Escritor da Carta aos Hebreus
Escritor da Carta aos Hebreus
Em Hebreus faltam todas as indicações mais diretas sobre o autor e os destinatários. Nisso a carta se iguala à 1Jo e 2Jo. O autor não nos revela seu nome, mas pode ser identificado como conhecido ou amigo de Timóteo (Hb 13.23). Evidentemente não fez parte dos primeiros apóstolos. Ele não se autodesigna como apóstolo, mas alinha-se na segunda ou terceira geração, porque escreve: “(a salvação) começou a ser anunciada pelo Senhor. Depois, foi-nos fielmente transmitida pelos que a ouviram” (Hb 2.3b[BJ]). Ele próprio, portanto, não é testemunha ocular da vida terrena de Jesus e de sua ressurreição, o que era considerado originalmente como um pressuposto para o apostolado (At 1.21,22). Recebeu, porém, a mensagem das testemunhas de Jesus, vindo a crer a partir dessa circunstância. Nunca os apóstolos Paulo, Pedro e João se pronunciaram dessa maneira em suas cartas com vistas à sua própria pessoa e ao ministério apostólico de que o Senhor os incumbiu. Também Paulo sabia de uma tradição por meio do testemunho dos primeiros apóstolos, mas nesse aspecto ele repetidamente se fundamentou no próprio Senhor e – ao contrário do autor de Hebreus – apresentou-se em todas as cartas mediante indicação de seu nome, em geral como apóstolo. Quando lemos Hebreus no texto original, a seleção de palavras e a construção das frases chamam a atenção para o fato de que o autor escreve num grego de nível extraordinário. Ele igualmente conhece com precisão a tradução grega do AT (LXX), usando-a com freqüência.
Tudo isso leva a concluir que tinha formação helenista, como era amplamente cultivada na diáspora judaica daquele tempo. As descrições sobre o interior do tabernáculo em Hb 9.1-5 revelam que o autor era conhecedor da tradição rabínica de interpretação da Escritura realizada pela sinagoga de Alexandria, mas que não havia estacionado nela, mas dando-lhe uma nova interpretação a partir de sua experiência pessoal de fé no Senhor Jesus Cristo. A maneira como o autor faz uso, na explanação do AT, das formas da leitura alegórica e da tipologia, faz recordar mais o filósofo judaico Filo, que ensinou na segunda metade do século I em Alexandria e interpretava o AT de forma análoga, do que o apóstolo Paulo, que havia recebido sua formação de rabino junto de Gamaliel em Jerusalém (At 22.3) e que seguia tradições diferentes na exegese. Contudo, sob um exame mais minucioso patenteia-se que Filo e o autor de Hebreus partiram de premissas inteiramente diferentes em sua interpretação do AT. O teólogo francês J. Cambier escreve sobre essa questão: “Não se deveria enfat izar excessivamente o alexandrinismo. Os recursos intelectuais podem ter sido os mesmos. Na presente carta, porém, um estudioso cristão da Escritura serviu-se deles de maneira soberana, a fim de desincumbir-se fielmente da mensagem de sua fé”.
A própria maneira como Hebreus fala do sacerdócio e do serviço sacrificial do tabernáculo (Hb 7.27; 9.4), deixando as condições reais do seu tempo totalmente de lado nessa caracterização, justifica que se indague se, afinal, o autor de fato conheceu pessoalmente o antigo templo de Jerusalém e suas ordens. As palavras no final da carta: “Os da Itália vos saúdam” (Hb 13.24) suscitaram a suposição de que o autor tenha pertencido a uma comunidade na Itália. Talvez esses cristãos também fossem um grupo de palestinos que, no ano de 70, após a destruição de Jerusalém pelo general romano Tito, foram levados como prisioneiros à Itália. Contudo, não podemos afirmá-lo com segurança.
