Estudo sobre Mateus 6:25-34

Estudo sobre Mateus 6:25-34
Estudo sobre Mateus 6:25-34

Devemos começar nosso estudo desta passagem nos assegurando de que entendemos o que é o que Jesus proíbe e o que autoriza. O que Jesus proíbe não é a prudência que prevê o futuro a fim de tomar medidas necessárias para responder, oportunamente, a suas demandas. Proíbe o afã, o angustiar-se pelo manhã antes de saber o que nos trará o manhã. Jesus não recomenda uma atitude displicente, que não faz provisão para o futuro nem reflete sobre o que o futuro pode significar concretamente em termos de exigências e possibilidades. Proíbe, sim, o temor ansioso, doentio, que é capaz de eliminar toda possibilidade de alegria da vida.

No original grego se usa o termo merimnan, que significa preocupar-se ansiosamente. Em uma carta que se encontrou escrita em um papiro, a esposa diz a seu marido, que está viajando: "Não posso dormir nem de noite nem de dia, ansiosa (merimnan) como estou por seu bem-estar". Em outra carta, a mãe, ao inteirar-se da boa saúde e prosperidade de seu filho, responde-lhe: "Tal é minha oração e ansiedade (merimnan) todo o tempo."

Anacréon, o poeta, escreveu: "Quando bebo vinho, minhas preocupações dormem." Em grego, a palavra merimnan denota ansiedade, preocupação, afã.

Os judeus conheciam perfeitamente esta atitude frente à vida. O ensino dos grandes rabinos era que a atitude de todo crente para com a vida devia estar constituída principalmente por uma combinação de prudência e serenidade. Insistiam, por exemplo, em que todo homem devia ensinar um ofício a seus filhos homens, porque, conforme afirmavam, não lhes ensinar um ofício significava ensiná-los a roubar. Quer dizer, acreditavam que era necessário dar todos os passos recomendáveis para um desempenho prudente na vida. Mas, ao mesmo tempo, diziam: "Aquele que tem um pão em sua cesta e diz: 'O que comerei amanhã?' é um homem de pouca fé."

A lição de Jesus era bem conhecida por seus concidadãos que se deve combinar a prudência, a antecipação e a serenidade em nossa atitude diante da vida.

Nestes dez versículos Jesus apresenta sete argumentos contra a ansiedade.

(1) Começa assinalando (v. 25) que Deus nos deu a vida, e que se tal foi a magnitude de seu dom, bem podemos confiar nEle com respeito às coisas menores. Se Deus nos deu a vida, certamente também nos dará o alimento que necessitamos para seu sustento. Se nos deu corpos, certamente podemos confiar que terá que nos dar também roupa para que os cubramos e abriguemos. Se alguém nos der um dom que não tem preço, podemos confiar que sua generosidade será sempre magnânima, que não será mesquinho nem surdo ante nossa necessidade. Portanto, o primeiro argumento é que se Deus nos deu a vida, podemos confiar em que nos dará todas as coisas que necessitamos para sustentá-la.

(2) Jesus prossegue falando das aves (v. 26). Sua vida está desprovida de preocupação. Nunca armazenam o que podem chegar a necessitar em um futuro imprevisível; e entretanto seguem vivendo.
Mais de um rabino se sentiu fascinado ante o modo de vida dos animais. O Rabino Simeão disse:

"Jamais em minha vida vi um cervo que tirasse figos, nem um leão que transportasse cargas, nem uma raposa que fosse comerciante, e entretanto todos eles se alimentam, sem afã algum. Se eles, que foram criados para me servir, vivem sem preocupações, quanto mais eu, que fui criado para servir a meu Criador, deveria viver sem trabalhar em excesso por meu alimento; mas eu corrompi minha vida, e desse modo, prejudiquei minha substância."

Jesus não quer dar ênfase ao fato de que as aves não trabalham; tem-se dito que provavelmente o pardal seja um dos seres viventes que mais trabalha para comer; no que insiste é em que estão desprovidos de afã. Não se poderia encontrar nos animais esse afã do homem por vigiar um futuro que não pode ver; nem tampouco é característico deles acumular bens a fim de desfrutar de uma certa segurança para o futuro.

