“Ouvistes Que Se Disse”


Quando Jesus anteriormente citava das Escrituras Hebraicas, ele dizia: “Está escrito.” (Mateus 4:4, 7, 10) Mas, seis vezes no Sermão do Monte, ele apresentou o que parecia ser declarações das Escrituras Hebraicas, com as palavras: “Ouvistes que se disse.” (Mateus 5:21, 27, 31, 33, 38, 43) Por quê? Porque referia-se às Escrituras conforme eram interpretadas à luz de tradições farisaicas que contradiziam os mandamentos de Deus. (Deuteronômio 4:2; Mateus 15:3) Isto fica evidente na sexta e última referência de Jesus nesta série: “Ouvistes que se disse: ‘Tens de amar o teu próximo e odiar o teu inimigo.’” Mas, nenhuma lei mosaica dizia: “Odeia o teu inimigo.” Os escribas e fariseus eram quem o dizia. Esta era a interpretação deles da lei de amar o próximo — o próximo judeu, não outros.

Considere agora a primeira dessa série de seis declarações. Jesus disse: “Ouvistes que se disse aos dos tempos antigos: ‘Não deves assassinar; mas quem cometer um assassínio terá de prestar contas ao tribunal de justiça.’ No entanto, digo-vos que todo aquele que continuar furioso com seu irmão terá de prestar contas ao tribunal de justiça.” (Mateus 5:21, 22) A ira no coração pode levar à linguagem abusiva e, daí, a julgamentos condenatórios, e pode, por fim, levar ao próprio ato de assassinato. Prolongada ira alimentada no coração pode ser mortífera: “Todo aquele que odeia seu irmão é homicida.” — 1 João 3:15.

Jesus disse a seguir: “Ouvistes que se disse: ‘Não deves cometer adultério.’ Mas eu vos digo que todo aquele que persiste em olhar para uma mulher, a ponto de ter paixão por ela, já cometeu no coração adultério com ela.” (Mateus 5:27, 28) Está decidido a não cometer adultério? Então, nem mesmo inicie essa trajetória por entreter pensamentos a respeito disso. Resguarde seu coração, que é onde tais coisas se originam. (Provérbios 4:23; Mateus 15:18, 19) Tiago 1:14, 15 alerta: “Cada um é provado por ser provocado e engodado pelo seu próprio desejo. Então o desejo, tendo-se tornado fértil, dá à luz o pecado; o pecado, por sua vez, tendo sido consumado, produz a morte.” Às vezes, se diz: ‘Não comece o que você não pode terminar.’ Mas, neste caso, devemos dizer: ‘Não comece o que você não pode parar.’ Alguns, que foram fiéis mesmo quando ameaçados de morte perante um pelotão de fuzilamento, acabaram sucumbindo ao insidioso engodo da imoralidade sexual.

Chegamos agora à terceira declaração de Jesus. Ele disse: “Outrossim, foi dito: ‘Quem se divorciar de sua esposa, dê-lhe certificado de divórcio.’ No entanto, eu vos digo que todo aquele que se divorciar de sua esposa, a não ser por causa de fornicação, expõe-na ao adultério, e quem se casar com uma mulher divorciada [isto é, divorciada por razões que não sejam a imoralidade sexual] comete adultério.” (Mateus 5:31, 32) Alguns judeus agiam traiçoeiramente para com suas esposas e divorciavam-se delas pelas mais triviais razões. (Malaquias 2:13-16; Mateus 19:3-9) As tradições orais permitiam que o homem se divorciasse de sua esposa “mesmo se ela estragasse uma comida” ou “se ele encontrasse uma [mulher] mais bonita do que ela”. — Míxena.

