A Igreja Católica e a Inspiração da Bíblia




A Igreja Católica e a Inspiração da Bíblia

A Igreja Católica e a Inspiração da Bíblia



Há três grandes escolas que hoje se opõem ao que julgamos ser a posição ortodoxa, bíblica e apostólica dos Reformadores em relação à autoridade e à inspiração da Sagrada Escritura. A primeira é a da Igreja Católica, cuja doutrina remonta ao Concílio de Trento (1545-63), e até hoje se mantém quase inalterável, apesar de a podermos considerar atual, já porque é defendida pelos teólogos romanos modernos, já porque parece mais firme que a teoria liberal, e que em princípio não deixa de ser perigosa. 

No primeiro caso, da Escritura como regra de fé, os católicos parecem adotar uma posição muito semelhante à ortodoxa, porquanto, para eles a Palavra de Deus é também regra absoluta, indiscutível: não admite interpretações privadas; é diretamente inspirada por Deus; é em absoluto fidedigna, não somente sob o aspecto histórico, mas também doutrinal. Apenas não se discutem os estudos textuais e o seu valor, uma vez que os textos originais corrigem erros de transcrição, apresentam leituras corretas, iluminam passos obscuros e dão força às expressões em uso. A Igreja Católica não aprova a crítica racional ou histórica, considerando-a até aborto da heresia luterana, quando pretende insurgir-se contra a liberdade de interpretação. 

Até esta altura não haveria qualquer divergência com os católicos, mas três novas questões se levantaram, em que se evidenciam mais uma vez os erros da Igreja Romana. Em primeiro lugar, os católicos afirmam que na Sagrada Escritura devem ser incluídos os chamados apócrifos. Por conseguinte, os livros que não devem ser incluídos na lista dos inspirados gozam da mesma autoridade em matéria de doutrina que os autênticos livros canônicos. Mais do que isso, admite-se que Jerônimo consultou os mais antigos e autênticos documentos e é autor duma obra aprovada por séculos de uso-a Vulgata, que passa por único texto autorizado. Conseqüência: qualquer doutrina se pode basear no texto latino, mesmo que não corresponda rigorosamente ao original. 

Em segundo lugar, no capítulo da interpretação, os católicos supõem que o texto da Escritura é demasiado obscuro e de difícil compreensão, para o que se requer uma outra autoridade que decida em caso de dúvida. Já no Velho Testamento a Lei era interpretada por Moisés e pelos sacerdotes. Hoje é a Igreja a suprema autoridade em assuntos bíblicos, quer através das declarações formais ex cathedra proferidas pelo Papa, quer pelas decisões dos concílios gerais, quer pelas exposições dos Pais da Igreja Primitiva. Em verdade a Bíblia é a autoridade básica, fundamental, mas lado a lado segue outra autoridade interpretativa, a que todos os cristãos têm de submeter-se. Para o católico romano não pode haver recurso à Escritura, lida e interpretada privadamente, mas apenas à Escritura devidamente joeirada pela interpretação oficial. É regra de fé tudo o que a Igreja ler dentro ou fora da Bíblia, mas não a mesma Bíblia. 

Em terceiro lugar os católicos não consideram a Bíblia como única regra de fé, pois não chega a tanto o seu conteúdo. Antes da Palavra escrita havia uma Tradição oral. Hoje ainda se admite uma tradição (no que se refere a doutrina e a costumes) derivada diretamente dos apóstolos, e em pé de igualdade com a Bíblia. A autoridade dessa tradição inclui doutrinas universalmente aceitas (por exemplo, a virgindade de Maria), e costumes admitidos e praticados por muitos, como o batismo das crianças; outros, antiqüíssimos, embora posteriores aos apóstolos, como o jejum quaresmal; outros, seguidos por muitos doutores e não discutidos por outros, como os ritos do batismo ou o culto das imagens; outros ainda, que foram seguidos pelas Igrejas apostólicas, de que Roma é hoje a única representante, como doutrina da Imaculada Conceição. Isto significa, com efeito, que é posto de parte o recurso à Escritura, já sem autoridade para nada. 

Os efeitos perniciosos desta doutrina não deixam de ser evidentes, quer na teoria, quer na prática. E note-se que tal doutrina ainda hoje supõe outros princípios, de efeitos não menos perniciosos. Examinemo-los: 

O primeiro refere-se ao texto. Por que atribuir uma autoridade aos livros canônicos e outra aos apócrifos? Qual o texto autêntico? E até onde se pode dizer inspirado? E de que gênero, e qual será o alcance dessa inspiração? 

O segundo diz respeito à doutrina. Como poderá definir-se com exatidão a doutrina do Espírito Santo expressa nas Escrituras, de maneira a evitarem-se os perigos do monopólio eclesiástico por um lado, e por outro lado o individualismo fanático? Em que sentido é que se fala de interpretação pública das Escrituras? Até que ponto chegam as exposições, por exemplo, dos Pais da Igreja ou dos Reformadores, que sabemos acompanharam com oração os seus trabalhos e investigações, para os tomarmos em conta na nossa leitura pessoal da Bíblia? 


O terceiro princípio relaciona-se com a ordem. Até que ponto se compreende o alcance da Tradição? Estender-se-á não só a assuntos relativos à fé, mas também à ordem e à disciplina? Poderá a vida da Igreja ser modelada exclusivamente por práticas determinadas pela Escritura, de tal modo que se deva excluir tudo o que não vem nelas expresso? Poderá uma Igreja qualquer manter cerimônias e tradições enquanto estiverem de acordo com os princípios da Bíblia e possam ser valiosas para a vida cristã? 

Três princípios que não podem ficar sem resposta, se queremos manter a verdadeira doutrina acerca da autoridade da Bíblia. Essa resposta limita-se a mais uma vez frisar o perigo que pode advir da doutrina de Roma, ao admitir apenas uma tradução como Palavra infalível; exposições desnecessárias, consideradas autoridades infalíveis e não guias úteis; e finalmente a necessidade de relacionar os princípios do Cristianismo com o desenvolvimento histórico da Igreja, justificada ou injustificadamente. 


Outros estudos bíblicos relativos à Inspiração da Bíblia: