Livro de Levítico — Finalidade e Aplicação

A finalidade imediata e direta deste livro só pode ser a de dar a conhecer os princípios e as leis por que se regia o Povo escolhido, cujo Deus era um Deus santo, e que exigia que o Seu Povo fosse santo também. “Sereis santos, porque Eu Sou santo” - é a ordem que vem de cima (Lv 11.44). O santuário de Deus está no meio do povo, para que, prestando-Lhe culto ali, saibam que se encontram “perante o Senhor”. (Cerca de 60 vezes lemos esta frase no Levítico). Exige-se, porém, a separação de toda a impureza e de todo o pecado. Mas como a natureza humana é pecaminosa e inclinada a pecar, há que recorrer à expiação pelo pecado e à purificação de toda a impureza. É por isso que logo de início se faz alusão à lei do sacrifício.

São numerosas e variadas as leis de Levítico: umas gerais, outras específicas; umas rituais, outras morais; severas umas e suaves outras. Todavia, no fundo tendem a separar Israel das outras nações, reservando-o para o serviço de Deus, que fez dele o Seu Povo ao libertá-lo da escravidão dos egípcios. Enquanto forem puramente rituais, estas leis são provisórias e obrigatórias apenas na dispensação de Moisés, à qual pertencem. Mas tiveram uma referência direta a Israel como nação, que ia ser governada em todos os aspectos da sua vida nacional e individual apenas pela Lei de Moisés. Neste sentido rigorosamente histórico, podemos dizer que o Levítico tem o seu interesse para todo o leitor cristão, pois lhe fala do modo como Deus tratou o Seu Povo, quando “na menoridade” ainda, necessitava de instrução e preparação. De resto, muitas das leis, as dietéticas por exemplo, envolviam princípios de higiene, que ainda hoje têm valor. É o caso da utilização da carne de porco, nem sempre aconselhável. Para o conselho do Novo Testamento, cfr. 1Co 10.31; Rm 14.20. Se considerarmos as leis morais, não há dúvida que estas leis são de caráter permanente. Tanto ao Cristão como ao Judeu da atualidade, com as suas tendências para o mal e para a infração da Lei de Deus expressa no Decálogo, se exige inteira obediência à Lei moral de Deus, tal como outrora se pedia ao Povo Israelita. Cfr. Dt 4.8 nota. O pedido insistente do Levítico para que o povo seja santo, porque o seu Deus também o é, vem confirmado no Novo Testamento (1Pe 1.15).

Este livro tem a característica de apresentar numa harmonia de conjunto dois elementos não só distintos, mas até, ao parecer de muitos, incompatíveis. É de todos os livros do Velho Testamento o que com mais pormenores se refere à Lei, procurando governar toda a vida do Povo de Deus através de princípios gerais ou de preceitos especiais, e assim exigindo aquilo que poderíamos resumir com as palavras do Apóstolo “Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1Co 10.31): insiste também na santidade do povo, baseada na santidade de Deus: “Sereis santos, porque Eu Sou santo”. E finalmente, como nenhum outro livro do Velho Testamento, foca a obra maravilhosa da Redenção humana através de Cristo, como que respondendo à pergunta de Jó: “Como se justificaria o homem para com Deus” (Jó 9.1) com palavras deste gênero: “Levará a sua oferta...”, “Porá as mãos na cabeça...”, “Confessará que pecou...”, “E o matará...”, “E o sacerdote aspergirá o sangue...”, “Fará expiação por ele, e será perdoado”.

É este o Evangelho do Novo Testamento que, para os pecadores, se apresenta em termos próprios do Velho, enriquecido com o ritual do sacrifício, que termina com o Dia da Expiação. “Nada há semelhante a este grande Dia da Expiação nos outros povos da antiguidade” comenta um autor moderno. “Se todo o sacrifício visa a pessoa de Cristo, este muito mais. Se Is 53 é a essência das profecias messiânicas, Lv 16 é dos tipos mosaicos a mais pura e refinada flor do simbolismo do Messias”. Para compreendermos o Calvário, vendo nele toda a sua glória trágica, temos de o contemplar à luz de toda a história sagrada, que nele se concentra. Com Isaías, o profeta “evangélico” do Velho Testamento, e com o autor da Epístola aos Hebreus, voltemo-nos para o Levítico e admiremos o que ali se diz do grande Dia da Expiação, não esquecendo as considerações que lhe seguem: “Porque a alma da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas: porquanto é o sangue que fará expiação pela alma” (Lv 17.11). Deste modo veremos desenrolar-se diante de nós o magnífico drama da Redenção, e à luz da imagem passaremos a compreender melhor a realidade.