Numa linha de raciocínio similar, Jesus prosseguiu: “Novamente, ouvistes que se disse aos dos tempos antigos: ‘Não deves jurar sem cumprir‘. . . No entanto, eu vos digo: Não jureis absolutamente.” Naquela época, os judeus abusavam da prática de fazer votos e juravam sobre muitas coisas triviais que não cumpriam. Mas, Jesus disse: “Não jureis absolutamente. . . Deixai simplesmente que a vossa palavra Sim signifique Sim, e o vosso Não, Não.” A sua regra era simples: seja verídico sempre, sem ter que garantir a sua palavra por meio dum juramento. Reserve os juramentos para assuntos vitais. — Mateus 5:33-37; compare com 23:16-22.

Jesus disse a seguir: “Ouvistes que se disse: ‘Olho por olho e dente por dente.’ No entanto, eu vos digo: Não resistais àquele que é iníquo; mas, a quem te esbofetear a face direita, oferece-lhe também a outra.” (Mateus 5:38-42) Jesus não se referia a um golpe destinado a ferir, mas sim a um tapa insultuoso com as costas da mão. Não se rebaixe trocando insultos. Recuse-se a pagar o mal com o mal. Em vez disso, pague com o bem e, assim, ‘persista em vencer o mal com o bem’. — Romanos 12:17-21.

No sexto e último exemplo, Jesus mostrou claramente como a Lei mosaica estava enfraquecida pela tradição rabínica: “Ouvistes que se disse: ‘Tens de amar o teu próximo e odiar o teu inimigo.’ No entanto, eu vos digo: Continuai a amar os vossos inimigos e a orar pelos que vos perseguem.” (Mateus 5:43, 44) A Lei mosaica escrita não limitava o amor: “Tens de amar o teu próximo como a ti mesmo.” (Levítico 19:18) Foram os fariseus que objetaram a este mandamento e, para burlá-lo, restringiram o termo “próximo” aos que guardavam as tradições. Assim, quando mais tarde Jesus lembrou a certo advogado o mandamento de ‘amar o próximo como a si mesmo’, esse homem recorreu a um subterfúgio: “Quem é realmente meu próximo?” Jesus respondeu com a ilustração do bom samaritano — torne-se o próximo daquele que necessita de você. — Lucas 10:25-37.

Continuando seu sermão, Jesus declarou que ‘Deus mostra amor para com os iníquos. Faz o sol brilhar e a chuva cair sobre eles. Nada há de extraordinário em amar os que nos amam. Os iníquos fazem isso. Isto não é motivo de recompensa. Mostrai-vos filhos de Deus. Imitai-o. Que cada um se torne o próximo de todos e amai o vosso próximo. E, assim, “sede perfeitos, como o vosso Pai celestial é perfeito”’. (Mateus 5:45-48) Que padrão desafiador segundo o qual viver! E quão limitada mostra ser a justiça dos escribas e fariseus!

Portanto, quando Jesus referiu-se a partes da Lei e acrescentou “no entanto, eu vos digo”, ele não estava repudiando a Lei mosaica e substituindo-a por algo diferente. Não, ele aprofundava o seu sentido e ampliava a sua força mostrando qual era o espírito por trás dela. Uma superior lei de fraternidade considera o contínuo desejar mal ao próximo como assassinato. Uma superior lei de pureza condena o continuado pensamento lascivo como adultério. Uma superior lei de casamento rejeita o divórcio por razões frívolas como proceder que leva a novos casamentos adúlteros. Uma superior lei da verdade mostra que votos repetitivos são desnecessários. Uma superior lei da brandura descarta a retaliação. Uma superior lei do amor exige um amor piedoso que desconhece fronteiras.

Que profundo impacto tais admoestações nunca antes ouvidas devem ter causado aos ouvidos dos que as ouviam pela primeira vez! A que absoluta inutilidade foi reduzida a hipócrita autojustiça resultante da escravidão a tradições rabínicas! Mas, à medida que Jesus prosseguisse no seu Sermão do Monte, as multidões famintas e sedentas da justiça de Deus aprenderiam especificamente como obtê-la.