Teologia do Livro de Rute

Teologia do Livro de Rute

Teologia do Livro de Rute

R. K. Harrison (2008)

O princípio teológico subjacente ao livro de Rute é o desenrolar do propósito soberano de Deus por meio de instrumentos humanos.1 Isso é feito de modo diferente de outros livros do Antigo Testamento, em que Yahweh intervém mais abertamente por meio de sonhos, declarações proféticas, aparições ou atos milagrosos. O paralelo mais notável é o livro de Ester, em que o nome de Deus sequer é mencionado.

Em Rute, a soberania de Yahweh é ressaltada por sua presença nas duas breves orações contidas no capítulo 2, nas quais Boaz expressa o desfecho do livro em relação a Rute, reivindicando-o de Yahweh (2.12), e Noemi o faz em relação a Boaz (2.20). Outros episódios que sugerem a soberania de Yahweh são a morte dos filhos de Noemi, que fornecem a Rute a oportunidade de conhecer pessoalmente Yahweh como o seu Deus, a menção da casualidade humana do encontro de Rute e Boaz, um notável artifício literário do autor, destinado a produzir no leitor a sensação inversa, causalidade divina, e a reversão da sorte de Noemi e Rute, da viuvez e esterilidade em Moabe para a vida em família e a concepção (1.4, 5 e 4.13-15).

Em Rute, Yahweh intervém soberanamente para levar adiante a promessa feita a Abraão, a saber, de lhe constituir uma numerosa descendência (Gn 12.2), promessa que foi ampliada na bênção de Jacó a Judá, de cuja família viria o cetro sobre Israel (Gn 49.10). A genealogia no final do livro sutilmente liga as alianças abraâmica e davídica como a indicar que Yahweh soberanamente interveio aqui como no caso de Judá e Tamar, de cuja união surgiu a mais importante família em Israel.

Yahweh é Misericordioso

Constable sugeriu de modo sucinto que o livro de Rute mostra a preferência divina de trabalhar em indivíduos e por meio deles, os quais outras pessoas considerariam material improvável.2 Rute é a epítome dessa situação, pois, além de mulher, é viúva, não tem filhos e é moabita! Estava assim excluída da participação na aliança, segundo a lei de Moisés, e sem quaisquer perspectivas humanas, como a própria Noemi quis fazê-la perceber. A experiência de Rute demonstra que Yahweh sempre esteve disposto a receber quem se achegasse em fé evidenciada por compromisso, a despeito de sua origem étnica ou religiosa. Quem se aproxima de Yahweh como crente, nEle encontrará aceitação e realização.

A misericórdia de Yahweh demonstra-se no conceito de redenção, pelo qual os carentes e desprotegidos vinham a desfrutar os recursos e a proteção de um parente, alguém que tivesse amor ao próximo e lealdade à aliança suficientes para motivá-lo a uma ação resgatadora. A esse parente dava-se o nome de גּוֹאֵל [̣́gôʾēl], (“resgatador”), e a atividade de Boaz, no livro de Rute, ilustra a extensão da divina redenção (ou resgate) àqueles que, como Rute, “que outrora não [eram] povo, e agora [são] povo de Deus” (1 Pe 2.10).


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Notas
[1] W. S. Prinsloo, “The Theology of the Book of Ruth”, Vetus Testamentum 30 (1980):330-41.
[2] Constable, “Theology of Joshua, Judges and Ruth”, p. 111.