A tradição eclesiástica não se contentou com o pouco que sabemos sobre o autor. O Pai da Igreja Clemente de Alexandria (falecido no ano 211) defendia que a carta seria um escrito de Paulo traduzido por Lucas. Orígines (falecido no ano 254) considerava como possíveis autores o médico Lucas ou o presidente da igreja de Roma, Clemente Romano. O mais antigo Pai da Igreja latina, Tertuliano (falecido por volta do ano 215), presumia que Barnabé (At 13.2ss; 14.4,14) tivesse escrito a carta. Martinho Lutero pensava que nele poderia ser reconhecido Apolo, exímio orador alexandrino e pregador do evangelho (At 18.24ss; 1Co 3.4). O reformador João Calvino considerou igualmente Clemente Romano como autor. As igrejas cristãs do Oriente e, após o ano 419 também as do Ocidente, atribuíram a autoria ao apóstolo Paulo. A Igreja Católico Romana persistiu nesta tese até a primeira metade do século XX, mas aos poucos vai deixando de lado essa convicção. No entanto, tudo isso são suposições, e nessa questão não poderemos avançar além da frase do Pai da Igreja Orígines: “Mas só Deus sabe quem realmente escreveu a epístola”. Embora o autor não mencione o seu nome, nem reclama para si a posição de apóstolo, temos de localizá-lo, não obstante, na proximidade imediata dos apóstolos, porque Deus o muniu de autoridade para a proclamação e de uma compreensão clara da palavra e do propósito de salvação de Deus. Otto Michel escreve a esse respeito (pág. 11): “A palavra do autor desconhecido não é levada menos a sério na igreja que a palavra de Paulo, porque sua autoridade não é de caráter histórico, e sim teológico”. Com base na exortação de Hb 5.11-14, que o autor apostólico dirige aos fiéis, podemos presumir que ele se considera um dos dirigentes espirituais da comunidade, sobre os quais escreve em Hb 13.7,17,24. Apoiando-nos num costume do tempo dos primeiros cristãos, vamos falar, no nosso comentário à carta, do autor como de um “apóstolo”. Ao usarmos o termo não estamos pensando nos doze discípulos que no sentido estrito formam as “testemunhas anteriormente designadas” (At 10.41[BJ]). Tampouco atribuímos a autoria de Hebreus ao apóstolo Paulo que ocupava, segundo suas próprias palavras, uma posição singular entre os apóstolos (cf. Rm 1.1,2; Gl 1.11ss). O NT nos mostra claramente que ao lado dessas pessoas Deus convocou para si ainda outras testemunhas, as quais ele utilizou da mesma maneira como instrumentos do Espírito Santo para alicerçar a igreja de Jesus Cristo (2Co 8.23; Ef 4.11). Entre eles conhecemos por nome a Barnabé (At 9.27; 14.4,14), Tiago, irmão do Senhor (Gl 1.19), Andrônico e Júnia (Rm 16.7), que são designados como apóstolos.
A história da formação do cânon informa que tanto no Oriente quanto no Ocidente a carta era contada entre os escritos apostólicos, sem que houvesse uma forma de se concordar em detalhe sobre a autoria. Nas comunidades cristãs do Oriente o autor aceito era Paulo. O cânon Muratori, Tertuliano, Cipriano, Eusébio e Agostinho denotam a influência dessas idéias orientais sobre a igreja ocidental. Contudo, é significativo que Hilário de Poitiers (falecido no ano de 367) precisamente não cita Hebreus como carta de Paulo, embora a considerasse como apostólica. Nesse exato aspecto torna-se evidente que nos primeiros séculos do cristianismo o conceito do apostolado, além do número dos Doze e de Paulo, era conhecido em sentido ampliado. É dessa maneira que gostaríamos que fosse entendida a designação de “apóstolo” para o autor de Hebreus.
Na Antiguidade era usual que publicações às quais se desejava assegurar reconhecimento fossem editadas sob o nome de personalidades ilustres, um costume que também ganhou terreno no ambiente da jovem cristandade. Assim foi divulgada no século II, sob o nome dos apóstolos, uma série de relatos de milagres fantasiosos sobre a vida de Jesus e dos apóstolos (evangelhos e atos de apóstolos apócrifos). O autor de Hebreus não faz uso desse recurso. Está ciente de que sua palavra possui autoridade divina e é aceita pela igreja.
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