Hebraico Bíblico — Quando Caiu em Desuso?

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Acredita-se popularmente que os judeus começaram a mudar para a língua aramaica durante o seu exílio em Babilônia. No entanto, a evidência para isso não é forte. Exemplos modernos mostram que grupos subjugados ou imigrantes podem reter e freqüentemente retêm sua língua nativa durante períodos muito maiores do que 70 anos. Especialmente, visto que os judeus tinham a promessa divina de retornar à sua pátria, seria de esperar que estivessem pouco inclinados a abandonar o hebraico em favor quer do acadiano (assírio-babilônico), quer do aramaico, a língua franca daquele tempo. É verdade que se encontram passagens e palavras aramaicas nos livros exílicos e pós-exílicos, tais como Daniel, Esdras e Ester. No entanto, isto não é incomum, visto que estes livros incluem relatos de eventos que ocorreram em terras de língua aramaica, bem como correspondência oficial, e visto que tratam dum povo sujeito ao domínio de potências estrangeiras, que usavam o aramaico como língua diplomática.

Neemias 8:8 explica que ‘se fornecia esclarecimento’ e ‘se dava o sentido’ na leitura da Lei. Tem-se sugerido que o hebraico talvez não fosse então perfeitamente entendido pelos exilados que retornaram e que se faziam paráfrases aramaicas. Todavia, o próprio texto indica mais uma exposição do sentido e uma aplicação daquilo que se ensinava na Lei, do que um esclarecimento da terminologia linguística ou de formas gramaticais. — Veja Mt 13:14, 51, 52; Lu 24:27; At 8:30, 31.

Realmente, não há na Bíblia nenhuma referência a se ter abandonado o hebraico como língua cotidiana do povo. É verdade que Neemias encontrou certos judeus que tinham esposa asdodita, amonita e moabita, e cujos filhos não ‘sabiam falar judaico’. Mas a menção deste fator em conexão com a indignação de Neemias com os judeus envolvidos nestes casamentos com não-israelitas indica que se desaprovava muito tal desprezo pelo hebraico. (Ne 13:23-27) Isto seria de esperar, em vista da importância dada à leitura da Palavra de Deus, que até então era principalmente em hebraico.

O período decorrido desde o término do cânon hebraico (provavelmente no tempo de Esdras e de Malaquias, no quinto século AEC) até o começo da Era Comum, praticamente não é considerado na Bíblia. Também há poucos registros seculares. Mesmo estes, porém, não dão muito apoio à ocorrência duma mudança do hebraico para o aramaico por parte do povo judeu. A evidência indica que muitos dos livros apócrifos, tais como Judite, Eclesiástico (não Eclesiastes), Baruque e Primeiro Macabeus, foram escritos em hebraico, e estas obras são em geral consideradas como datando dos últimos três séculos antes da Era Comum. Conforme já mencionado, alguns dos escritos não-bíblicos entre os Rolos do Mar Morto também eram em hebraico, e o hebraico foi usado para compilar a Míxena judaica após o começo da Era Comum.

Por causa destes e de outros fatores relacionados, o Dr. William Chomsky declara que a teoria de alguns peritos judeus e não-judeus, de que o aramaico substituíra totalmente o hebraico, não tem nenhum fundamento e tem sido eficazmente refutada. Se é que aconteceu alguma coisa, é mais provável que os judeus se tenham tornado bilíngues, mas com o hebraico qual língua preferida. Conforme o Dr. Chomsky diz a respeito do hebraico da Míxena:

“Este idioma tem todos os sinais duma típica língua vernácula usada pelos camponeses, pelos mercadores e pelos artesãos. . . . À base da evidência disponível, parece justo concluir que os judeus, em geral, durante o período da Segunda Comunidade, especialmente na sua parte final, estavam familiarizados com ambos os idiomas [hebraico e aramaico]. Às vezes usavam um, outras vezes, o outro.” — Hebrew: The Eternal Language (Hebraico: O Idioma Eterno), 1969, pp. 207, 210.

