Carta aos Efésios — Destinatários

EFÉSIOS, CARTA, LIVRO, ESTUDO BIBLICO, TEOLOGIA
Ao lermos a carta deparamos com as seguintes dificuldades:

A carta contém um grande número de exortações. Entretanto, elas são formuladas de forma tão geral, que não é possível reconhecer a situação específica de uma igreja local. Isso é estranho para uma carta escrita à igreja em que Paulo, de acordo com Atos 19.8-11, trabalhou mais do que dois anos.12 Se compararmos as duas cartas aos coríntios com Efésios, esse fato ganha ainda mais peso.

Se olharmos somente para o texto, parece que não há relacionamento pessoal algum entre Paulo e os efésios. Ele ouviu da sua fé (1.15); ele se apresenta aos leitores como apóstolo aos gentios (3.2ss). Parece que outros instruíram os membros dessa igreja na fé cristã (4.21). Se, por um lado, Romanos termina com um capítulo inteiro com saudações pessoais, em Efésios não há saudação pessoal alguma.

Isso tudo não combina com o ministério tão demorado do apóstolo em Éfeso. De acordo com Atos 19.8-11 a igreja composta de cristãos-judeus e gentios em Éfeso surgiu com o trabalho do apóstolo Paulo.

Essa carta, no entanto, dá a impressão de que foi escrita exclusivamente a cristãos-gentios (2.1ss,11ss; 3.1s; 4.17).

Tudo parece depor contra os destinatários em Éfeso. Os dados sobre destinatários no cabeçalho da carta são confiáveis? A transmissão do título e do cabeçalho não é clara.

Marcion colocou o título “Ad Laodicenses” nessa carta. Segundo ele, a carta foi escrita aos laodicenses (cf. Cl 4.16). Tertuliano relata, no entanto, que essa foi uma alteração intencional de Marcion. Mas Marcion não a teria acrescentado se os efésios tivessem sido indicados como destinatários da carta.

De fato, a indicação dos destinatários “em Éfeso” não constava dos manuscritos mais antigos. Ela surgiu no quarto século.

Há algumas sugestões de solução para esses fatos:

1) Trata-se de uma carta aos laodicenses.

Como base para isso Harnack e Roller citam Colossenses 4.16 e o título em Marcion.

Contra isso existe o argumento de que esse cabeçalho não pode ser comprovado em nenhum manuscrito antigo. Além disso, as cartas aos efésios e aos colossenses são tão semelhantes, que uma troca para leitura das cartas não teria tido muito sentido.

2) Trata-se de uma carta circular, em que o cabeçalho pode ser entendido de forma genérica.

O manuscrito p46 traz uma redação que pode ser traduzida assim: “aos santos, que também são crentes”. Esta é, de fato, uma formulação estranha ao apóstolo Paulo; serviria para reforçar as dúvidas sobre a autoria de Paulo.

Pode ter acontecido também que uma lacuna foi deixada para o local. Possivelmente Tíquico tinha em mãos várias cartas, que ele então endereçava a uma igreja de acordo com a necessidade.

Mesmo assim, ainda permanecem algumas dúvidas sobre essa questão. Por que essas diferentes cartas não contêm saudações às igrejas da região do vale do Licós? Por que essa lacuna já não foi preenchida na hora de escrever a carta? Por que também não foi colocado o “em”? Por que não temos provas de uma carta com outro endereço? Será que com base nisso a terceira solução é mais plausível?

3) Trata-se do testamento espiritual do apóstolo.

Essa posição, defendida por J. N. Sanders,14 pressupõe que a carta foi escrita no final do aprisionamento em Roma. Deveria ser um tipo de testamento para as igrejas que não chegaram a conhecer o apóstolo pessoalmente. A relativa liberdade de que usufruía em Roma dava ao apóstolo tempo e tranqüilidade para a meditação e por isso a carta está marcada por elementos poéticos.

Guthrie concorda com essa posição e ainda acrescenta15 que Paulo tinha acabado de escrever a Carta aos Colossenses e por isso ainda estava com os assuntos bem vivos na sua memória. O que ele escreve agora na Carta aos Efésios é determinado por esses assuntos. Mas para os leitores de uma forma geral, ele opta por uma formulação mais abrangente. A relação entre Colossenses e Efésios é semelhante à relação entre Gálatas e Romanos.

Além dessas três tentativas de solução existem ainda outras (introdução ao corpus paulinum, filosofia da religião para todo o mundo cristão da época, proteção contra a propagação de heresias em Colossos), que, no entanto, não necessitam de mais explicações por não encontrarem base na redação da carta.

A terceira sugestão parece ser a que está mais próxima dos dados do NT, das informações provenientes da igreja antiga e das evidências dos manuscritos.