Comentário Sobre Mateus 6:5-8

Comentário Sobre Mateus 6:5-8
Comentário Sobre Mateus 6:5-8

Nenhuma nação teve jamais um ideal mais elevado da oração que a dos judeus; nenhuma religião colocou jamais a oração em uma escala mais alta entre as prioridades da piedade que a religião judia. "Grande é a oração", diziam os rabinos, "maior que toda boa obra". Uma das mais belas expressões que jamais se usaram para referir-se à adoração familiar é o dito rabínico: "Aquele que ora em sua casa, é rodeado por um muro que é mais forte que o ferro." A única coisa da qual se lamentavam os rabinos era de que não se podia estar orando durante todo o dia.

Mas na prática judia da oração tinham penetrado certos defeitos. Deve notar-se que estes não são de maneira alguma peculiares à forma judia de orar; podem dar-se, e de fato se dão, em qualquer religião do mundo. E, além disso, são defeitos que somente são possíveis em uma comunidade que outorga à oração um lugar de privilégio. Não obedecem a negligência, mas sim a uma devoção mal orientada.

(1) A oração tendia a converter-se em uma fórmula. Havia duas coisas que todos os judeus estavam obrigados a fazer todos os dias. A primeira era a repetição do Shema, que consiste em três breves passagens bíblicas – Deuteronômio 6:4-9; 11:13-21; Números 15:37-41. Shema é o imperativo do verbo que em hebreu significa "ouvir", e toma seu nome do versículo que se considerava como a essência e centro de todo o assunto: “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR.” O Shema devia ser recitado por todos os judeus, integralmente, todas as manhãs e todas as tardes. Devia ser dito o mais cedo possível, quando havia luz suficiente para distinguir entre o azul e o branco, ou, como afirmava o rabino Eliézer, entre azul e verde.

Em todo caso, antes da hora terceira, quer dizer às nove da manhã, nenhum judeu podia ter deixado de repetir esta confissão de fé. Pela tarde, devia ser repetido antes das nove da noite. Se a hora limite chegasse, não importava onde o crente estivesse, ou o que estivesse fazendo, quer em seu trabalho, na rua ou em uma reunião com amigos, devia levantar-se e repetir o Shema. Havia muitos que amavam verdadeiramente as palavras do Shema, e que o repetiam com unção, reverência e carinho; mas, inevitavelmente, havia muitos mais, a maioria, que balbuciavam as palavras entre dentes e seguiam no que estavam fazendo. O Shema corria o risco de transformar-se em uma vã repetição de sons, que se recitava à maneira de um encantamento.

Nós, os cristãos, não estamos autorizados a recriminar os judeus neste caso, porque tudo o que dissemos do Shema poderia repetir-se com respeito à ação de graças antes das refeições em muitos lares cristãos.

A segunda "oração" que todos os judeus deviam repetir diariamente era o Shemoneh 'esreh, expressão que significa "as dezoito". Consistia em dezoito orações breves, e era, e segue sendo ainda, uma parte essencial do culto da sinagoga. Com o tempo, as orações chegaram a ser dezenove, mas continua sendo usado o nome coletivo de "as dezoito". A maioria destas orações são muito breves, e quase todas verdadeiramente bonitas. A duodécima diz:

"Que a Tua misericórdia, Senhor, se manifeste sobre os justos, os humildes, os anciãos de Teu povo Israel, e o resto de seus mestres; sê favorável aos estrangeiros piedosos que estão entre nós, e a todos nós. Dá uma boa recompensa àqueles que confiam sinceramente em Teu nome, para que possamos ter nosso destino junto com eles no mundo vindouro, para que nossa esperança não venha a faltar. Louvado sejas, ó Senhor, porque Tu és a esperança e a confiança dos fiéis."

A quinta diz:

"Leva-nos de volta à Tua lei, ó nosso Pai; leva-nos de volta, ó Rei, a Teu serviço; leva-nos de volta a Ti mediante o verdadeiro arrependimento. Louvado sejas, ó Senhor, porque aceitas o nosso arrependimento."

Não existe igreja cristã que possua uma liturgia tão bonita como o Shemoneh 'esreh. A lei dizia que todo judeu devia recitá-lo três vezes cada dia, uma pela manhã, uma pela tarde e a terceira durante a noite. Neste caso ocorria o mesmo que com o Shema. O judeu devoto repetia as palavras destas orações com profunda unção religiosa; mas havia muitos para quem a recitação destas maravilhosas orações não era mais que o cumprimento monótono de uma fórmula. Até chegou a haver um resumo das orações completas, que se podia dizer quando não se tinha tempo para usar o texto completo, ou se as tinha esquecido por falta de memória. A repetição do Shemoneh 'esreh chegou a ser muito pouco mais que uma fórmula mágica. Novamente devemos indicar que os cristãos têm pouco que criticar quando nós fazemos tantas vezes o mesmo com as palavras da oração que Jesus nos ensinou.

