A inspiração das Escrituras (Part. 26)

inspiração da bíblia, estudo da inspiração da bíblia

Apoio à reivindicação de inspiração da Igreja primitiva: Todos os autores do Novo Testamento são mencionados pelo menos por um pai apostólico por terem autoridade divina. Esses pais da igreja vieram uma ou duas gerações após o encerramento do Novo Testamento (i.e, antes de 150 d.C). Na verdade, eles representam o vínculo ininterrupto da reivindicação do Novo Testamento a favor de sua inspiração divina, desde os tempos dos apóstolos, passando pela fundação da igreja e, sem quebra nem interrupção, pelos séculos e milênios que se seguiram Os primeiros pais da igreja. Os escritos mais antigos do cristianismo contêm inúmeras referências às Escrituras do Novo Testamento. Muitas dessas citações trazem as mesmas designações autorizadas de quando os autores do Novo Testamento citam o Antigo. A pretensa Epístola de Barnabé (c. 70-130), obra atribuída infundadamente ao companheiro de Paulo, cita Mateus 26.31 como aquilo que “Deus disse” (5.12). Depois, chama Mateus 22.14 “Escritura” (4.14). Clemente de Roma, em sua Epístola aos coríntios (c. 95-97), chama os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) “Escrituras”. Ele emprega também as expressões “disse Deus” e “está escrito”, a fim de indicar passagens do Novo Testamento (cf. caps. 36 e 46). Inácio de Antioquia (110 d.C.) escreveu sete cartas, nas quais fez numerosas citações do Novo Testamento. Policarpo (c. 110-135), um dos discípulos do apóstolo João, fez muitas citações dos livros do Novo Testamento em sua Epístola aos filipenses. Às vezes, esse autor introduz tais citações com termos como “dizem as Escrituras” (cf. cap. 12). A obra denominada O pastor, de Hermas (c. 115-140), foi escrita em estilo apocalíptico (visões), semelhante ao de Apocalipse, com inúmeras referências ao Novo Testamento. O didaquê (c. 100-120), ou Ensino dos doze apóstolos, como às vezes é chamado, registra muitas citações livres do Novo Testamento. Papias (c. 130-140) inclui o Novo Testamento num livro intitulado Interpretação dos discursos do Senhor, mesma expressão usada por Paulo em referência ao Antigo Testamento, em Romanos 3.2. A chamada Epístola a Diogneto (c. 150) faz muitas alusões ao Novo Testamento sem um título. Fica notório o seguinte, no uso que os pais apostólicos fizeram do Novo Testamento: o Novo Testamento, à semelhança do Antigo, era tido como inspirado por Deus. Com frequência as citações são livres e sem menção da fonte original. Todavia, qualquer pessoa que ler os escritos dos pais apostólicos necessariamente verá que os livros do Novo Testamento gozavam da mesma elevada estima atribuída ao Antigo Testamento. Pais da igreja de época posterior. A partir da segunda metade do século II encontra-se apoio contínuo à reivindicação de inspiração feita pelo Novo Testamento.

