Comentário de Bruce M. Metzger: João 1:1-18

CORDEIRO DE DEUS, FILHO AMADO, COMENTÁRIO DO GREGO BÍBLICO1.3-4 ουδε εν ο γεγονεν {B}
Devem as palavras ο γεγονεν serem unidas com o anterior, ou com o que se segue? Os antigos manuscritos (P66, 75 Alph A B) não têm qualquer pontuação aqui, e em qualquer caso, a presença da pontuação nos Manuscritos Gregos, bem com versões e fontes patrísticas, não podem ser considerada mais do que a reflexão do entendimento exegético atual do significado da passagem.

A maioria do Comitê ficou impressionada com o consenso dos escritores ante-Nicéia (ortodoxo e herético semelhantemente), que vertia ο γεγονεν com o que se segue. Quando, no entanto, os arianos do século IV e os hereges macedônios começaram a apelar para a passagem para provar que o Espírito Santo deve ser considerado como uma das coisas criadas, os escritores ortodoxos preferiram tomar ο γεγονεν com a frase anterior, eliminando assim a possibilidade da utilização herética da passagem.

A pontuação adotada para o texto está de acordo com o que a maioria considerava o balanço rítmico dos versículos do Prólogo, onde o paralelismo climático ou “escadaria” parece exigir que o fim de uma linha deve coincidir com o início da próxima [1].

[Por outro lado, no entanto, nenhum desses argumentos são conclusivos e outras considerações favorecem a junção de ο γεγονεν com a sentença precedente. Assim, contra a consideração do assim chamado balanço rítmico (que, afinal de contas, está presente em apenas uma porção do Prólogo, e pode não necessariamente envolver ο γεγονεν) deve ser estabelecido pela afinidade de João por começar uma sentença ou cláusula com ην e um pronome demonstrativo (cf. 13.35; 15.8; 16.26; 1 Jn 2.3, 4, 5; 3.10, 16, 19, 24; 4.2, etc.). Era natural para os Gnósticos, que buscavam apoio no Quarto Evangelho para a doutrina deles da origem de Ogdoad, tomar ο γεγονεν com a sentença seguinte (“Aquilo que tem sido feito nele era a vida” – o que quer que isso possa significar). [2] É mais consistente com o estilo repetitivo Joanino, bem como a doutrina Joanina (cf. 5.26, 39; 6.53), dizer nada concernente ao sentido da passagem, pontuar com uma plena parada depois de ο γεγονεν B.M.M.]

1.4 ην {A}
A fim de aliviar a dificuldade do significado quando ο γεγονεν (ver. 3) é tomado como o assunto de ην (“aquilo que veio a existência nele era a vida”), o tempo do verbo foi mudado de imperfeito para perfeito (εστιν) em Alph D Latim Antigo, Sir(c) Cop(sa),(fay) e muitos antigos escritores eclesiásticos. O pesente, no entanto, do segundo ην (na cláusula η ζωη ην το φως) parece requerer o primeiro.

1.13 οι ουκ… εγεννηθησαν {A}
Várias testemunhas antigas, principalmente latinas (itb Irenaeuslat Tertullian Origenlat Ambrose Augustine Ps-Athanasius), leem no singular, “[Aquele] que nasceu, não de sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (A versão Siríaca Curetoniana e seis manuscritos da Pesita Siríaca leem no plural “aqueles que” e o verbo no singular “nasceu”).

Todos os manuscritos Gregos, bem como outras versões e testemunhos patrísticos, atestam o plural. (Muitas variantes pequenas ocorrem dentro do versículos: D* e it{a} omite οι, assim deixam o versículo sem conexão gramatical com a sentença precedente; outras variantes no versículo são mencionadas na entrada seguinte.)

