Efésios 1:3 — Comentário do Novo Testamento

Ainda que haja no NT exemplos análogos de louvor no início de uma carta (2Co 1.3s; 1Pe 1.3-5), a densidade de conteúdo e linguagem, bem como a complexidade dessa única frase extrapolam qualquer comparação. Conseqüentemente, os v. 3-14 possuem uma posição particularmente destacada na epístola aos Efésios. De certa maneira eles evocam o intróito (“prólogo”) do evangelho de João (Jo 1.1-18), que se reveste de relevância fundamental para toda a obra. A matriz de um louvor assim deve ser buscada nos breves votos de bênção de Israel: Deus é bendito (literalmente “abençoado”) pelo que realizou e pelo que é (cf. Sl 143.1).

Diversas vezes tentou-se interpretar o louvor como um hino, diferenciando diversas estrofes. São sugeridas duas possíveis subdivisões: os três verbos “eleger” (v. 4), “agraciar” (v. 6) e “fazer derramar” (v. 8) explicando o abençoar divino (v. 3) ou os três particípios “abençoar” (v. 3), “predeterminar” (v. 5), “anunciar” (v. 9). Remete-se à estrutura trinitária (eleito pelo Pai – redimido pelo Filho – selado no Espírito Santo) ou à ênfase especial cristológica (ocorrência freqüente do “em Cristo”). Schnackenburg subdivide a frase em seis blocos, cada um dos quais abrange dois versículos, com as seguintes ênfases de conteúdo: o louvor a Deus é motivado pela “eleição antes dos tempos”; ela é transmit ida pela “vocação para a filiação”, que sucede pela “redenção pelo sangue de Cristo”.

Ela se torna perceptível na “revelação do mistério” da vontade divina; essa bênção se torna palpável no fato de que os crentes têm “esperança antecipada em Cristo” e obtêm “pelo Espírito a prerrogativa da herança plena”.

Quando Deus é descrito mais detalhadamente como Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, a especialidade de seu agir abençoador entra em cena imediatamente: sua ação atinge foco e auge no envio do Filho amado (Ef 1.5s; 4.13).

A razão do louvor reside no fato de que Deus nos abençoou com todas as bênçãos espirituais os céus em Cristo. O louvor a Deus ressoa basicamente por dois motivos: Deus é exaltado em primeiro lugar porque alva da aflição e na seqüência por revelar o mistério divino através do qual ele torna a sua ajuda onhecida.

O emprego tríplice do termo “bendizer/bênção” salienta de forma marcante a motivação para todo o louvor subseqüente: Deus é aquele que inunda os cristãos copiosamente com sua bênção (“toda orte”). Trata-se notadamente de “bênção espiritual”. Isso não deprecia como terrena a bênção de Deus no AT, que podia concretizar-se em numerosos filhos, longa vida, grandes rebanhos e muitas propriedades (Jó 42.12ss). Pelo contrário, aponta para a destacada singularidade da bênção propiciada por meio de Jesus Cristo. Ela é ao mesmo tempo “espiritual” por ser concedida pelo spírito Santo a cada cristão (cf. Ef 1.13). O começo e o fim do louvor são, portanto, conectados pela menção do Espírito Santo (v. 3 e 13).

Que sent ido têm “os céus”, dos quais se fala em cinco passagens da carta aos Efésios? Chama atenção que nesses versículos “os céus” não somente designam o lugar de Deus e de risto, mas que poderes (malignos) também exercem sua ação neste ambiente. Uma vez que toda a íblia enaltece a Deus como Senhor do céu e da terra, e Jesus é mostrado à sua direita, governando om ele, esse tipo de afirmação é surpreendente à primeira vista. Contudo, uma análise mais detida evela outras passagens que falam não somente dos anjos no céu, mas de poderes antidivinos que ali e encontram.

Paulo escreve p. ex. em 1Co 8.5s: “Ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no éu ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus…” O discurso de Estevão lembra os pais de Israel que colocaram um bezerro de ouro, um ídolo, no lugar do verdadeiro Deus; em conseqüência Deus “se afastou e os entregou ao culto da milícia celest ial” At 7.42). Além da expulsão de Satanás do céu (Lc 10.18), há informações (sobretudo em Ap 12.7ss) cerca da luta de Miguel e seus anjos contra o dragão e seu exército, que curiosamente acontece “no éu” (sobre isso, cf. também Dn 10). Quando levamos em conta o contexto de Ef 2.2, que traz firmações sobre o “príncipe da esfera de poder do ar”, a conclusão é que o texto fala da eficácia dos poderes malignos que não se restringe à terra. Eles exercem influência também sobre o âmbito ntelectual situado “acima” da terra, o espaço aéreo, os céus “inferiores”.

Isso de forma alguma viola o senhorio de Deus e de seu Cristo. Ainda assim os crentes são atormentados e precisam defender-se ontra esses poderes (cf. Ef 6.10ss), até que aconteça o já anunciado aniquilamento completo do iabo quando Cristo aparecer no fim (cf. Ap 12.9).

A posição singular de Cristo pode ser notada no fato de que ele está à direita de Deus “nos céus” Ef 1.20), mas que ao mesmo tempo os preenche (Ef 4.10) e domina (“sobre todos os reinos…”: Ef 1.21; “sobre todos os céus”: Ef 4.10). Junto dele, a igreja, como corpo dele (Ef 1.22s), está gualmente “nos céus”. Conseqüentemente, ela está ao lado do vencedor, mesmo que ainda seja cossada e perseguida de múltiplas maneiras.

Com base nisto, torna-se evidente por que a caracterização “nos céus” carece da definição mais precisa “em Cristo”. Assim os crentes encontram-se na esfera de governo daquele que é Senhor sobre todos os céus. Da mesma forma, explica-se assim que essa ação de Deus de fato contém “toda sorte de bênçãos espirituais”. A comunhão com Cristo equipa a igreja com todas as coisas de que precisa.