplo, eles estavam certos de que Deus julgaria os gentios. Jesus, no entanto, os serviu (cf. 7.24-8.9) e os aceitou no reino (cf. 11.17; 13.10,27; 14.9). Também não expulsou as autoridades romanas opressoras da pátria dos judeus.
Como alguém pode conciliar a presença do domínio de Deus com a continuação das injustiças e da morte? Na realidade, o tipo de reino pelo qual Israel esperava não veio; nem todas as profecias do Antigo Testamento foram inteiramente cumpridas. Entretanto, na pessoa de Jesus , o reino de Deus, embora encoberto, já está presente, convidando homens e mulheres a aceitar o senhorio dinâmico de Deus com suas responsabilidades e privilégios. O senhorio régio de Deus, no entanto, ainda não está consumado: "Mas agora ainda não vemos todas as coisas sujeitas a ele" (Hb 2.8). A primeira vinda de Jesus é o começo. Seu cumprimento está em andamento, seu encobrimento é temporário (cf. 4.22), e sua manifestação aguarda o segundo advento de Cristo.
A proclamação de Jesus (1.15) motiva o resto da história do Evangelho. Marcos apresentará estudos de caso que demonstrarão o compro¬misso radical que a lei de Deus requer daqueles que crêem, no evangelho. Veremos indivíduos que experimentam a dinâmica presença de Deus em suas vidas diárias. Teremos oportunidades de observar que seguir a Jesus é viver de acordo com o senhorio régio de Deus. Desse modo, veremos como nós, também, podemos gozar os privilégios e cumprir as responsabilidades daqueles que vivem sob o domínio de Deus.
Fonte: Cornerstone Biblical Commentary
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Notas
v. 15 - Há duas palavras gregas para indicar "tempo". Chronos significa, simplesmente, um período de tempo; kairos, tempo específico. "Um dos principais termos escatológicos na Bíblia, kairos, é, acima de tudo, o tempo de Deus" (Bratcher e Nida, 37). Jesus anuncia que esse é um momento decisivo nos propósitos de Deus.
• A fim de evitar conotações estranhas ao evangelho, a palavra grega basileia ("reino") será traduzida por frases como "senhorio de Deus", "domínio de Deus", "sua soberania", "senhorio régio de Deus", e "presença dinâmica de Deus".
• Ao longo dos séculos, os eruditos católicos têm seguido o ensino de Agostinho, que identifica o reino de Deus com a igreja. Ladd, porém, está correto ao afirmar que "a igreja é o povo do reino, mas não pode ser identificada como o reino em si" (Theology, 58).
• Metanoia ("arrependimento", cf. 1.4-6) significa a renúncia do pecado, e é acompanhado por um voltar-se para Deus (i.e., conversão). Isso vai muito além do que ter remorso do passado, sentir repugnância pelo pecado e resolver viver corretamente. Arrependimento exige uma "mudança de mente" (nous), como Paulo declara em Rm 12.1s. Envolve uma total reorientação da personalidade. O arrependido estabelece o propósito de viver sob a direção de Deus.
• Antes da Crucificação, as boas novas eram um convite ao compromisso com a realidade do senhorio de Deus por meio de Jesus. Depois da ressurreição de Jesus o evangelho significa a mensagem cristã em sua inteireza.