Comentário da Carta de Tiago 2:14-17

comentario da carta de tiago 2.14 De que proveito é, meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas ele não tiver obras?

Deve-se notar que Tiago não contradiz o que Paulo falou, a saber, que “o homem é declarado justo pela fé, à parte das obras da lei”. (Rom. 3:28) Tiago concorda plenamente com este ensino, mas escreve para refutar o abuso ou a deturpação dele. A deturpação era o conceito de que o homem, apenas por ter idéias corretas sobre ser justificado pela fé, sem nenhuma demonstração desta fé por boas obras, era justo aos olhos de Deus e finalmente receberia plena salvação. Na realidade, conforme Tiago salienta, qualquer pretensa fé que não induzir a pessoa a boas obras não é fé genuína. Tal homem apenas ‘diz que tem fé’. Aquele que afirma ter fé no sacrifício expiatório de Cristo e que diz que é cristão, mas não demonstra esta fé por atos, não é realmente cristão. Se a sua “fé” não tiver produzido mudanças na sua personalidade, na sua vida e nos seus atos, que lhe adianta então? Como pode ele fazer o que Jesus ordenou aos seus seguidores: “Deixai brilhar a vossa luz perante os homens, para que vejam as vossas obras excelentes e dêem glória ao vosso Pai, que está nos céus”? (Mat. 5:16)

Chamaria alguém a um homem de verdadeiro médico, doutor dedicado, que se estabelecesse num consultório e expressasse fé no tratamento médico, mas que nunca tratasse ou ajudasse alguém clinicamente? Jesus disse: “Nem todo o que me disser: ‘Senhor, Senhor’, entrará no reino dos céus, senão aquele que fizer a vontade de meu Pai, que está nos céus.” (Mat. 7:21) O que Tiago diz no versículo 14 liga-se com a descrição que faz no capítulo 1:26, 27, onde fala sobre o homem que ‘acha que é’ ou ‘pensa que é’ adorador de Deus, mas deixa de produzir os frutos de sua fé ou de sua forma de adoração. Deixa de “refrear a sua língua”, de discipliná-la para falar em harmonia com a verdadeira situação, com o que ele realmente é. Sua forma de adoração é “fútil”. Ele deixa também de ter obras, tais como cuidar dos órfãos e das viúvas, e manter-se imaculado do mundo. Além disso, tal profissão vã e fútil de fé leva a pessoa a erros tais como mostrar parcialidade, por não cumprir a lei do amor e por não ter misericórdia. (Tia. 2:8, 9, 13)

Será que tal fé o pode salvar?

Note que Tiago não enfatiza a própria fé, mas sim a “fé” específica em questão, “tal fé”, a falsamente chamada fé, que não tem obras. Conforme Tiago reconhece, a verdadeira fé na palavra de Deus pode salvar nossa alma. (Tia. 1:21) Nisto Tiago concorda plenamente com Paulo. Ambos estão em harmonia quanto à verdadeira fé e às obras cristãs. Mas, Tiago considera obras diferentes daquelas sobre as quais Paulo escreve em Romanos, capítulos 3 e 4.

Paulo, dizendo que as obras não podem resultar para alguém numa declaração de justiça, está falando sobre obras da lei, em que a pessoa se empenha, obras em que talvez se estribe, pensando que pode adquirir a justiça de Deus ou que as contínuas boas obras do cristão, em si mesmas, lhe granjeariam a justiça. (Rom. 4:2-5) Mas Tiago fala sobre obras cristãs que são motivadas, não por um código de leis, mas pela fé e pelo amor. São o resultado, o produto e o fruto desta fé, e não podem ser separadas ou desligadas da verdadeira fé. No entanto, Paulo, embora salientando que alguém é inicialmente declarado justo pela fé, fala também repetidas vezes sobre a necessidade de o cristão se empenhar em obras de fé — obras que mostram esta fé. Chama os cristãos de povo “zeloso de obras excelentes”. (Tito 2:14; veja 1 Tessalonicenses 1:2-7; 1 Timóteo 2:10; Tito 2:7; 3:8, 14.) E quem realizou mais obras do que Paulo? Tiago pergunta: “Será que tal fé [isto é, a que não tem obras para mostrar sua genuinidade] o pode salvar?” É claro que a resposta é: Não, não pode.

2.15 Se um irmão ou uma irmã estiverem em nudez e lhes faltar alimento suficiente para o dia, 2.16 contudo, alguém de vós lhes disser: “Ide em paz, mantende-vos aquecidos e bem alimentados” mas não lhes derdes o necessário para os seus corpos, de que proveito é?

Com “nudez”, Tiago não necessariamente queria dizer estarem nus, mas estarem insuficientemente vestidos (a palavra grega gymnos pode ser usada neste sentido). Tiago apresenta aqui um exemplo vigoroso. Palavras, pensamentos ou desejos bondosos expressos por alguém, sem serem acompanhados por uma ajuda tangível, embora ele possa prover amparo material, não são de auxílio nenhum, mas, na realidade, são uma afronta e podem agravar a dor de quem sofre. (Veja Provérbios 3:27, 28)


Do mesmo modo, a pretensa fé, que não faz nada e não exerce nenhuma influência prática na vida da pessoa, nem induz outros a ter fé, é inútil. Alguém que diria: ‘Vá em paz’, ao mesmo tempo repelindo aquele que sofre privação, deixando para outro o trabalho de ajudá-lo, seria conhecido na comunidade como alguém que não tem nem amor, nem bondade. Do mesmo modo, o professo cristão com tal fé vã revelaria a futilidade de sua religião, lançando vitupério sobre Deus. Poderia isso ser chamado de cristianismo? Estaria seguindo o exemplo de Cristo? O patriarca Jó numa ilustração similar, mostra o julgamento adverso que ele mesmo teria recebido, se tivesse seguido este precedente. (Jó 31:16-22)

2.17 Assim também a fé, se não tiver obras, está morta em si mesma...

A espécie de fé que não vem acompanhada de atos, em harmonia com a sua profissão, não somente não faz nada para quem a tem, mas tampouco exerce influência sobre os homens, e nenhuma sobre Deus, assim como tampouco um morto pode influenciar os vivos. (Veja Eclesiastes 9:5, 6.) “Por si só” está morta. (Almeida, atualizada; Tradução Interlinear, em inglês) Quer dizer, segundo a evidência que apresenta, tal “fé” não fornece nenhuma prova de ter qualquer vida, apesar das afirmações positivas de quem a possui.