Comentário de F.F. Bruce: Romanos 1:2-7

LIVRO DE ROMANOS, ESTUDO BIBLICO, TEOLOGICO1.2 O qual foi por Deus outrora prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras.

Comparar 1:17, 3:21, 4:3,6ss. para o desenvolvimento desta sentença.

3. Com respeito a seu Filho. Esta frase, que expressa o tema do “evangelho de Deus”, introduz um breve sumário confessional (versículos 3, 4) que talvez tenha sido tão familiar aos cristãos romanos como ao próprio Paulo. Todavia, é provável que Paulo tenha refundido o fraseado com o fim de expor certas ênfases necessárias.

O qual, segundo a carne, veio (“nasceu”, RV) da descendência de Davi (da “semente” de Davi). É evidente que a descendência davídica de Jesus fazia parte do conteúdo da pregação e da confissão dos cristãos primitivos. Jesus não parece ter insistido muito nisso, mas não recusou a designação de “Filho de Davi” quando Lhe foi aplicada, por exemplo, pelo cego Bartimeu (Mc 10:47). Sua indagação sobre a exegese que os escribas faziam do Salmo 110:1 (Mc 12:35-37) não deve ser interpretada como repúdio da descendência de Davi.

1.4. E foi poderosamente demonstrado Filho de Deus. A palavra traduzida por “demonstrado” (Gr.: horizõ) tem a mais completa força do termo “nomeado” ou “constituído” (usa-se em At 10:42, 17:31 referindo-se à nomeação de Cristo como Juiz de todos). Paulo não quer dizer que Jesus se tornou o Filho de Deus pela ressurreição, mas, sim, que Aquele que durante Sua vida terrena “foi o Filho de Deus em fraqueza e humildade”, pela ressurreição tornou-se “o Filho de Deus em poder” (A. Nygren, ad loc). Semelhantemente, Pedro, no dia de Pentecoste, concluiu sua proclamação da ressurreição e exaltação de Cristo com as palavras: “Esteja absolutamente certa, pois, toda casa de Israel de que a este Jesus que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo” (At 2:36). A expressão “poderosamente” — literalmente com poder (en dunamei) aparece também em Marcos 9:1, onde a vinda do reino de Deus “com poder” é provavelmente a sequência direta da morte e vindicação de Jesus.

Segundo o espírito de santidade. É óbvia a antítese entre “segundo a carne” e “segundo o espírito”. Mas quando Paulo estabelece o segundo termo desta antítese, esclarece a que “espírito” se refere acrescentando o genitivo “de santidade”. O espírito de santidade é a maneira hebraica normal de dizer “o Espírito Santo”. E aqui Paulo reproduz em grego a expressão idiomática hebraica. Pela presente antítese, de “carne” e “espírito” ele “evidentemente ... não alude às duas naturezas de nosso Senhor, mas aos dois estados, de humilhação e exaltação”.[1] É um e o mesmo Filho de Deus que aparece igualmente em humilhação e em exaltação. Mas Sua descendência davídica, matéria de glória “segundo a carne”, é contudo vista agora como pertencente à fase de Sua humilhação, absorvida e transcendida pela sobrepujante glória de Sua exaltação, pela qual inaugurou a era do Espírito. O derramamento e o ministério do Espírito atestam a entronização de Jesus como “Filho de Deus com poder”. Pela ressurreição dos mortos (melhor que “pela ressurreição dentre os mortos”). A frase literal é: “em consequência da ressurreição dos mortos” (de ressuscitarem os mortos). O plural “mortos” pode ser tomado como um exemplo do que os gramáticos chamam de “plural de generalização”.

Exatamente a mesma expressão aparece, com referência à ressurreição de Cristo, em Atos 26:23, “sendo o primeiro da ressurreição dos mortos” (RV, “pela ressurreição dos mortos”). Portanto, aqui a referência é à ressurreição da pessoa de Cristo, e não (como pensam alguns), à Sua ação ressuscitando Lázaro e outros — muito menos ao fenômeno descrito em Mateus 27:52. Mas a ressurreição de Cristo é indicada por uma frase que faz pensar na futura ressurreição do povo de Cristo. A ressurreição dele é a primeira etapa da “ressurreição dos mortos”, como o esclarece 8:11 (ver 1 Co 15:20-23).

1.5. Graça e apostolado. Esta expressão é provavelmente uma hendíadis significando “a graça (ou dom celeste) do apostolado”. Compare-se isto com as alusões, em 12:6 aos “diferentes dons segundo a graça que nos foi dada”, e em 15:15 à “graça” dada por Deus a Paulo para ser “ministro de Cristo Jesus entre os gentios”.

Para a obediência por fé. Melhor, “para a obediência da fé” (RV), i. e., para produzir a obediência baseada na fé em Cristo. “Fé” aqui não é o Evangelho, o corpo doutrinário apresentado para ser crido, mas é o ato de crer propriamente dito. (Ver 15:18,16:26.)

Entre todos os gentíos. Ou “entre as nações” (RV, “entre todas as nações”). Esta frase indica a vocação especial de Paulo para ser apóstolo entre os gentios. A palavra grega ethnê (como seu equivalente hebraico goyim) ora é traduzida por “nações”, ora por “gentios”, ora por “pagãos” (para esta tradução, ver Gl 1:16, 2:9, 3:8, AV).

1.6. De cujo número sois também vós. Isto provavelmente significa não só que a igreja romana estava situada no mundo gentílico, mas que seus membros eram na maioria gentios.

Chamados para serdes de Jesus Cristo (como RV; melhor que "chamados de Jesus Cristo"). Ver 8:28, 30.

1.7. Em Roma. Chamados para serdes santos, i. e., “santos por vocação divina”, convocados por Deus para serem o Seu povo santo, separado para Ele. No Novo Testamento há indicações aqui e ali de que a expressão “os santos” era uma designação (muito provavelmente uma auto-designação) daqueles judeus cristãos (ver 15:25; Ef 2:19) que se consideravam como “os santos do Altíssimo”, destinados a receber autoridade real e judicial de Deus (Dn 7:22, 27). Paulo insiste em aplicar o mesmo designativo aos cristãos gentílicos, pertencentes ao mesmo corpo a que pertenciam os seus irmãos da raça judaica.

Graça a vós outros e paz. As palavras “graça e paz”, tão comuns nas saudações de Paulo, provavelmente unem os modos grego e hebraico de saudar. O grego diz: Chaire! — que literalmente significa “Alegra-te!” O judeu diz: Shalom! [1]— “Paz” Só que, ao unir estas formas de saudação, Paulo troca a palavra chaire pela palavra charis, “graça”, que é o melhor termo homófono e que é mais caracteristicamente cristão. A graça de Deus é Seu livre amor e Seu imerecido favor aos homens, dado mediante Cristo. A paz de Deus é o bem-estar que os homens desfrutam mediante Sua graça.

Da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo. Esta espontânea e repetida colocação de Cristo com Deus testifica do lugar que Cristo ocupava nos pensamentos e no culto que Paulo e outros cristãos da igreja primitiva prestavam a Deus.


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Notas
[1] 1. Literalmente: “... pois não há autoridade senão por Deus” (estabelecida ou dada por Deus). Grego: ou gar estin exousia ei mêhupo Theou. Ver The Expositor's Greek New Testament cd. por W. R. Nicoü. in loco. N. do Tradutor.

Fonte: Epistle of Paul to the Romans de F. F. Bruce. M.A., D.D. Catedrático de Crítica Bíblica e de Exegese Bíblica na Universidade de Manchester (Rylands)