(2) A liturgia judia, além disso, oferecia orações especiais para todas as ocasiões.

Virtualmente não havia circunstância da vida que não tivesse sua fórmula devocional apropriada. Havia orações para dizer antes e depois das refeições; havia orações relacionadas com a luz, o fogo, os raios, a Lua nova, os cometas, a chuva, a tempestade, o mar, os lagos, os rios, as boas notícias, o estrear móveis novos, e o entrar em uma cidade ou sair dela. Tudo tinha sua oração. É evidente que nisto há algo imensamente belo. A intenção era levar todas as circunstâncias da vida a Deus.

Mas precisamente pela meticulosidade com que se estabeleciam fórmulas e circunstâncias para cada oração, o sistema se prestava ao formalismo vazio, e a tendência era a repetição mecânica das orações, sem que ninguém lhes atribuísse maior significado. Os grandes rabinos sabiam isto, e procuraram evitar o engano. "Se alguém disser suas orações como se estivesse cumprindo com uma obrigação desagradável", ensinavam, "não está orando." "Não considere a oração como um dever formal, mas sim como um ato de humildade mediante o qual obterá a misericórdia de Deus." O rabino Eliézer estava tão preocupado pelo perigo do formalismo que tinha o costume de escrever todos os dias uma oração nova, para que suas orações fossem sempre distintas.

É evidente que este perigo não se dá exclusivamente no judaísmo. Até os momentos de silêncio espectador, que começam como devoção, podem terminar em uma simples formalidade dentro de um programa ritual rígido e desprovido de conteúdo.

(3) O judeu devoto tinha momentos especiais para orar, com o passar do dia. As horas de oração eram a terceira, a sexta e a nona, quer dizer, às nove, às doze e às três da tarde. Em qualquer lugar que estivesse, o judeu piedoso tinha a obrigação de orar ao cumprir-se, exatamente, essas horas. Evidentemente, podia lembrar-se genuinamente de Deus, ou limitar-se a uma simples formalidade. Os muçulmanos têm o mesmo costume. Conta-se a história de um muçulmano que estava correndo atrás de um homem para matá-lo, com a faca na mão. Nesse momento o muezin emitiu seu chamado à oração. O homem desenrolou seu tapete de oração, prostrou-se e repetiu rapidamente suas orações, voltou a enrolar o tapete e seguiu correndo a seu inimigo, com a intenção de matá-lo. É muito bonito recordar a Deus três vezes por dia mas existe o perigo que em cada uma destas ocasiões a maioria se limite a repetir palavras ocas, sem um significado devocional autêntico.

(4) Havia a tendência a relacionar a oração com certos lugares, e especialmente com a sinagoga. É indubitável que há certos lugares onde Deus parece estar mais perto, mas alguns rabinos chegaram ao extremo de afirmar que as orações eram eficazes somente se proferidas no templo ou nas sinagogas. Surgiu assim a prática de ir ao templo às horas de oração. Durante os primeiros dias da Igreja, os próprios apóstolos pensavam em termos similares a estes, porque sabemos que João e Pedro foram ao templo na hora da oração (Atos 3:1). Nisto há um perigo, o de pensar que Deus está confinado a certos lugares santos, e esquecer que toda a Terra é seu templo. Os rabinos mais sábios se davam conta deste perigo. Diziam: "Deus diz a Israel, ora na sinagoga de sua cidade; se não puderes, ora no campo; se não puderes, ora em tua casa: se não puderes, ora em sua cama; se não puderes, comunga contigo mesmo, em seu coração, sobre sua cama, e fica em silêncio."

O problema com qualquer sistema não está no sistema em si, e sim nos homens que o usam. Qualquer sistema de oração pode se converter em um instrumento devocional autêntico ou em uma formalidade que se deve despachar o mais rápido possível, sem pensar muito em seu conteúdo.

(5) Entre os judeus havia uma indubitável tendência a fazer orações muito longas. Por certo, esta não é uma tendência exclusiva do judaísmo. Na adoração que se oferecia a Deus na Escócia durante o século XVIII a duração significava piedade. Não era pouco comum que se lesse a Bíblia, versículo por versículo, durante uma hora inteira, que o sermão durasse outra hora e que as orações fossem intermináveis e improvisadas.

O Dr. W. D. Maxwell escreve que "a eficácia da oração se media por seu ardor e fluidez, não menos que por sua duração". O rabino Levi disse: "Quem ora longa e estendidamente será ouvido." Outro dito rabínico afirma: "Quando o justo faz uma longa oração, é ouvido." Existia – e ainda existe – a idéia subconsciente de que se se golpear durante muito tempo a porta de Deus, Ele terá que responder; que falando muito e até importunando-o se pode obrigar a Deus a atender a
nossa súplica. Os mais sábios entre os rabinos eram perfeitamente conscientes do perigo que isto envolve.

