Estudo sobre Mateus 6:11

Estudo sobre Mateus 6:11

Estudo sobre Mateus 6:11
Poderia pensar-se que esta é a petição do Pai Nosso sobre cujo significado não haverá dúvida alguma. Aparentemente é a mais simples e direta de todas. Mas a realidade é que distintos intérpretes ofereceram diversas interpretações destas palavras. Antes de pensar em seu significado mais direto e evidente examinemos algumas das outras explicações propostas.

(1) O pão foi identificado com o pão da Santa Ceia. Desde época muito antiga a oração de Jesus esteve intimamente ligada com a Ceia. Nas primeiros ordens de culto que possuímos se estabelece que o Pai Nosso deve orar-se durante a celebração da Santa Ceia, e alguns interpretaram que esta petição indica o desejo do crente de desfrutar quotidianamente do privilégio que significa participar da comunhão, e de receber o pão espiritual que ali nos é oferecido.

(2) O pão foi identificado com o alimento espiritual da Palavra de Deus. Às vezes alguns cristãos cantam um hino que diz:

Parte o pão de vida,
dêem-me isso Senhor,
tal como partiste o pão junto ao mar,
Por trás da página santa,
busco a ti, Senhor,
meu espírito te deseja,
Ó palavra viva.

De maneira que esta petição foi interpretada como uma petição pelo ensino correto, a verdadeira doutrina, a verdade essencial que estão nas Escrituras, a Palavra de Deus, e que são autenticamente pão para a mente, o coração e a alma do homem.

(3) Interpretou-se que o "pão" representa ao próprio Jesus Cristo. Jesus se denominou a si mesmo o pão de vida (João 6:33-35), e a petição que roga pelo pão seria, então, o pedido de que diariamente possamos nos alimentar de Jesus, que é o pão vivo. Esta petição, pois, foi interpretada como uma oração para que Jesus Cristo, o pão de vida, alegre e fortaleça nossas almas.

(4) Interpretou-se esta petição em um sentido puramente judeu. O pão seria, neste caso, o pão do reino dos céus. Lucas nos narra como um dos que viram passar a Jesus disse: "Bem-aventurado aquele que comer pão no reino de Deus" (Lucas 14:15). Os judeus tinham uma ideia muito estranha mas bem vívida. Sustentavam que quando viesse o Messias, e quando a idade dourada descesse sobre a Terra, haveria o que eles denominavam o Banquete Messiânico, no qual se sentariam a comer os escolhidos de Deus. Os corpos destroçados dos monstros Beemote e Leviatã seriam o primeiro prato desse banquete. Seria como uma espécie de comilança de inauguração oferecida por Deus a seu povo. Segundo este conceito, a petição que estamos estudando seria a de um lugar no Banquete Messiânico final que se ofereceria ao povo de Deus.

Embora não estamos obrigados a estar de acordo com nenhuma destas interpretações como expressão do único significado da petição, tampouco é necessário rechaçá-las ou considerá-las equivocadas. Todas possuem alguma medida de verdade, e são de algum modo pertinentes.

A dificuldade na interpretação aumenta quando consultando os especialistas percebemos que o significado da palavra grega epiousios (que em uma versões se traduz "cada dia" e em outras "cotidiano") dista muito de possuir um significado unívoco. O fato fora do comum é que, até há pouco tempo, a palavra não aparecia em nenhum dos textos gregos conhecidos.

Orígenes, um teólogo cristão do século III, conhecia este fato, e em sua opinião Mateus teria inventado a palavra. Portanto era impossível saber exatamente o que significava. Mas faz alguns anos descobriu-se um fragmento de papiro, no qual aparecia a palavra. O papiro era uma lista de compras de um dona-de-casa. Junto a um dos termos dessa lista estava a palavra epiousios. A nota tinha o objeto de fazê-la lembrar a necessidade de comprar um alimento em particular para esse mesmo dia. De modo que este é o significado, muito simples, da petição:

"Dê-me as coisas que necessitamos para comer hoje. Ajude-me a conseguir o que necessito quando for hoje ao mercado. Dê-me as coisas que necessitamos para comer quando os meninos voltem da escola e os homens voltem do trabalho. Faça com que nossa mesa não esteja vazia quando nos sentarmos hoje ao redor dela."

É uma oração muito singela, para que Deus nos supra das coisas que necessitamos cada dia de nossa vida.

Quando advertimos que esta petição é simplesmente um rogo pelas necessidades materiais cotidianas, desprendem-se dela certas verdades de tremenda magnitude.

