Processo da Composição Literária Hebraica

HEBRAICA, COMPOSIÇÃO, LITERÁRIA, PROCESSO, ESTUDO BIBLICOS, TEOLOGICOS
Israel não começou como povo orientado para os livros, como tampouco foi a sua religião uma religião fundamentada nos livros até pelo fim do período bíblico. Pode-se afirmar com segurança que, com exceção de uns poucos redatores finais (editores), responsáveis apenas pela escrita de uma porção relativamente pequena do texto, os escritores bíblicos não tinham consciência nem propósito de contribuírem para uma grande coleção de escritos que iriam constituir a base autorizada de uma religião.

Era Israel, em primeiro lugar, uma entidade sócio-histórica, que possuía uma religião característica, a qual produziu no transcurso dos séculos uma rica literatura endereçada a situações imediatas de necessidade e de crise comunais. Estes diferentes escritos assumiram numerosas formas literárias com vistas a uma grande variedade de objetivos. Em resumo, nenhuma mentalidade anteviu e planejou o alcance e os conteúdos da Bíblia Hebraica. Em efeito contrário, a Bíblia Hebraica cresceu como o resultado da combinação de unidades literárias separadas que foram progressivamente agrupadas juntamente e tratadas como literatura sagrada sob a pressão de eventos e circunstâncias no Judá pós-exílico. Certamente, tanto judeus como cristãos alegaram ter Deus previsto e planejado a Bíblia Hebraica, isso, porém, é um juízo de valor feito após o fato e não uma descrição do processo literário real enquanto experimentado por aqueles que executaram a maior parte da escrita, da coleção e da edição.

Tão-somente uns poucos livros na Bíblia Hebraica é possível que sejam unidades simples no sentido de que foram compostos por um único escritor (Jonas e o Cântico dos Cânticos poderiam ser tais unidades simples). A ampla maioria dos livros bíblicos, incluindo os mais extensos, oferecem fartos indícios de provirem de autoria compósita. Em alguns casos, isto significa que um só autor citou a partir de outras fontes, seja que se declare isso diretamente no texto, seja que se deduza da prova interna. Por vezes uma obra escrita basicamente como unidade pode ter tido pré-história oral (a novela do Livro de Rute teve provavelmente forma anterior de saga oral). Em outros casos, unidades literárias originariamente separadas, foram deliberadamente juntadas de sorte que foi produzida uma obra recentemente editada. Em outros casos, ainda, um núcleo literário primitivo foi completado com inserções ou blocos menores de material de natureza literária ou temática aparentadas. Em conjunto, a formação da Bíblia Hebraica prosseguiu pelo acréscimo conjunto e pelo enlaçamento de composições menores a fim de formar entidades maiores. O processo variava de livro para livro, freqüentemente, porém, ocorreram diversos estágios no acrescentar, reagrupar, fundir e fazer anotações editorialmente sobre as subcoleções juntadas ou sobre o núcleo complementado. A distância entre a forma do núcleo original de um livro bíblico e a sua forma final era muitas vezes uma extensão de séculos, nos quais a obra em desenvolvimento modificava-se diversas vezes tanto nos conteúdos como na estrutura.

Exatamente porque os livros bíblicos de modo geral tiveram longas trajetórias de crescimento, torna-se necessário considerar a sua formação não só em termos das fases sucessivas de livros únicos ou corpos da tradição, mas também como o desenvolvimento simultâneo de livros coexistentes ou paralelos e corpos da tradição. Por exemplo, enquanto as fontes anônimas primitivas de Gênesis-Números, conhecidas como J e E, estavam sendo escritas nos séculos X e IX, ciclos de narrativas e anais do Estado e do Templo, que iriam finalmente se tornar parte de Josué-Reis, também tomavam forma escrita. Da mesma maneira, quando os primeiros livros proféticos surgiram nos séculos VIII e VII, coleções de aforismos que deviam se tornar parte dos Provérbios, já estavam em processo de redação.

Durante o transcurso inteiro da história pré-exílica, eram compostos salmos que seriam finalmente incorporados na redação pós-exílica de Salmos, e muito provavelmente eram passados de um para outro em diversas subcoleções até a sua inclusão no livro acabado. É óbvio ter havido muitas mãos agindo nos múltiplos processos de formação literária, que estavam intimamente ligados às marés e sortes das instituições sociais, políticas e religiosas do Israel bíblico.

A metáfora de um grande sistema fluvial pode ajudar a visualizar a composição dos livros da Bíblia Hebraica, individualmente e como um todo. As águas de um grande rio são a confluência de regatos, córregos, ribeirões, rios tributários e braços do rio principal. Quando contemplamos tal rio perto de sua foz, ficamos impressionados pelo seu impeto irresistível singular em direção ao mar, e no entanto sabemos que as águas, agora concentradas num único canal, são na realidade reunidas vagarosamente do escoamento disperso por uma vasta bacia drenada pelo rio.

Como o rio, agora potente, adquire seu volume e efeitos à medida que vai correndo, assim a unidade final da Bíblia Hebraica surge através de processo aditivo espalhado pelo tempo e o espaço. E assim como parte das águas do rio não provém da precipitação atmosférica, mas da neve e gelo derretidos, assim também não todas as palavras da Bíblia Hebraica procedem de uma só origem ou forma, visto que esta vasta coleção inclui palavras que foram originariamente faladas e somente registradas por escrito secundariamente, e as tradições delas passaram a ser expressas em múltiplos gêneros literários.