Um deles disse: "Está proibido alongar muito o louvor do Santo. Nos Salmos está escrito: 'Quem saberá contar os poderosos feitos do SENHOR ou anunciar os seus louvores?' (Salmo 106:2). Somente quem for capaz pode estender o suficiente para cantar todo o seu louvor, mas ninguém pode". "Que as palavras do homem perante Deus sejam breves, tal como está escrito: 'Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras' (Eclesiastes 5:1-2). A melhor adoração consiste em guardar silêncio." É muito fácil contundir a verbosidade com a devoção, e nesse engano caíam muitos dos judeus.

(6) Havia outras formas de repetição que os judeus, como todos os povos orientais, sentiam-se inclinados a utilizar e às vezes em demasia. Os povos orientais têm o costume de hipnotizar-se a si mesmos mediante a repetição interminável de uma frase ou até de uma palavra. Em 1 Reis 18:26 lemos como os profetas do Baal gritavam: "Baal, responde-nos!", e o fizeram durante toda a metade de um dia. Em Atos 19:34 lemos como a multidão de Éfeso gritou durante quase duas horas: "Grande é Diana dos efésios". Os muçulmanos podem estar muitas horas repetindo a sílaba sagrada HEI, enquanto correm descrevendo círculos, até que finalmente entram em êxtase e caem, inconscientes, totalmente exaustos. Os judeus faziam o mesmo com o Shema. Trata-se da substituição da autêntica oração pelo auto-hipnotismo.

A oração judia usava outra forma de repetição: Ao dirigir-se a Deus em oração procurava-se acumular todos os adjetivos e títulos possíveis atribuíveis ao Senhor. Há uma oração famosa que começa dizendo:

"Bendito, louvado, glorificado, exaltado, enaltecido e honrado, engrandecido e louvado seja o nome do Santo." Há outra oração judia que começa atribuindo dezesseis adjetivos a Deus. Era uma espécie de embriaguez de palavras. Quando se começa a pensar mais em como se está orando que no que se está comunicando a Deus, a oração morre nos lábios e se converte em vã retórica.

(7) O último defeito que Jesus achava em alguns dos judeus, era que oravam para serem vistos pelos homens. O sistema de oração judia fazia com que a ostentação fosse muito fácil. Os judeus oravam de pé, com os braços estendidos para cima, as palmas das mãos abertas para o céu e a cabeça agachada. A oração devia fazer-se às nove da manhã, às doze e às três da tarde. Devia orar-se, chegada a hora, em qualquer lugar onde o judeu piedoso se encontrasse, e era muito fácil para aquele que desejava ostentar sua religiosidade estar, a essas horas, em alguma rua central, ou em uma praça cheia de gente.

Era possível que qualquer vaidoso ficasse de pé na escalinata da sinagoga, e estendendo seus braços orasse longamente, para demonstrar sua fidelidade ao preceito divino. Era muito fácil fingir piedade quando outros estavam olhando. O mais sábio de todos os rabinos judeus compreendeu perfeitamente bem este perigo, e condenou sem rodeios a atitude hipócrita dos que oravam para serem vistos pelos homens: "O homem que está cheio de hipocrisia atrai a ira de Deus sobre o mundo, e sua oração jamais será ouvida." "Há quatro classes de homens que não recebem a face da glória de Deus – os zombadores, os hipócritas, os mentirosos e os caluniadores."
Os rabinos diziam que era impossível orar se o coração não estava em atitude de oração. Estabeleciam que para uma autêntica oração era necessária pelo menos uma hora de preparação silenciosa e particular, e uma hora de meditação depois. Mas o sistema judeu de oração se prestava à ostentação e a hipocrisia, quando o coração do homem estava cheio de vaidade.
Jesus estabelece dois grandes regras para a oração:

(1) Insiste em que toda autêntica oração deve ser oferecida a Deus. A falha das orações dos judeus que Jesus criticava era que estavam dirigidas aos homens e não a Deus. Certo pregador popular em Boston, falando de uma oração que alguém ofereceu em sua igreja, descrevia-a como "a oração mais eloqüente que jamais se ofereceu ante o público de Boston". Quem tinha feito essa oração, é obvio, deve ter estado muito mais interessado em impressionar a congregação que em alcançar o trono da graça divina. Seja na oração pública ou na particular, o crente não deveria ter outro desejo, nem outra preocupação, que o querer de todo o coração ser ouvido por Deus.

(2) Insiste na afirmação de que sempre devemos recordar que o Deus a quem oramos é um Deus de amor, que está mais disposto a nos ouvir do que nós a orar. Não é necessário extrair pela força os dons de sua graça. Não nos chegamos até um Deus que precisa ser coagido a nos dar o que lhe pedimos. Vamos a alguém cujo principal desejo é dar. Quando lembramos disso, é suficiente que ao orar nosso coração exale o suspiro do desejo, e que nossos lábios pronunciem as palavras "Seja feita a Tua vontade."