No entanto, a evidência mais forte que favorece o conceito de que o hebraico continuou como língua viva até dentro do primeiro século da Era Comum é encontrada nas referências ao idioma hebraico no Novo Testamento. (Jo 5:2; 19:13, 17, 20; 20:16; Re 9:11; 16:16) Embora muitos peritos sustentem que o termo “hebraico”, nestas referências, devia rezar “aramaico”, há bons motivos para se crer que o termo realmente se aplica ao idioma hebraico. Quando o médico Lucas diz que Paulo falou ao povo de Jerusalém “no idioma hebraico”, parece pouco provável que ele se referisse ao idioma aramaico ou sírio. (At 21:40; 22:2; compare isso com 26:14.) Visto que as Escrituras Hebraicas já antes diferenciavam o aramaico (sírio) e o “idioma judaico” (2Rs 18:26), e visto que o historiador judeu Josefo, do primeiro século, ao considerar esta passagem da Bíblia, fala do “aramaico” e do “hebraico” como línguas distintas (Jewish Antiquities [Antiguidades Judaicas], X, 8 [i, 2]), não parece haver motivo para os escritores das Escrituras Neotestamentárias dizerem “hebraico” quando queriam dizer aramaico ou sírio.

Que naquela época o aramaico era amplamente usado na Palestina é reconhecido. O uso do aramaico “Bar” (filho), em vez do hebraico “Ben”, em diversos nomes (tais como Bartolomeu e Simão Barjonas) é uma evidência de que o aramaico era conhecido. Naturalmente, alguns judeus também tinham nome grego, como André e Filipe, e isto por si só não prova que sua língua normal fosse o grego, assim como o nome latino de Marcos tampouco prova que o latim fosse a língua falada pela sua família. Evidentemente, quatro idiomas eram comuns na Palestina no primeiro século da Era Comum: os três mencionados na Bíblia como aparecendo no letreiro acima da cabeça de Jesus quando estava pregado na estaca (hebraico, latim e grego [Jo 19:19, 20]), e o quarto, o aramaico. Dentre estes, o latim, sem dúvida, era o menos comum.

É bem possível que Jesus usasse ocasionalmente o aramaico, como quando falou com a mulher siro-fenícia. (Mr 7:24-30) Certas expressões registradas como usadas por ele são geralmente consideradas de origem aramaica. No entanto, mesmo neste caso é preciso usar de cautela, visto que a classificação dessas expressões como aramaicas não deixa de ser questionável. Por exemplo, as palavras faladas por Jesus enquanto estava pregado na estaca: “Eli, Eli, lama sabactâni?” (Mt 27:46; Mr 15:34), costumam ser consideradas aramaicas, talvez num dialeto galileu. No entanto, The Interpreter’s Dictionary of the Bible (O Dicionário Bíblico do Intérprete) diz:

“As opiniões estão divididas quanto ao idioma original da declaração e quanto a se o próprio Jesus teria usado de modo mais natural o hebraico ou o aramaico. . . . Há documentos que indicam que uma forma de hebraico, um pouco influenciado pelo aramaico, talvez tenha sido usado na Palestina no primeiro século A.D.” (Editado por G. A. Buttrick, 1962, Vol. 2, p. 86)

Na realidade, a transliteração grega dessas palavras, conforme registradas por Mateus e por Marcos, não permite uma identificação positiva do idioma original usado.

O testemunho de que o Evangelho de Mateus foi originalmente escrito por ele em hebraico é mais uma evidência do continuado uso desta língua no período apostólico.

Portanto, parece que o hebraico começou a desvanecer depois e em resultado da destruição de Jerusalém e do seu templo, no ano 70 EC, e da dispersão dos habitantes remanescentes. Não obstante, continuava a ser usado nas sinagogas onde quer que houvesse judeus dispersos. Especialmente a partir de cerca do sexto século EC, os peritos judeus conhecidos como massoretas fizeram esforços zelosos de manter a pureza do texto hebraico das Escrituras. E especialmente a partir do século 16, reviveu o interesse no hebraico antigo, e no século seguinte houve o começo dum estudo intensivo de outras línguas semíticas. Isto tem contribuído para esclarecer o entendimento do idioma antigo e tem resultado em melhores traduções das Escrituras Hebraicas.