Comentário de J.W Scott: Gálatas 3:15-29

comentário bíblico da carta aos gálatas
I. A verdadeira função da lei (Gl 3.15-23)

A promessa é um fato anterior à lei, e é o elemento original e essencial no propósito de Deus. A lei era uma provisão meramente temporária; não era contrária à fé, mas foi dada a fim de preparar os homens para a era da fé.

Irmãos (15). Um toque de ternura, como que para mitigar a severidade de muito que fora escrito. Falo como homem (15); "Para tomar uma ilustração da vi da humana meus irmãos" (Moff). Ninguém a revoga (15); o verbo é o mesmo que em Gl 2.21. Ou lhe acrescenta (15); "adiciona novas cláusulas" (Lightfoot).

No vers. 16, Paulo tem sido freqüentemente acusado de fazer uma aplicação errônea das palavras citadas por ele do livro de Gênesis. A verdade bem ao contrário pode ser que seus críticos não têm visto tão profundamente as coisas de Deus como ele. Ele não está aqui a sugerir-nos a idéia que o Antigo Testamento inteiro olha para a vinda de um indivíduo, o Cristo; que sumariza em Sua pessoa o povo da aliança em Quem o Israel de Deus é abençoado com todas as bênçãos espirituais? Cristo e Seu povo são um só, conforme Paulo explica mais completamente um pouco mais adiante (Gl 3.27-29). Se pudesse ser demonstrado que a herança depende da observância da lei, isso anularia e abrogaria a promessa. A concedeu gratuitamente (18). O tempo verbal perfeito indica que os efeitos da promessa são permanentes.

Qual, pois, a razão de ser da lei? (19). Melhor, lit., "Que, então, é a lei?". Sua inferioridade é destacada de três maneiras. Primeira, em lugar de justificar, ela condena; ela foi adicionada a fim de salientar mais claramente a pecaminosidade da natureza humana e aprofundar o senso de pecado no coração humano (cf. Rm 3.19-20; Rm 5.20). Em segundo lugar, esteve em vigor apenas durante algum tempo. Em terceiro lugar, não veio diretamente da parte de Deus: houve uma dupla interposição, a saber, a dos anjos e a de Moisés. Quanto aos anjos, cfr. At 7.53 e Hb 2.2. Deus é um (20). Tem sido dito que há mais de 250 interpretações sobre esse dificílimo versículo; mas isso certamente é um exagero. O sentido da primeira cláusula parece suficientemente claro: a própria idéia de um mediador implica em duas partes interessadas. Quanto à segunda cláusula, a interpretação que acompanha esse pensamento, e que parece satisfatória, tem sido apresentada por Lightfoot. Deus tratou com Abraão diretamente, sem mediações. "Diferentemente da lei, a promessa é absoluta e incondicional. Depende exclusivamente do decreto de Deus. Não há duas partes interessadas a se compactuarem. Nada existe que pertença à natureza de estipulação. O doador representa tudo, o recebedor nada representa". De modo nenhum (21); cf. 2.17 n. A lei nunca teve a intenção de comunicar vida nem de proporcionar a justiça.

A Escritura (22); ver, por exemplo, passagens tais como Dt 27.26, citada em Gl 3.10, e Sl 143.2, citada em Gl 2.16; passagens semelhantes são citadas em Rm 3.10-18. Encerrou tudo (22); "entregou tudo, sem exceção, à custódia do pecado" (Moff.). O mesmo verbo é empregado em Gl 3.23 (encerrados) e em Rm 11.32; também em Lc 5.6, sobre a rede que apanha os peixes. A lei encerrou os homens em sua prisão, assim lhes transmitindo um senso de culpa e do poder do pecado. A fé (23); isto é, a fé referida no vers. 22, a fé que justifica; cf. vers. 11 e 14. Estávamos sob (23). O tempo verbal imperfeito descreve a atividade incessante da lei como carcereira. O mesmo verbo (em grego, phroureo) é empregado para designar o fato dos crentes serem guardados, em 1Pe 1.5; é também empregado para indicar literalmente a guarda de uma cidade, em 2Co 11.32.

II. Nesta era da fé somos filhos de Deus (Gl 3.24-4.7)

A lei nos conduziu a Cristo, em Quem pudemos encontrar justificação, mediante a fé. O estado de tutela pertence ao passado: temos nos tornado espiritualmente adultos, atingindo a estatura de filhos e herdeiros de Deus.

Aio (24); "tutor", "preceptor"; "a lei agia como tutor-escravo para conduzir-nos a Cristo" (Wey). Desse modo a lei nos orientava como nosso pedagogos, "orientador de crianças", de qual termo se origina a palavra portuguesa "pedagogo"; ela ocorre também em 1Co 4.15. Descreve um escravo de confiança, nas famílias antigas das classes sociais mais ricas, o qual levava as crianças da família da escola e para a escola. Ele tinha essa supervisão sobre elas entre as idades de sete e dezessete anos, e ele as resguardava da sociedade má e das influências imorais. A função da lei termina quando nos tem conduzido a Cristo e nos deixa entregues em Suas mãos, não meramente para receber instrução, mas, acima de tudo, para recebermos redenção, que inclui a completa filiação. Todos vós sois filhos (26). A sentença fica mais clara pelo emprego da vírgula, como segue: "Pois todos vós sois filhos de Deus, mediante a fé, em Cristo Jesus". Não são todos os homens, indiscriminadamente, que são filhos de Deus, mas somente aqueles que têm verdadeira fé e estão em união vital com Cristo. Batizados (27); a única referência ao batismo nesta epístola. Para aqueles gálatas, o batismo fora um momento de intensa crise espiritual: haviam sido batizados em Cristo, isto é, para "dentro de Cristo". Vos revestistes (27); a saber, no momento do batismo. Quanto à ilustração, cf. Ef 4.24; Cl 3.10; e, especialmente, Rm 13.14. Aqui significa possuir a posição de Cristo perante Deus. O batismo deles não somente os selou, mas também tornou mais real para eles o fato que eram um com o crucificado e ressurrecto Senhor.

Dessarte não pode haver (28); "não há espaço para" (Lightfoot e Moff.). No Livro de Oração dos judeus encontramos as seguintes palavras: "Bendito és Tu" ó Senhor nosso Deus, Rei do Universo, que não me fizeste um escravo. Bendito és tu, que não me fizeste uma mulher". Paulo ultrapassou em muito além do ponto da vista dessa oração, que provavelmente recua até à sua época. Duncan (Moffatt Commentary) sugere que poderíamos dizer hoje em dia que, "não há lugar para homem branco e homem negro, patrão ou empregado, capitalista ou mensalista, homem ou mulher. Tais distinções, naturalmente, existem no mundo natural, mas agora não podem mais ser consideradas como finais". Um (28); "um homem". "Um coração bate em todos: uma mente guia a todos; uma vida é vivida por todos" (Lightfoot), De Cristo (29). Eles eram membros de Cristo; poderíamos até dizer, eram parte de Cristo (cf. Ef 5.30). Nessa qualidade, eram herdeiros; não porém, segundo a lei, mas segundo a promessa.