Comentário de J.W Scott: Colossenses 2:1-21

comentário bíblico da carta aos colossenses
Por quantos não viram o meu rosto (2.1). O apóstolo torna claro que o seu ministério e cuidado abrangem aqueles que ainda não encontrou. Provavelmente a carta estava destinada a ser lida também para as outras igrejas do Lico-Laodicéia e Hierápolis (veja a Introdução). Os vers. 2 e 3 introduzem a discussão de Paulo sobre a heresia colossense. O segredo do poder para os colossenses, consiste numa harmonia de espírito (corações... vinculados em amor), e a apropriação real do seu tesouro em Cristo. Não existe, tesouro secreto de sabedoria (3) que não esteja em Cristo mesmo.

VI. ADVERTÊNCIA É REFUTAÇÃO DO FALSO ENSINAMENTO Cl 2.4-23

Agora vem a referência direta aos mestres cujas heresias ocasionaram a carta. O grego paralogizetai traduzido como enganar traz a idéia de ser desencaminhado por raciocínios insubstanciais (Lightfoot). O uso de "palavras persuasivas" é o meio por excelência de produzir este resultado. A heresia, evidentemente, se recomendava por causa de sua plausibilidade nos lábios dos mestres, e também atraía os pseudo-intelectuais. As palavras traduzidas por ordem e firmeza (5) são metáforas tiradas da vida militar. Lightfoot parafraseia: "a ordem militar e a sólida falange que a nossa fé em Cristo apresenta contra o assalto do adversário". Assim andai (6); cf. Cl 1.10 e Ef 1.17 Não devem afastar-se dos preceitos do evangelho recebidos no começo. Arraigados e sobreedificados (7). Ressaltam diferentes idéias, o primeiro vocábulo sendo particípio perfeito e o último particípio presente. "A inabalável fé do cristão é firmada de uma vez por todas, e a conduta baseada nela se evolui constantemente" (E. F. Scott). Note as numerosas referências à ação de graças (cf. 1.12 n.).

Dois fatores combinam para dificultar a exposição detalhada dos vers. 8 a 15: primeiro, a concentrada apresentação das doutrinas essenciais da fé, e segundo, as alusões a uma heresia cujos pormenores ignoramos, da qual não temos nenhuma declaração sistemática. Entretanto, o ensino principal da passagem fica fora de dúvida.

Tende cuidado... filosofia (8). Não deve ser imaginado que aqui Paulo lança um ataque sistemático contra a filosofia como tal. As palavras e vãs sutilezas... indicam a espécie de filosofia (e talvez aqui a palavra deva estar entre aspas) que Paulo tem em mente, a saber, um ensino vão, embora plausível. Este ensino não é segundo Cristo. É baseado sobre tradição humana, quer dizer, é um sistema secreto privativo duma seita. Além disso é segundo os rudimentos do mundo (8). O gr. ta stoicheia, traduzido por "os elementos", tem uma etimologia interessante. De "coisas postas em linha" ela veio a significar as letras do alfabeto, em seguida, os rudimentos de qualquer matéria, e gradativamente chegou a ser aplicada aos elementos do universo físico. Depois foi usada para os poderes que controlariam o universo. Esta é a significação dada por muitos comentadores à palavra como aparece neste verso. A significação seria então que o ensino em apreço se deriva do culto angelológico, antes que de Cristo. É preciso resistir com intransigência ao trabalho destes hereges, que desejam insinuar um evangelho suplementar. Porque Cristo não pode precisar de supridor. Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade (9). Corporalmente aqui não é uma referência ao corpo humano de Cristo. A significação é que a plenitude da divindade em seu todo está em Cristo. Não falta em Cristo nenhum elemento da natureza divina. Estais perfeitos nEle (10). Do mesmo modo como Cristo não pode precisar de supridor, assim a vida em Cristo não pode ser enriquecida. Ele é a Cabeça de todos os poderes. Tendo-o, não necessitamos de nenhum outro (cf. notas sobre Cl 1.17-18 e Ef 1.21).

O rito da circuncisão como administrada em Israel representa o que nos aconteceu (11). A circuncisão física era um corte da carne; a circuncisão espiritual é da mesma sorte uma operação pela qual é cortada toda a natureza carnal, descrita aqui como "o despojamento do corpo da carne" (Cf. Rm 6.6).

