Comentário de J.W Scott: 1 Timóteo 4:1-16

SOLENE ADVERTÊNCIA ACERCA DE FALSAS DOUTRINAS 1Tm 4.1-5


Em surpreendente contraste com estas coisas (1Tm 3.15-16), Paulo testifica que o Espírito deu testemunho inconfundível de que no futuro haverá, da parte de alguns na igreja, abandono da verdade revelada. Fundamentalmente, será isto devido à influência de maus espíritos, e mais imediatamente aos falsos ensinos de homens hipócritas, que servirão de instrumentos desses espíritos maus, e que indebitamente insistirão na necessidade da abstenção do casamento e de certos alimentos. Tais doutrinas contradirão diretamente o propósito do Criador, particularmente aquele que visa os crentes plenamente instruídos. Porque tudo o que Deus fez não é só bom em si mesmo como foi destinado ao uso do homem. Nada, pois, é para ser rejeitado como absolutamente inutilizável. Antes precisamos aprender a santificar, própria e continuamente, coisas para nosso uso, num espírito de gratidão, expresso em apropriada oração a Deus, particularmente aquela aprendida da Palavra escrita de Deus.

O Espírito afirma (1); provavelmente mediante os profetas cristãos, ou possivelmente por meio de Paulo mesmo (cfr. At 20.23; At 21.11; ver também Mt 24.11). Últimos tempos (1); no grego significa "mais tarde", ou subseqüentemente à época em que Paulo escrevia; não "últimos", "posteriores". A fé (1), com o artigo definido, indica o corpo de verdades reveladas (cf. 1Tm 1.19; Jd 3). Os ensinos (1) não dizem respeito a demônios, porém partem deles. Contrariamente ao Espírito e ao mistério da piedade levantam-se espíritos enganadores e seus falsos ensinos. Tais homens, como se diz, ou são destituídos de sensibilidade moral, ou trazem o ferrete do pecado, isto é, algo conhecido na consciência íntima dos indivíduos em questão ("a própria" consciência, nota-se a ênfase), embora enganem a outros por sua hipocrisia. As afirmações dos vers. 3-5 são significativas, quando estudadas em relação com as opiniões dos gnósticos e dualistas, de que a matéria é má e não criada por Deus. Contudo, embora Deus tenha criado tudo para uso do homem, o seu emprego correto depende da fé, pleno conhecimento e um espírito de gratidão ativamente expresso. Palavra de Deus (5) é uma frase comumente usada para significar expressões divinamente inspiradas, especialmente como se acham nas Escrituras. Aqui sugere o uso de dar "graças", segundo a fraseologia autêntica do Velho Testamento; ou pode significar que tal consumo de alimentos é sancionado por direção divina explícita.

ENSINO E CONDUTA PESSOAL DE TIMÓTEO 1Tm 4.6-16

Paulo esclarece a Timóteo que sua chamada para o serviço de Cristo demanda fiel devotamento, tanto em sua vida como em seu ministério junto a seus companheiros cristãos. Deve ser cuidadoso em pregar o que é verdadeiro e proveitoso, quanto pessoalmente em praticar e seguir isso mesmo. O ministério da Palavra deve ser diligentemente cumprido em seus vários aspectos, e os dons de Deus, para tal serviço, exercidos plenamente. Tal ministério requer completa consagração. A vida, por esta forma vivida, conduz à dupla recompensa da salvação plenamente gozada tanto pelo pregador como igualmente pelos ouvintes.