Embora muitos eruditos modernos (incluindo Zahn, Resch, Blass, Loisy, R. Seeburg, Burney, Büchsel, Boismard, Dupont, and F. M. Braun)[3] tenham argumentado a favor da originalidade do singular, parece ao Comitê que a base da maioria esmagadora de todos os manuscritos gregos, o plural deve ser aprovado, uma leitura que, aliás, está de acordo com o ensinamento característico de João. O número singular pode ter surgido de um desejo de fazer o Quarto Evangelho aludir explicitamente ao nascimento de uma virgem, ou a partir da influência do número singular do imediatamente anterior αυτου.

1.13 ουδε εκ θεληματος ανδρος {A}
A presença dos inícios similares (ουδε... ουδε) e os fins similares (σαρκος… ανδρος) da segunda e a terceira cláusula tem ocasionado a omissão acidental de uma, ou de outra cláusula. A cláusula ουδε... σαρκος foi omitido em E* e muitos manuscritos minúsculos, e a cláusula σαρκος… ανδρος foi omitida em B* al.

1.18 μονογενης θεος {B}
Com a aquisição do P66 e P75, ambos lendo θεος, o apoio externo dessa leitura tem sido notavelmente fortalecido. Uma maioria do Comitê considerou a leitura μονογενης υιος, que, sem dúvida, é mais fácil do que μονογενης θεος, como sendo o resultado de uma assimilação escriba Jo 3.16, 18; 1 Jo 4.9. O uso de θεος (cf. 1.1) parece ser mais primitivo. Não há nenhuma razão do porque o artigo devesse ter sido apagado, e quando υιος suplantado por θεος teria sido certamente acrescentado. A leitura mais curta, ο μονογενης, enquanto atrativa das considerações internas, é muito pobremente atestada para a aceitação do texto.

Alguns comentadores modernos [4] tomam μονογενης como um substantivo e pontua a fim de ter três designações distintas de quem torna Deus conhecido (μονογενης, θεος, ο ων εις τοη κολπον του πατρος...).

[É duvidoso que o autor teria escrito μονογενης θεος, que pode ser um erro transcricional na tradição Alexandrina (γ C θ C). Pelo menos a decisão D seria preferível. A.W.]



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Notas
[1] Em discussões em apoio da tomada de ο γεγονεν com o que se segue, veja K. Aland, “Über die Bedeutung eines Punktes. (Eine Untersuchung zu Joh. 1, 3 4),” em Studies in the History and Text of the New Testament em Honra de Kenneth Willis Clark, ed. by Boyd L. Daniels and M. Jack Suggs (=Studies and Documents, XXIX; Salt Lake City, 1967), pp. 161–187 (uma fora expandida do estudo apareceu em Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft, LIX [1968], pp. 174–209), e Ed. L. Miller, Salvation-History in the Prologue of John. The Significance of John. The Significance of John 1:3/4 (Leiden, 1989), pp. 17–44.
[2] Apesar das tentativas dos comentadores de extrair o sentido de tomar ο γεγονεν com o que se segue, a passagem continua a ser intoleravelmente desajeitada e opaca. Uma das dificuldades está no fato de extender a cláusula com εν αυτω ζωη ην em que o tempo perfeito de γεγονεν requereria εστιν ao invés de ην (veja também o comentário em 1.4).
[3]  Para literatura, veja Josef Schmid in Biblische Zeitschrift, N. F., I (I957), pp. 118 f. O número singular é adotado na Bíblia de Jerusalém (1966), mas não na Nova Bíblia de Jerusalém (1985).
[4] E.g. E. A. Abbott, Johannine Grammar (London. 1906), p. 42; J. H. Bernard, A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to St. John, I (New York, 1929), p. 31; John Marsh, The Gospel of St. John (Penguin Books, 1969), p. 112; e (em efeito) Raymond E. Brown, The Gospel According to John, I (New York, 1966). p. 17.



Fonte: A Textual Commentary On The Greek New Testament, Second Edition. A Companion Volume to the United Bible Societies' Greek New Testament (Quarta Edição Revisada) de Bruce M. Metzger