Estrutura do Evangelho de Mateus



Estrutura do Evangelho de Mateus

No segundo século foi reconhecido que o Evangelho de Mateus estava dividido em cinco seções. Através do uso de um chavão (chamado colofão), o autor apresentava seu material numa disposição lógica e sistemática. Estes colofões são encontradiços em Mateus 7:28, 11:1; 13:53; 19:1; 26:1: "E aconteceu que, concluindo Jesus estes ensinos...". Pode-se observar que o material que precede estas palavras é compreendido de narrativa seguida de discurso. Qualquer tentativa de interpretação de Mateus deve considerar seriamente esta intenção clara­mente evidente de Mateus de dar alguma estrutura proposital à sua obra.

Pode-se também observar que, até certo ponto, Mateus, assim como Lucas, segue, em geral, o plano geográfico de Marcos. Com exceção das narrativas do nascimento de Jesus, tanto Mateus quanto Lucas colocam seu material na estrutura de Marcos. Em Mateus, este plano é visto no ministério de Jesus na Galiléia (4:12-13:58; cf. Mar. 1:4-6:13), no ministério dentro e ao redor da Galiléia (14:1-18:35; cf. Mar. 6:14-9:50), no caminho para Jerusalém (19:1-20:34; cf. Mar. 10:1-52) e em Jerusalém (21:1-28:8; cf. Mar. 11:1-16:8). Este plano é visto como uma seqüência normal da vida e ministério de Jesus, desde a época do início de seu ministério público até a ressurreição. Alguns estudiosos viram, na geografia da sinagoga, um propósito teológico. Pensa-se que a Galiléia e as áreas circunvizinhas representam: a recepção dos gentios, por Jesus, quando ele estava na Judéia e Jerusalém, onde foi rejeitado e crucificado; a animosidade e rejeição, pela nação judaica, do cristianis­mo, na época em que se escreveu os Evangelhos Sinópticos. A Galiléia é vista como o local de todas as afirmações cruciais acerca da identi­dade e atividade de Jesus; é o local da revelação escatológica de Jesus e o início da missão dos gentios. Por outro lado, Jerusalém não somente é o local da morte, é também o local da origem da dureza de coração para com Jesus, e, desta forma, traz o resultante juízo de Deus, mediante tal incredulidade, sobre a nação judaica e sobre o judaísmo.

Sobrepondo-se a tal plano geográfico-teológico, contudo, está a estru­tura imposta por Mateus, sobre sua obra. Dentro do corpo de material tirado de Marcos, Mateus cumpre seu propósito de interpretação temá­tica, através do uso de blocos de narrativas e discurso. É geralmente admitido que as histórias do nascimento de Jesus e de sua paixão são materiais estritamente narrativos. Estas unidades, todavia, não podem ser consideradas como prólogo e epílogo, respectivamente. Estes materiais pertencem ao mais antigo extrato da tradição do evangelho e desempe­nham um importante papel na pregação da igreja primitiva. Como tal, têm valor em si próprios, per se, e não têm necessidade de discurso. Mas, iniciando com o batismo de Jesus até o momento de sua paixão, Mateus permite que o material da narrativa se torne o cenário para os grandes discursos de Jesus. Embora os estudiosos não concordem quanto aos títulos das divisões de narrativa e discurso (alguns vêem mais divisões dentro das seções principais), os seguintes cinco blocos darão uma idéia do agrupamento, por Mateus:
I — O Reino: Sua Natureza e Características (4:12-7:28)
1.   Narrativa Introdutória (4:12-25)
2.   Discurso: O Sermão da Montanha (5:1-7:28)
II — A Apresentação e Propagação do Reino (8:1-11:1)
1.   Narrativa Introdutória (8:1-9:34)
2.   Discurso: Missões (9:35-11:1)
III  — A Inauguração do Reino (11:2-13:53)
1.   Narrativa Introdutória (11:2-12:50)
2.   Discurso: As Parábolas Acerca do Reino (13:1-53)
IV  — A Relação de Jesus Para com o Reino (13:54-19:1)
1.   Narrativa Introdutória (13:54-17:21)
2.   Discurso: O Espírito Interno do Reino (17:22-19:1)
V — A Última Apresentação Formal do Reino à Nação Judaica
(19:2-26:1)
1.   Narrativa Introdutória (19:2-23:39)
2.   Discurso: Escatologia (24:1-26:1)

Há, naturalmente, unidades menores de discurso encontradas em cada um destes "blocos". (Veja 23:1-39, onde Jesus condena os fariseus. Esta é uma extensão dos "dizeres" de Jesus, mas está incluída no "bloco" geral sobre julgamento.) Contudo, parece que o autor planejou especificamente para que sua obra sobre a vida e o ministério de Jesus fosse dividida nestas cinco unidades básicas. Conforme dito acima, alguns encontraram nisto a idéia de que Mateus está apresentando Jesus como o "novo Moisés", e que Mateus escreveu intencionalmente seus cinco blocos para substituir os livros de Moisés, o Pentateuco. Estes estudiosos dizem que o Evangelho de Mateus é a "Nova Lei", para substituir a lei de Moisés. Esta idéia é convidativa, mas não tem muita aceitação da parte da maioria dos estudiosos modernos. Não pode ser provado satisfatoriamente que Mateus era uma neolegalista. Embora Mateus tenha-se oposto ao legalismo farisaico, ele não apresentou Jesus como um "novo Moisés", que dá uma "Nova Lei". Na realidade, Mateus retrata Jesus como dando validade incondicional à Lei (5:17-20; 23:3). Jesus é retratado como estando preocupado com o cumprimento e a continuidade da lei; a lei é igualmente respeitada e ampliada (5:17,18; 8:4; 19:17-19; 23:2,3; 24:20; 26:18). A grande preocupação de Jesus é que os fariseus não conseguiram penetrar nas profundezas da lei, no que diz respeito à sua real finalidade, e não puseram em prática seus conceitos básicos (23:3).
Mateus tinha um propósito, o qual pretendia cumprir por meio de seu livro, e esse propósito não é servido por uma mera disposição cronológica das descrições de acontecimentos tiradas da vida de Jesus. Este propósito didático é melhor servido, agrupando-se juntamente os blocos de material de ensino e material de narrativa, de maneira tal a tornar a aprendizagem mais interessante e uma tarefa mais fácil. O intérprete do livro de Ma­teus pode não concordar com os títulos dados a estas divisões prin­cipais, mas, se ele deseja interpretar o livro à luz do jeito que o autor pretendeu, então deve agarrar-se a estas seções e decidir por si quais são os temas principais, como um prelúdio à séria e detalhada exegese das unidades individuais. A interpretação deve começar com uma compreen­são do propósito ou tema da obra inteira.