É da responsabilidade de Timóteo expor estas verdades (ver os vers. 4-5) aos cristãos, lançá-las como fundamento de conduta correta (gr. hypotithemenos). Só agindo assim é que seu adestramento na verdade e obediência a ela (cfr. 2Tm 3.10) virão a consumar-se num ministério digno. É também por um ministério assim que a pessoa se confirma como bom ministro de Jesus Cristo (6). As idéias sugeridas pelos vocábulos profanas e piedade, rejeita e exercita-te estão em oposição entre si (7). A pessoa só se pode entregar ao bem se nada tiver a ver com o mal. O ministro de Cristo deve manter-se espiritualmente idôneo por meio de alimento adequado (6) e exercício (7). Ao invés da ilusória autodisciplina do ascetismo (3), que Timóteo se entregue a adequado e vigoroso adestramento cristão (cf. 1Co 9.25-27). Quando muito, a disciplina corporal como um fim em si mesma tem só valor limitado (8). Em sua preparação o ministro cristão deve fazer da piedade (8), ou da consagração de sua vida ao devido culto a Deus, seu alvo dominante. O benefício, ganho deste modo, é sem limite; interessa à vida verdadeiramente espiritual antes que à existência física (gr. zoe,  e não bios como em 2Tm 2.4); e promove seu futuro tanto quanto seu presente bem-estar, ou gozo completo (8). Esta doutrina é digna de ser criada e recebida, isto é, tomada como base de conduta por todos os cristãos (9). Ela indica o "fim" que Paulo tem em mira (note-se o emprego do pronome nós no vers. 10) quando persiste em enfrentar o esforço e a resistência física exigida pelos labores apostólicos. Outrossim, a esperança desse beneficio se funda, não em produzir tal resultado, mas em Deus, no Seu caráter revelado de pessoa viva (gr. zon) e Salvador (10). Estes característicos asseguram ao homem que Deus tem poder e está pronto a lhe dar verdadeira vida (gr. zoe). Enquanto Deus, por Suas graciosas providências, mostra-Se ativo com todos (cfr. Mt 5.45; Mt 6.26), a plena demonstração de tudo quanto Sua atividade salvadora pode significar é especialmente percebida na experiência dos crentes.




Esta prática cabal da vida cristã Timóteo deve prescrever e expor (11), a fim de levar seus ouvintes a ocupar-se com ela plenamente conscientes do que fazem. Sua relativa mocidade e natural timidez não devem servir de pretexto para que o desprezem (12; cf. 1Co 16.10-11). Antes, deve apresentar-se francamente diante de todos, como modelo para ser imitado (cf. Fp 3.17; 2Ts 3.9), não só no ensino, como na conduta, e no amor, na fé e na pureza subjacente, dos quais a conduta obviamente é expressão (12). Outrossim, como pessoa chamada para um ministério especial na congregação, deve ele prestar constante atenção (13) às três principais e respectivas responsabilidades: leitura pública das Escrituras; exortação ou pregação (isto é, sermões); doutrina ou ensino (cf. Lc 4.16; At 13.15; At 15.21; At 17.2-3).

Não deve esquecer e deixar de exercer o dom especial que tem para tal ministério (14). Note-se que tal capacidade, recebida de Deus, requer cooperação humana para o seu perfeito exercício (cfr. Fp 2.12-13; 2Tm 1.6). Timóteo tinha tido a certeza do caráter e da comunicação desse dom através do testemunho complementar de uma profecia e de uma solene ordenação (cf. At 13.1-3). Note-se a significativa referência à corporação de anciãos locais, que agiam conjuntamente (presbitério), e a combinação em ordem significativa da profecia e do ato simbólico dirigidos ao recipiente (isto é, "palavra" e "sacramento"). O ministro deve entregar-se de corpo e alma a estas coisas constantemente (15). Não só deve deste modo fazer "progresso", mas deve ficar patente a todos que ele cresce assim na graça do caráter pessoal e na plenitude e qualidade do seu ensino. Tais são os deveres a que ele deve aplicar-se incessantemente (16). Procedendo assim, o ministro assegura sua plena salvação e a de seus ouvintes por igual. Note-se como o ministro explicitamente cumpre o seu ministério por aquilo que diz (aqueles a quem serve são apresentados como ouvintes) e implicitamente o completa pelo seu modo de vida.