Capítulo 1 — De Natura Deorum [Da Natureza dos Deuses]

DEUSES, NATUREZA, LIVRO, CÍCERO, PORTUGUÊS
Embora existam muitas questões em filosofia que não tenham sido ainda por qualquer meio satisfatoriamente esclarecidas, há em particular, como você, Brutus, que está bem consciente, muita dificuldade e muita obscuridade anexadas ao inquérito com referência à natureza dos deuses, um inquérito que é nobre, no reconhecimento que ela proporciona à natureza da alma, e também necessário para a regulação das práticas religiosas. As opiniões dos maiores pensadores em relação ao assunto conflitam e variam de uma forma que deve ser tomada como evidência forte de que a causa de isso ocorrer é sua ignorância, e que os acadêmicos foram sábios em se recusar a fazer afirmações positivas em dados incertos. Existe alguma coisa que, de fato, tão desonroso como imprudência, e não há nada mais precipitado e mais indigno da dignidade e força de caráter de um homem sábio do que a realização de uma opinião falsa, ou a defesa firme do que não foi compreendido e realizado com profundidade adequada? Neste inquérito, para dar um exemplo da diversidade de opinião, o maior número de autoridades afirmaram a existência dos deuses; é a conclusão mais provável, e aquele para o qual todos nós somos guiados pela orientação da natureza; mas Protágoras disse que era duvidoso, e Diagoras a Melian e Theodorus de Cirene pensavam que tais seres não existiam de forma alguma. Aqueles, ainda, que afirmaram a sua existência apresentam tanta diversidade e discordância que seria fastidioso enumerar suas ideias separadamente. Para uma grande quantidade é dito sobre as formas dos deuses e sobre a sua localidade, moradas, e modo de vida, e esses pontos são disputados com a diferença máxima de opinião entre os filósofos; enquanto que sobre a questão em que o nosso objeto de discussão é composto principalmente, a questão se os deuses não fazem nada, não projetam nada, e estão livres de toda a carga e administração dos assuntos, ou se, por outro lado, todas as coisas foram desde o início estabelecidas e criadas por eles; e são em todo infinito governadas e dirigidas por eles, sobre esta questão, sobretudo, existem grandes diferenças de opinião, e é inevitável, a menos que estes sejam decididos, que a humanidade deve estar envolvido na maior incerteza, e na ignorância das coisas que são de suprema importância.


FONTE: De Natura Deorum (On the Nature of the Gods), a partir da trad. em inglês de Francis Brooks (London: Methuen, 1896).