A inspiração da Bíblia (Part. 14)

A reivindicação do Antigo Testamento a favor de sua inspiração: O Antigo Testamento vindica para si a inspiração divina, com base no fato de se apresentar perante o povo de Deus e ser por esse povo recebido como pronunciamento profético. Os livros escritos pelos profetas de Deus eram conservados em lugar sagrado. Moisés colocara sua lei na arca de Deus (Dt 10.2). Mais tarde, ela seria mantida no tabernáculo, para ensino das gerações futuras (Dt 6.2). Cada profeta, depois de Moisés, acrescentou seus escritos sagrados à coleção existente. Aliás, o segredo da inspiração do Antigo Testamento está na função profética de seus escritores.

O Antigo Testamento na qualidade de texto profético: O profeta era o porta-voz de Deus. As funções do profeta ficam esclarecidas nas várias menções que a ele se fazem. O profeta era chamado homem de Deus (1Rs 12.22), o que revela ser ele escolhido por Deus; era chamado servo do Senhor (1Rs 14.18), o que mostra sua ocupação; mensageiro do Senhor (Is 42.19), o que assinala sua missão a serviço de Deus; vidente (Is 30.10), o que revela a fonte apocalíptica de sua verdade; homem do Espírito (Os 9.7), o que demonstra quem o levava a falar; atalaia (Ez 3.17), o que manifesta sua prontidão em realizar a obra de Deus. Acima de todas as designações, entretanto, sobressai a de "profeta", ou seja, o porta-voz de Deus. Em razão do próprio chamado, o profeta era alguém que se sentia como Amos — "Falou o Senhor Deus, quem não profetizará?" (Am 3.8)— ou como outro profeta, que disse: "... eu não poderia desobedecer à ordem do Senhor meu Deus, para fazer coisa pequena ou grande" (Nm 22.18). Assim como Arão havia sido profeta ou porta-voz de Moisés (Êx 7.1), pois deveria falar "todas as palavras que o Senhor havia dito a Moisés" (Êx 4.30), assim também os profetas de Deus deveriam falar somente aquilo que o Senhor lhes ordenasse. Assim dissera Deus aos profetas: "Porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar" (Dt 18.18). Além disso: "Nada acrescentareis ao que vos ordeno, e nada diminuireis" (Dt 4.2). Em suma, o profeta era aquele que dava a saber o que Deus lhe havia revelado. Os falsos profetas eram identificados graças às suas profecias falsas e pela falta de confirmação miraculosa. Assim declara o livro de Deuteronômio: "Quando o tal profeta falar em nome do Senhor, e o que disse não acontecer nem se realizar, essa palavra não procede do Senhor" (Dt 18.22). Sempre que se punha em dúvida um profeta ou se exigia sua confirmação, Deus deixava claro, por meio de milagres, a quem havia chamado. A terra se fendeu e tragou a Corá e aos demais que contestaram a vocação de Moisés (Nm 26.10). Elias foi exaltado sobre os profetas de Baal, quando estes pereceram no fogo caído do céu (1Rs 18.38). Até mesmo os magos do Egito reconheceram os milagres divinos realizados por meio de Moisés, quando disseram: "... Isto é o dedo de Deus..." (Êx 8.19).

Sempre ficou bem claro na função do profeta de Deus que o que dizia era palavra da parte de Deus. Veremos, pois, que as passagens do Antigo Testamento eram consideradas declarações proféticas. Há várias maneiras de comprovarmos tal enunciado. As declarações proféticas eram escritas. Muitas declarações proféticas eram transmitidas oralmente, mas interessa-nos aqui o fato de que muitas delas eram registradas, sendo esses registros considerados declarações do próprio Deus. Não há a menor dúvida de que as palavras escritas de Moisés fossem consideradas dotadas de autoridade divina. "Não se aparte da tua boca o livro desta lei" (Js l.8) foi a exortação aos filhos de Israel. Josué, sucessor de Moisés, também "escreveu estas palavras no livro da lei de Deus" (Js 24.26). Quando o rei queimou a primeira mensagem escrita que Jeremias lhe enviara, o Senhor ordenou ao seu profeta: "Toma ainda outro rolo, e escreve nele todas as palavras que estavam no primeiro rolo" (Jr 36.28). O profeta Isaías recebeu esta ordem: "Toma um grande rolo, e escreve nele" (Is 8.1). De modo semelhante, Habacuque recebeu esta ordem da parte de Deus: "Escreve a visão, e torna-a bem legível sobre tábuas, para que aquele que a ler, corra com ela" (Hc 2:2). Os profetas posteriores usavam os escritos dos profetas que os antecederam considerando-os Palavra de Deus escrita. Daniel ficou sabendo que o exílio babilônico de seu povo estava chegando ao fim ao ler a profecia de Jeremias. Assim escreveu o profeta Daniel: "Eu, Daniel, entendi pelos livros que o número de anos, de que falou o Senhor ao profeta Jeremias..." (Dn 9.2).