Estrutura do Evangelho de João

estrutura do evangelho de joão

ESTRUTURA DO EVANGELHO DE JOÃO

A habilidade literária de João pode ser vista na maneira em que ele moldou suas fontes em uma estrutura unificada, girando em torno do tema central, "para que continueis a crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus" (20:31). Há certos aspectos da estrutura que são razoavelmente óbvios: o prólogo (1:1-18) e o epílogo (capítulo 21, que às vezes é referido como o apêndice). Outra quebra discernível pode ser observada no fim do capítulo 12. Esta parece ser uma quebra muito natural na estrutura. Quase há um século atrás, Alfred Plummer (The Gospel According to St. John — O Evangelho Segundo São João, 1882) observou que a primeira divisão de João (1-12) compreendia a revelação, que Jesus fez de sua pessoa ao mundo; e a segunda divisão, a revelação de sua pessoa a seus discípulos (13-17). Talvez estes títulos sejam um pouco subjetivos demais, mas poucos estudiosos hoje não encontrariam uma quebra significativa, na estrutura, no final do capítulo 12. A divisão que é normalmente dita como sendo o discurso do cenáculo é, então, seguida pela prisão, paixão e ressurreição de Jesus. Esta é a estrutura básica do quarto Evangelho.

A primeira divisão de João também foi denominada o "Livro dos Sinais". Sente-se que, de algum modo, a estrutura de João é construída em torno de milagres realizados por Jesus. Neste Evangelho, a palavra para "milagre"(shmeion) tem a significação de algo que acontece no mundo físico dos sentidos, contudo, tendo uma significação espiritual, um evento na história usado para ensinar uma verdade espiritual. Ao passo que nos Sinópticos a palavra sinal geralmente se referia a um indício acerca do fim do mundo (Mar. 8:11), em João ela testifica do messiado de Jesus. Os milagres são os sinais visíveis, que apontam para a verdade invisível acerca daquele que é a verdade (João 1:14). Nos Sinópticos, os milagres Comumente denotam a presença do Reino de Deus (Mat. 12:28); mas em João os milagres (sinais) apontam para a natureza de Jesus, que pode ser discernida somente através da fé (João 12:37). Os sinais de Jesus, quando recebidos pela fé, revelam a glória de Deus, porque eles são as obras de Deus (2:11; 5:36; 9:3; 17:3,4; cf. 20:30,31). Existem oito desses sinais encontrados em João; sete antes e um depois da ressurreição. Alguns consideram a morte e ressurreição de Jesus como sendo um sinal também (ver João 2:18-22).

Uma característica digna de nota do autor é a maneira pela qual ele combinou seu material de narrativa com o de discurso, num todo coeso. Tem-se a impressão que as controvérsias surgiram naturalmente de algo que Jesus fazia ou dizia. Há quatro elementos no discurso que ou provocam ou acompanham uma reação da parte dos adversários de Jesus.

1) Há a ocasião para a controvérsia vista em algo que Jesus disse ou fez.

2) Há o assunto na controvérsia que mostra a reação contra Jesus por causa do que ele disse ou fez. 3) Há o discurso ou diálogo entre Jesus e seus adversários a respeito do assunto da controvérsia. 4) Depois segue-se um intervalo de anúncio histórico intercalando e, não obstante, unindo o material.

É esta unidade estrutural que tem sido a causa de tanta crítica da validade histórica do quarto Evangelho. Comparando-se os quatro Evan¬gelhos, observa-se que parece haver uma grande divergência quanto à extensão do ministério de Jesus. Conclui-se dos Sinópticos que o ministé¬rio de Jesus durou dois anos no máximo. A partir da informação dada em João, este ministério parece ter durado cerca de quatro anos. As narrati¬vas conectivas, em João, indicam um elemento tempo, que está ausente nos Sinópticos. Este elemento pode ser visto girando em torno dos festivais religiosos dos judeus. Há definidamente três Páscoas distintas mencionadas em João (2:13; 6:4; 11:55), uma insinuação de outra (1:29,36) e ainda outra, através de uma referência a duas épocas diferentes do ano, que colocaria uma páscoa no meio (um inverno é indicado em 4:35 e um outono em 5:1, se essa festa é a dos Tabernáculos). De acordo com João, o ministério de Jesus já se havia iniciado antes da páscoa de 2:13. As palavras do Batista em 1:29,36 insinuam mui fortemente acerca de uma páscoa. Se assim for, então há cinco páscoas, que indicariam que o ministério de Jesus durou quatro anos, iniciando e terminando com uma páscoa. Mesmo se as palavras do Batista não pressupõem uma páscoa, o ministério ainda seria em mais de três anos.

Já indiquei que os Sinópticos parecem indicar um ministério muito mais curto. Em outro lugar, mostrei que o material de João é necessário para uma boa compreensão dos Sinópticos, pois estes pressupõem o ministério na Judéia, encontrado em João (veja acima a relação de João para com os Sinópticos). Quase que cada harmonia dos quatro Evangelhos baseia o esboço da vida de Jesus na estrutura de João. O livro A Harmony of the Gospels — Uma Harmonia dos Evangelhos, 1922), de A. T. Robertson, é um exemplo*. Se se tentar colocar João dentro da estrutura dos Sinópticos, então se terá que ignorar o material histórico e cronológico joanino ou recorrer às transposições. Qualquer um desses métodos é altamente subjetivo e não evidencia um estudo honesto. Estruturalmente, o Evangelho de João é bom e realmente demonstra dados históricos e cronológicos verificáveis. A unidade deste Evangelho está, desta forma, sustentada.