(1) Diz-nos que Deus tem interesse em nosso corpo. Jesus nos mostrou isso; dedicou muito de seu tempo à cura das enfermidades físicas dos homens de seu tempo, e satisfez a fome física de seus seguidores, em várias oportunidades. Preocupou-se quando uma quantidade considerável de pessoas tinha saído a ouvi-lo pregar em um lugar solitário, e tendo estado todo o dia com Ele não tinham nada para comer e seus lares estavam distantes. Faz-nos bem recordar que Deus está interessado em nosso corpo. Qualquer ensino que despreze, diminua ou denigra o corpo é mau. Podemos nos dar conta da importância que Deus dá ao corpo, além disso, quando pensamos que Jesus Cristo, seu Filho, teve um corpo como o nosso. O cristianismo tem como meta não somente a salvação da alma, mas também a salvação do homem inteiro: corpo, mente e espírito.

(2) Esta petição nos ensina a orar por nosso pão do dia presente. Ensina-nos a viver dia a dia, e não estar ansiosos pelo futuro distante e desconhecido. Quando Jesus ensinou a seus discípulos a orar nos termos desta petição, não cabe dúvida de que sua mente evocava a situação dos judeus no deserto, durante o êxodo, quando diariamente recebiam o maná (Êxodo 16:1-21).

Os filhos de Israel morriam de fome no deserto e Deus lhes enviou o maná, o pão do céu; mas ao mesmo tempo lhes impôs uma condição – somente recolheriam o que necessitavam para satisfazer suas necessidades mais imediatas. Se procuravam juntar mais do que o necessário, e guardá-lo, decompunha-se e deviam jogar fora. Deviam satisfazer-se com o que necessitavam dia a dia. Como disse um rabino: "Cada dia a porção do dia, porque o Criador do dia também tinha criado o sustento de cada dia." E outro rabino declara: “Quem tem para comer hoje e se pergunta ‘o que comerei amanhã?’, é um homem de pouca fé.”

Esta petição nos ensina a viver dia a dia. Proíbe a preocupação ansiosa que é tão característica da vida que não aprendeu a confiar em Deus.

(3) Por implicação, esta cláusula do Pai Nosso dá a Deus o lugar que lhe corresponde. Admite que de Deus é de quem recebemos o alimento necessário para manter a vida. Ninguém jamais conseguiu criar uma semente e fazê-la crescer. O cientista pode analisar a semente em suas partes constituintes, mas nenhuma semente sintética conseguirá germinar jamais. Todas as coisas vivas provêm de Deus. O alimento que consumimos é um dom direto de Deus.

(4) Esta petição nos recorda, de maneira extremamente sábia, como opera a oração. Se alguém proferisse esta oração, e depois ficasse sentado esperando que o pão lhe caísse do céu, certamente morreria de fome. A oração e o trabalho devem ir de mãos dadas, que quando oramos devemos nos pôr a trabalhar para que nossas orações se tornem realidade. É certo que a semente viva é um dom de Deus, mas também o é que o homem deve semeá-la e cultivá-la.

Dick Sheppard contava freqüentemente certa história, muito cara a seu coração. Havia um homem que tinha um campo. Com enorme trabalho, havia limpado as pedras de uma parcela desse campo, e a tinha limpo de sujeiras, até que, semeando e cuidando a terra, conseguiu ter um belo jardim e um pomar. Um amigo dele, pessoa piedosa em extremo, disse-lhe um dia: "É maravilhoso o que Deus pode fazer em uma parcela de terra como esta, não é certo?" "Sim", disse o homem que tinha trabalhado tanto, "mas teria que ter visto esta parcela quando Deus fazia o trabalho sozinho."

A generosidade de Deus e o trabalho humano devem combinar-se. Quando dizemos as palavras desta petição estamos reconhecendo duas verdades fundamentais: que sem Deus não podemos fazer nada, e que sem nosso esforço e cooperação Deus não pode fazer nada por nós.

(5) Deve notar-se que Jesus não nos ensina a dizer "o pão meu de cada dia me dá hoje". Nossa oração deve ser: "o pão nosso de cada dia nos dá hoje." O problema do mundo não é que não haja suficiente para que alcance para todos; há bastante e de sobra.

Nos Estados Unidos os celeiros transbordam de cereais. No Brasil se queimava café nas locomotivas, quando não se sabia o que fazer com os excedentes. O problema não é a produção do essencial para a vida, a mas a sua distribuição.

Esta oração nos ensina a não ser egoístas em nossas orações. É uma oração que nós podemos cumprir em parte, colaborando com Deus, compartilhando o que nos sobra com aqueles que não têm. Esta oração não somente roga por que nós recebamos o que nos é necessário diariamente; também roga que sejamos capazes de compartilhar com outros o que recebemos.