AKATHARSIA [Impureza] — Obras da Carne
Akatharsia é uma palavra que começou no mundo físico, entrou para o mundo ritual e cerimonial, e terminou no mundo moral.
i. Akatharsia com o sentido de sujeira física e material. Nos papiros, por exemplo, num contrato a respeito da transferência da propriedade de uma casa, o inquilino que está de saída compromete-se a deixar a casa limpa de toda e qualquer Akatharsia. A casa deve ser deixada limpa, e livre de sujeira. Em estreita conexão com isto, está o uso médico da palavra. É usada a respeito da matéria impura que se reúne ao redor de uma chaga ou ferida (Hipócrates: Fract. 31). Platão usa-a no tocante às impurezas que se acumulam ao corpo, para os quais o baço serve como tipo de absorvente (Platão: Timeu 72 C). Akatharsia, portanto, é a sujeira ou a imundícia no sentido físico do termo.
ii. Akatharsia no AT grego denota a impureza ritual e cerimonial mais freqüentemente do que qualquer outra coisa. Há cerca de vinte ocorrências da palavra em Levítico, e todas elas se referem a semelhante impureza. É usada, por exemplo, da impureza dos animais imundos (Lv 20.25). É usada do estado de uma mulher em período menstrual (Lv 18.19). Aqui surge algo significativo. É verdade que aqui a referência diz respeito aos tabus que tornam uma pessoa ou criatura cerimonialmente impura. Mas o que há de essencial nesta impureza cerimonial é que quando uma pessoa está em tal condição, não pode aproximar-se de Deus. Em semelhante condição, a pessoa não pode entrar no Templo nem pode compartilhar da adoração do povo.
Procurar fazer isto é incorrer na ira de Deus (Lv 22.3). No sentido ritual, portanto, akatharsia é aquilo que torna impossível à pessoa entrar na presença de Deus e causa, assim, a sua exclusão.
iii. Finalmente, akatharsia entra no mundo moral. É usada para a volúpia de uma mulher lassa e imoral (Os 2.10); é usada para a impureza moral que destrói uma nação (Miquéias 2.10). Há um exemplo excelente em Provérbios, onde se diz a respeito do tolo: “Regozija-se em todas as coisas que Deus odeia, e é arruinado em razão da impureza da sua alma” (Pv6.16, LXX).
Não é comum nos escritores clássicos, mas Demóstenes usa-a acerca da vileza intolerável de um homem que perjurou atrevidamente para lesar um amigo, e que finge com hipocrisia ainda ser amigo dele (Demóstenes: Contra Meidias 119). Aqui akatharsia representa uma depravação moral que dá nojo à pessoa que a presencia.
Portanto, em akatharsia há três idéias. i. É a qualidade daquilo que é maculado e sujo. Há um tipo de mente que é poluída em si mesma e que polui tudo quanto passa por ela. Pode reduzir a ação mais nobre a um motivo vil, e pode macular as coisas mais puras com uma zombaria obscena.
ii. Nesta impureza há uma certa qualidade repulsiva. Desperta nojo e ojeriza em qualquer pessoa decente que olha para ela. Há um tipo de pessoa que às vezes pensa que está sendo muito habilidosa quando, na realidade, está meramente trazendo um arrepio interior de nojo às mentes daqueles que a escutam e que têm contato com ela.
iii. Nesta palavra permanece a idéia daquilo que separa o homem de Deus. Antes de entrar no mundo moral, akatharsia, conforme temos visto, descrevia a impureza ritual e cerimonial que excluía o homem da presença de Deus. No mundo moral, a mesma idéia continua ligada à palavra. “Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus” (Mt 5.8). O pecador que se arrepende nunca sentirá que Deus está muito longe, mas o pecador que se gloria na sua impureza erigiu uma barreira entre si mesmo e Deus.
FONTE: As Obras da Carne e o Fruto do Espírito de William Barclay.