(3) No versículo 27 Jesus prossegue demonstrando que, de todos os modos, a preocupação é inútil. Este versículo pode interpretar-se de duas maneiras distintas. Pode significar que ninguém, por mais que se preocupe, pode aumentar de estatura. Mas a medida que Jesus usa como exemplo equivale a uns quarenta centímetros, e nenhum homem, por mais baixo que seja, quereria acrescentar quarenta centímetros à sua estatura. Também pode significar, por outro lado, que por mais que nos preocupemos não podemos acrescentar nem um dia à nossa vida, e este significado é mais provável. De todos os modos, o que Jesus quer dizer é que a preocupação é inútil.

(4) Jesus prossegue referindo-se às flores (vs. 28-30). Fala delas do modo como o faria alguém capaz das amar.

Os lírios do campo a que faz referência são provavelmente as papoulas e as anêmonas. Floresciam silvestres, durante um só dia, nas serranias da Palestina. E entretanto, durante tão breve vida estavam vestidas de uma beleza que ultrapassava a dos mantos reais. Quando morriam, não serviam para outra coisa que para ser queimadas. O forno que se usava nos lares palestinenses era feito de barro. Era uma espécie de cubo de barro que se colocava sobre o fogo. Quando se desejava elevar a temperatura desses fornos de modo rápido, adicionavam-se ao fogo molhos de ervas e flores silvestres secas e uma vez acesos eram postos dentro do forno. As flores do campo viviam um só dia, e depois somente serviam para ser queimadas e ajudar à mulher que queria assar algo e tinha pressa. E entretanto, Jesus as vestia de uma beleza que o homem, em seus melhores intentos, nem sequer pode imitar. Se Deus outorgar tanta beleza a uma flor, que somente viverá umas poucas horas, quanto mais fará a favor do homem? Certamente uma generosidade que é tão pródiga com uma flor de um dia, não deve esquecer do homem, que é a coroa de toda a criação.

(5) Jesus segue propondo um argumento fundamental contra a ansiedade. A ansiedade, diz Ele, é característica dos pagãos e não de quem conhece a Deus tal qual Ele é (v. 32). A ansiedade é essencialmente desconfiança com respeito a Deus. Tal desconfiança é compreensível em um pagão, que acredita em deuses egoístas, caprichosos e imprevisíveis, porém não se pode aceitar nos que aprenderam a chamar a Deus com o nome de Pai. O cristão não pode trabalhar em excesso porque aprendeu a acreditar no amor de Deus.

(6) Jesus prossegue sugerindo dois modos de derrotar a ansiedade. O primeiro é concentrar-se acima de tudo na busca do Reino de Deus. Já vimos que procurar o Reino de Deus e fazer a vontade de Deus são a mesma coisa (Mateus 6:10). A aceitação da vontade divina, e o propósito de pô-la em ação em nossas vidas, é a primeira maneira de derrotar a preocupação. Sabemos muito bem, por nossa própria experiência, como um grande amor pode eliminar de nossa mente qualquer outro interesse e preocupação. Tal amor pode ser capaz de inspirar o trabalho, intensificar o estudo, purificar a vida, dominar a totalidade do ser. A convicção de Jesus é que quando Deus se torna o poder dominante de nossas vidas desaparece toda ansiedade.

(7) Por último, Jesus afirma que a preocupação pode ser derrotada, aprendendo a arte de viver um dia de cada vez (V. 34). Os judeus tinham um dito que afirmava: "Não se preocupe com os males de amanhã, porque você não sabe o que lhe pode trazer no dia de hoje. Amanhã talvez você não esteja vivo, e então você terá ficado preocupado pelos males de um mundo que não lhe pertencerá."

Se vivermos cada dia tal como se nos apresenta, se cumprirmos cada tarefa quando é o momento de fazê-lo, a soma de nossos dias será necessariamente boa. A recomendação de Jesus é que deveríamos enfrentar cada dia segundo suas próprias exigências, sem preocupar-se com um futuro que não somos capazes de prever e por coisas que provavelmente nem sequer aconteçam.

Vejamos, agora, se podemos sistematizar os argumentos de Jesus contra a ansiedade.

