Fé e Contendas (Origem das Discórdias ) — Tiago 4.1-6

DISCÓRDIAS, ORIGE, FÉ, CONTENDAS, TIAGO, CARTA
A seção precedente encerra-se mencionando a paz e a justiça. Ao invés dessa paz, no entanto, as pessoas a quem Tiago escrevia tinham guerras e contendas (1). As contendas (gr. machoi, “lutas”) referem-se, neste caso, a disputas acerca de doutrina. Suas alterações e controvérsias causavam desordem nas reuniões, originando-se tal situação, em última análise, de paixões (prazeres) que militavam nos membros deles (gr. strateuo “guerrear”, stratos, exército acampado). As paixões acampavam nos membros, possuíam-nos e dirigiam-nos como se fora um exército de ocupação. Disputas nem sempre são causadas por circunstâncias exteriores; muitas vezes são o resultado de paixões íntimas. O termo cobiças (3) refere-se à satisfação do desejo de prazeres, no caso em foco o prazer de exercer poder sobre pessoas rivais, de humilhá-las. A ARA tem simplesmente "prazeres" (gr. hedone a satisfação de desejos pecaminosos).

Cobiçais, e nada tendes (2). Cfr. os pecados do Davi (ver 2Sm 11) e Acabe (1Rs 21.2-4). O desejo torna-se a paixão dominante da alma, mas o coração natural jamais se contenta ou satisfaz com nada que o mundo possa oferecer. Matais e invejais, e nada podeis obter (2). Todas as vossas lutas e contendas e todos os vossos esforços por satisfazer vossos desejos são de todo inúteis e acabam apenas infrutíferos e em insatisfação. A razão é Nada tendes, porque nada pedis (2). Não tendes feito de vossas necessidades o assunto de fervorosas orações. Deus tem abundantes provisões de Sua graça, disponíveis para os que pedem. Mas vós deixais de pedir e por isso não recebeis. E mesmo quando pedis, não recebeis porque o que vos leva a pedir são motivos errados (3). Vossas orações são egocêntricas, interessadas só com a satisfação dos vossos desejos, de modo que Deus, que é fiel, não pode conceder o que pedis. Não pedis bênçãos para os outros, nem mesmo para vós aqueles dons divinos que são maiores e melhores. Pedis somente para satisfazer os instintos inferiores de vossa natureza. Aí está a causa dessa agitação profana que produz confusão e luta.

Adúlteros e adúlteras (4). Os melhores MSS trazem apenas “vós adúlteras”, como se Deus quisesse acusar-nos de ser iguais a esposas infiéis. Tiago retrata nestes termos impressionantes a infidelidade da alma para com Deus. Mundanismo é adultério espiritual. Mundo (4) é a ordem de coisas que nos cerca, ou esse espírito que em nós é cego para o valor e a realidade das coisas espirituais. O mundano é governado pelos desejos da carne, ou pelas maneiras e costumes que o cercam, e recusa reconhecer o direito que Deus tem de governar. É claro, então, que o procedimento do mundo e seus objetivos estão fundamentalmente em desacordo com o caráter de Deus e Sua vontade revelada com relação aos Seus filhos. Há duas amizades, a de Deus e a do mundo. São incompatíveis e irreconciliáveis, e temos portanto de escolher para nós uma das duas. Note-se no vers. 4 a frase aquele que quiser.... No mundo espiritual a escolha que fizermos de amigos determinará quem será nosso inimigo. A pessoa que deseja ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus. “Andarão dois juntos, se não houver entre eles acordo?” (Am 3.3).

O vers. 5 é algo obscuro. Westcott e outros, embora não dogmatizem, traduzem assim a primeira sentença, “Supondes que é em vão que a Escritura afirma?” o consideram a segunda parte do versículo como uma declaração independente, e não o objeto direto do verbo "afirma". Se for aceito este arranjo, não havendo razão para não o ser, Tiago pergunta se podemos imaginar que tantas admoestações contra o mundanismo no vers. 4 e através de toda a Escritura sejam frases vazias, sem sentido. A Escritura fala solenemente contra este mal e recusamos ouvir seus avisos em risco de nossas almas.

Quanto à segunda parte do versículo, variam as interpretações. O espírito que habita em nós é considerado por alguns como sendo o espírito do mal que, desde a queda, tem habitado e vem corrompendo o homem natural, e é a fonte de onde surge a inveja. Por outra parte, podemos aceitar a versão da ARA: “o Espírito que ele (Deus) fez habitar em nós anseia por nós com ciúme”. Neste caso a alusão é à obra graciosa do Espírito Santo que é entristecido e agravado quando nos mostramos infiéis a Cristo e a Deus, que tão ricamente nos tem abençoado. Ele suspira por nós com um santo ciúme, desejando possuir-nos totalmente, visto como não pode satisfazer-se com o nosso coração dividido. Esta interpretação parece ser preferível à primeira. “O ciúme”, embora ordinariamente considerado um mal, às vezes foi empregado para ilustrar a mais terna afeição (2Co 11.2; Gl 4.17-18)” (Cam. Bible).

O espírito mundano deles tinha sido a causa fundamental de Deus negar-lhes o que pediram. Suplicaram e não receberam porque suplicaram mal, impropriamente. Ele porém nunca recusa Sua graça aos que pedem. Com efeito, pedir graça é recebê-la mais e mais (6). Em apoio de sua afirmação, Tiago cita Pv 3.34 (LXX); cfr. 1Pe 5.5. O obstinado orgulho recusa entregar-se a Deus; sente-se suficiente em si mesmo para enfrentar a guerra moral, e não vê necessidade em se aproximar do trono da graça, como suplicante, confessando que os atrativos do mundo são muito fortes e que somente a graça divina pode neutralizá-los. Tal atitude não pode ter a aceitação de Deus. Pelo contrário, Deus resiste a ela. A palavra grega antitasso, originalmente um termo militar significando dispor em ordem de batalha, usa-se na voz média para significar dispor-se contra. Deus resiste, deixando que os malfeitores renitentes sigam sua carreira determinada, com eventual retribuição. No entanto, aos que são bastante humildes para reconhecê-Lo, sabendo que são fracos e inclinados ao mal, Deus Se debita em lhes dar livremente de Sua graça.