A Determinação da Canonicidade

CÂNON, BÍBLIA, ANTIGO, NOVO, TESTAMENTO, ESTUDO, DETERMINAÇÃOI. A determinação da canonicidade

Essas considerações em torno da canonicidade ajudam-nos a esclarecer o que significa Escrituras canônicas. A confusão existente entre os sentidos ativo e passivo da palavra cânon que trouxe ambiguidade à questão do que determina a canonicidade de um livro.

II. Alguns conceitos deficientes sobre o que determina a canonicidade

Foram apresentadas várias opiniões a respeito do que determina a canonicidade de um escrito. Essas posições confundem os cânones, ou regras mediante as quais o crente descobre que determinado livro é inspirado (sentido passivo da palavra cânon), com os cânones dos escritos normativos que foram descobertos (sentido ativo da palavra cânon). Assim, tais teorias são insatisfatórias quanto aos conceitos sobre o que determina a canonicidade de um livro. Vamos examiná-las de modo sucinto.

III. A concepção de que a idade determina a canonicidade.

A teoria segundo a qual a canonicidade de um livro é determinada pela sua antiguidade, que tal livro veio a ser venerado por causa de sua idade, erra o alvo por duas razões. Primeira: muitos livros velhíssimos, como o livro dos justos e o livro das guerras do Senhor (Js 10.13 e Nm 21.14) nunca foram aceitos no cânon. Em segundo lugar, há evidências de que os livros canônicos foram introduzidos no cânon imediatamente, e não depois de haverem envelhecido. E o caso dos livros de Moisés (Dt 31.24-26), de Jeremias (Dn 9.2) e dos escritos do Novo Testamento produzidos por Paulo (2Pe 3.16).

IV. A concepção de que a língua hebraica determina a canonicidade.

É insatisfatória também a teoria segundo a qual os livros que fossem escritos em hebraico, a língua "sagrada" dos hebreus, seriam considerados sagrados, e os que houvessem sido escritos em outra língua não seriam introduzidos no cânon. A verdade é que nem todos os livros redigidos em hebraico foram aceitos, como é o caso dos livros apócrifos e de outros documentos antigos não-bíblicos (v. Js 10.13). Além disso, há seções de alguns livros aceitos no cânon sagrado que não foram escritas em hebraico (Daniel 2.4b— 7.28 e Esdras 4.8— 6.18; 7.12-26 foram escritos em aramaico).

V. A concepção de que a concordância do texto com a Tora determina a sua canonicidade.

É uma visão errônea, concernente à Tora (lei de Moisés). Nem é necessário mencionar que quaisquer livros que contradigam a Tora deviam ser rejeitados, tendo em vista a crença de que Deus não poderia contradizer-se em suas revelações posteriores. Essa teoria, porém, despreza duas questões de grande importância. Em primeiro lugar, não era a Tora que determinava a canonicidade dos escritos que lhe sucederam. Antes, o fator determinante da canonicidade da Tora era o mesmo que determinaria a de todas as demais Escrituras Sagradas, a saber, que os escritos fossem inspirados por Deus.

Em outras palavras, a concepção de que a concordância com a Tora determina a canonicidade de um documento é insatisfatória porque não explica o que foi que determinou a canonicidade da Tora. Em segundo lugar, tal teoria é demasiado generalizante. Muitos outros textos que estavam de acordo com a Tora não foram aceitos como inspirados. Os pais judeus criam que seu Talmude e Midrash concordavam com a Tora, mas jamais os consideraram canônicos. O mesmo vale dizer de muitos escritos cristãos em relação ao Novo Testamento.

VI. A concepção de que o valor religioso determina a canonicidade.

Essa é outra hipótese: que o valor religioso de um livro determina sua inclusão no cânon sagrado. Outra vez temos aqui o carro adiante dos bois. É axiomático afirmar que, se um livro não tiver algum tipo de valor espiritual, deve ser rejeitado e eliminado do cânon. Também é verdade que nem todos os livros que possuem algum valor espiritual sejam automaticamente canônicos, como o comprovam alguns tesouros da literatura judeu-cristã, dos quais são alguns apócrifos. O fato mais importante, no entanto, é que essa teoria faz confusão entre causa e efeito. Não é o valor religioso que determina a canonicidade de um texto; é sua canonicidade que determina seu valor religioso. De forma mais precisa, não é o valor de um livro que determina sua autoridade divina, mas a autoridade divina é que determina seu valor.