Justino Mártir (m. 165) considerava os evangelhos “a voz de Deus” (Apologia, 1,65). “Não devemos supor”, escreveu ele, “que a linguagem provém de homens inspirados, mas da Palavra Divina que os move” (1,36). Taciano (c. 110-180), discípulo de Justino, cita João 1.5 como “Escritura”, no capítulo 13 de sua Apologia. Irineu (c. 130-202), em sua obra Contra heresias, escreveu: “Pois o Pai de todos nós deu o poder do evangelho a seus apóstolos, por intermédio de quem viemos a conhecer a verdade [...] esse evangelho que eles pregaram. Depois, pela vontade de Deus, eles nos legaram as Escrituras, para que fossem ‘pilar e alicerce’ de nossa fé” (5,67). Clemente da Alexandria (c. 150-215) classifica os dois Testamentos, o Novo e o Antigo, como igualmente inspirados por Deus, com a mesma autoridade divina, dizendo: "As Escrituras [...] na Lei, nos Profetas e, além dessas, no abençoado Evangelho [...] são válidas por causa de sua autoridade onipotente" (Strômata [Seleções], 2,408-9). Tertuliano (c. 160220) afirmava que os quatro evangelhos "são edificados na base certa da autoridade apostólica, de modo que são inspirados em sentido muitíssimo diferente dos escritos de um cristão espiritual".
[1] Hipólito (c. 170-236), discípulo de Irineu, oferece-nos uma das mais definitivas declarações a respeito da inspiração encontradas nos pais primitivos. Na sua obra Tratado sobre Cristo e o Anticristo, ao falar dos escritores do Novo Testamento, assim se expressou: “Esses homens abençoados [...] tendo sido aperfeiçoados pelo Espírito da profecia, são dignamente honrados pela própria Palavra, foram trazidos a uma harmonia íntima [...] como instrumentos, e, tendo a Palavra dentro deles, por assim dizer, a fim de fazer ressoar as notas [...] pelo Senhor foram movidos, e anunciavam o que Deus queria que anunciassem. É que eles não falavam de sua própria capacidade [...] falavam daquilo que lhes era [revelado] unicamente por Deus.”[2] Orígenes (c. 185-254), professor em Alexandria, também nutria opiniões fortemente enraizadas quanto à inspiração. Cria ele que “o Espírito inspirou cada santo, fosse profeta, fosse apóstolo; e não havia um Espírito fios homens da antiga dispensação e outro naqueles que foram inspirados por ocasião do advento de Cristo” (Dos princípios). É que em sua plenitude e inteireza “as Escrituras foram escritas pelo Espírito” (16,6). O bispo Cipriano (c. 200-258) confirmava com toda a clareza a inspiração do Novo Testamento, declarando ser ele “Escrituras Divinas” dadas pelo Espírito Santo. Eusébio de Cesaréia (c. 265-340), notável historiador da igreja, expôs e catalogou os livros inspirados dos dois Testamentos em sua História eclesiástica. Atanásio de Alexandria (c. 295-373), conhecido Como o “pai da ortodoxia”, por causa de sua defesa da divindade de Cristo contra Àrio, foi o primeiro a usar a palavra cânon em referência aos livros do Novo Testamento.

Cirilo de Jerusalém (c. 315-316) fala das “Escrituras divinamente inspiradas tanto do Antigo como do Novo Testamento”. Depois de relacionar os 22 livros das Escrituras hebraicas e 26 do Novo Testamento (todos menos o Apocalipse), acrescentou: “Aprendei também diligentemente, com a igreja, quais são os livros do Antigo Testamento, e quais são os do Novo. E rogo-vos com veemência: Não leiais nenhum dos escritos apócrifos” (Das Escrituras sagradas). É desnecessário prosseguir. Basta-nos salientar, nesta altura, que a doutrina ortodoxa da inspiração do Novo Testamento teve continuidade ao longo dos séculos, passando pela Idade Média, chegando à Reforma e penetrando no período moderno da história da igreja. Louis Gaussen resumiu a situação muito bem ao escrever o seguinte: Com a exceção única de Teodoro de Mopsuéstia [c. 400], [...] verificou-se que foi impossível produzir, no longo decurso dos oito primeiros séculos do cristianismo, um único doutor da igreja que negasse a plena inspiração das Escrituras, a não ser a negação que se encontra no seio das mais violentas heresias que têm atormentado a igreja cristã.
[3] Em resumo, portanto, a inspiração do Novo Testamento baseia-se na promessa de Cristo de que seus discípulos seriam dirigidos pelo Espírito em seus ensinos a respeito do Senhor. Os discípulos creram nessa promessa e a assimilaram, havendo claros indícios de que os próprios autores do Novo Testamento, bem como os de sua época, reconheceram o cumprimento dessas promessas. Criam em que o Novo Testamento havia sido divinamente inspirado, pelo que, desde os primórdios do início dos registros cristãos, tem havido apoio unânime à doutrina da inspiração do Novo Testamento, em igualdade de condições com o Antigo Testamento.




____________
Notas:
[1] Brooke Foss WBSTCOTT, An introduction to the study of the gospels, New York, Macmillan,1902, p. 421.
[2] Ap, ibid., p. 418-19. Colchetes de Westcott.
[3] Theopneustia: the plenary inspiration of the Holy Scriptures, trad. David Scott, Chicago, BICA, n.d., p. 139-40,