A transição da idéia da circuncisão espiritual para aquela do batismo é uma coisa natural. Aqui temos outro quadro da experiência do crente. A figura usada é aquela da imersão. Houve um sepultamento do crente com Cristo e uma ressurreição para novidade de vida. (Cf. Rm 6.4). Não se deve supor que o apóstolo considera que o simples ato do batismo faz isto, ex opere operato. É "mediante a fé no poder de Deus" (12) que o rito ganha significação e eficácia. Mortos nos pecados e na incircuncisão da vossa carne (13). Estamos a concluir desta declaração que Paulo apresenta a incircuncisão como símbolo da perversidade natural? O teor geral do seu ensino se opõe a esta opinião. Parece que a figura é usada apenas para ressaltar o contraste entre o estado anterior deles e a posição atual em Cristo. É como se dissesse: "Estáveis moral e espiritualmente mortos e nem tínheis o sinal racial para vos dar esperança. Mas agora...". O perdão (13) é a grande bênção inicial que nos é outorgada em Cristo. Paulo introduz no vers. 14 duas figuras para descrever o que Deus tem feito com o pecado e a culpa. Primeiro, Ele cancelou o escrito de dívidas (14). A lei é aqui contemplada como débito do homem pelo que ele é responsável. É contra nós porque permanece como testemunho da nossa falência, mas Deus, em Cristo, cancelou o título da dívida. Segundo, Ele fez ainda mais. Ele a tomou e a jogou fora (14). Lightfoot parafraseia "a lei de... ordenanças foi cravada na cruz, rasgada com o corpo de Cristo, e destruída com a sua morte". A sugestão de que se refere ao cancelamento de uma dívida por ser cravada num lugar público não é convincente. Não há nenhuma evidência de tal costume.

No vers. 15 há uma súbita mudança de figura. Um fato surge com nitidez. Cristo despojou principados e potestades. A metáfora é militar. Ele combateu poderes invisíveis, despojou-os de suas armas e os exibiu à maneira do triunfo romano. (Cf. Ef 4.8, onde este pensamento se relaciona com a ascensão do Nosso Senhor). Por esta razão não há poderes a que devamos temer. Não estamos mais submetidos à escravidão, seja da lei ou de poderes angélicos.

Esta afirmação prossegue para o importante aspecto da crítica de Paulo à heresia. Os colossenses são advertidos contra o perigo de confundir a sombra e a substância. Os mestres heréticos queriam que observassem as práticas e ritos ascéticos, que seriam de nenhum proveito para o homem que está em Cristo.

Pelo comer ou pelo beber (16). Embora a Lei levítica silenciasse sobre o assunto da bebida, esta regra ascética tinha provavelmente uma íntima relação com o Judaísmo, particularmente quando associada como aqui, com a observância de dias santos, luas novas, dias de sábado, e as cerimônias anuais, mensais e semanais do Judaísmo (cf. Gl 4.10). A objeção a estas práticas é que elas são, antecipadamente, uma sombra das coisas futuras (17; cf. Hb 10.1). Em cada caso "a realidade, o antítipo, é encontrado na dispensação cristã" (Lightfoot). O corpo (17), isto é, "a substância". O vers. 18 é notoriamente difícil de interpretação. Em 1912, Sir William Ramsay descobriu uma inscrição em Klaros contendo a palavra aqui traduzida por "metendo-se" (ARC). Nesta inscrição o mesmo verbo é usado de um neófito que, depois de completar o seu curso de iniciado, ingressa num movimento. Isto sugere que neste verso o apóstolo usa a grandiosa linguagem destes cultos misteriosos num tom de desdém. Coisas que não viu (ARC). A negativa deve ser omitida. A frase então se refere às visões executadas diante do adorador. Compare a ARA. Tais pessoas não se firmam em Cristo que, como Cabeça do corpo, lhes dá unidade e vitalidade (19). Delas vem a tendência, portanto, para desintegração. Note a implicação nesta figura de uma relação direta entre cada crente e o próprio Cristo, sem uso de intermediários.

Pois se estais mortos (20). Os que morreram com Cristo para as coisas do mundo, não devem experimentar uma nova escravidão à tradição humana. As proibições propostas pelos hereges (21) mostram que ainda estão sobre o domínio da matéria. O vers. 23 participa da dificuldade do vers. 18. Suspeita-se uma corrupção do texto original. Aparência de sabedoria: sugere que as práticas não tinham base doutrinal sã. A paráfrase de Lightfoot dá provavelmente a significação tão exatamente quanto possível: "Todas estas coisas têm ares de sabedoria; reconheço isto. Há uma ostentação oficiosa de devoção religiosa, uma afetada aparência de humildade; há uma severa disciplina ascética que maltrata o corpo; porém, não há nada de valor real para deter a indulgência da carne".