(1) A ansiedade é desnecessária, inútil e até nociva. Não pode afetar o passado, porque ninguém pode modificar o que ficou para trás. Omar Khayám tinha razão quando escreveu:

"O dedo que se move escreve e, tendo escrito, continua escrevendo; nem toda a sua piedade e imaginação seriam incapazes de convencê-lo a apagar sequer uma linha. Nem todas as suas lágrimas serão capazes de apagar sequer uma palavra."

O passado passou. Isto não quer dizer que alguém deva desentender-se de seu passado, mas sim que deveria usá-lo como incentivo e guia para agir melhor no futuro, e não como objeto de uma ansiedade em que se atrasa até ficar totalmente imóvel e incapaz de agir. Do mesmo modo, é inútil trabalhar em excesso pelo futuro.

Alistair MacLean, em um de seus sermões, conta uma história que tinha lido. O herói era um médico londrino. "Tinha ficado paralítico, e não podia levantar-se da cama, mas todo o tempo o via alegre, e sua alegria era quase ofensiva. Seu sorriso era tão valente e radiante que todos esqueciam de compadecer-se dele. Seus filhos o adoravam, e quando um deles estava por abandonar o ninho e lançar-se à aventura da vida, o doutor Greatheart ("coração grande") deu-lhe a seguinte recomendação: "Johnny", disse-lhe, "o que deve fazer é manter-se a si mesmo firme em suas obrigações e objetivos, e fazê-lo como um cavalheiro. E lembre, por favor, que a maioria dos problemas que terá que enfrentar são os que jamais se apresentam."

Trabalhar em excesso pelo futuro é um esforço inútil, e o futuro real nunca é tão desastroso como o futuro de nossos temores.

Mas a ansiedade é pior que inútil; muito freqüentemente é direta e ativamente daninha. As duas enfermidades típicas da vida moderna são a úlcera no estômago e a trombose coronária, e em muitos casos ambas procedem da excessiva preocupação. É um fato comprovado pela medicina que aqueles que riem mais, vivem mais. A ansiedade, que desgasta a mente, também desgasta o corpo, junto com ela. Afeta a capacidade de julgamento do homem, diminui seu poder de decisão e o torna progressivamente cada dia mais incapaz de enfrentar a vida. Que cada qual enfrente o melhor que possa cada situação – não pode fazer mais que isso – e deixe o resto a Deus.

(2) A ansiedade é cega. Nega-se a aprender a lição que lhe oferece a natureza. Jesus nos pede que olhemos às aves, toda a maravilhosa abundância e riqueza que respalda a natureza, e que confiemos no amor que nos fala através dessa riqueza. A ansiedade se nega a aprender a lição que a História lhe oferece.

Um salmista se alegrava recordando os acontecimentos da história de seu povo. "Deus meu", exclama, “Sinto abatida dentro de mim a minha alma”, e prossegue dizendo: “Lembro-me, portanto, de ti, nas terras do Jordão, e no monte Hermom, e no outeiro de Mizar.” (Salmo 42:5, 6, cf. com Deuteronômio 3:9). Quando tudo se fazia insuportável ele recebia conforto com a memória do que Deus tinha feito. O homem que alimenta seu coração com a história do que Deus tem feito no passado, nunca temerá pelo futuro. A ansiedade se nega a aprender a lição que a vida lhe ensina. Seguimos vivendo, e ainda não temos a soga ao pescoço; e entretanto, se alguém nos dissesse alguma vez que teríamos que passar os maus momentos que passamos, e superado, nós lhe diríamos que seria impossível. A lição da vida é que, de algum jeito, fomos capacitados para suportar o insuportável, e para ir mais à frente do ponto de fratura, sem nos fraturar. A lição da vida é que a ansiedade é desnecessária.

(3) A ansiedade é uma atitude essencialmente irreligiosa. Não é conseqüência de circunstâncias exteriores. Em uma mesma situação um pode sentir-se totalmente sereno e outro, em troca, morrer de preocupação. Tanto a preocupação como a paz provêm, não das circunstâncias exteriores, mas sim do coração.

Alistair MacLean cita uma história de Tolero, o místico alemão. Um dia Tolero se encontrou com um mendigo. "Deus lhe dê um bom dia, amigo", disse-lhe. "Dou graças a Deus porque todos os meus dias foram bons", respondeu-lhe o mendigo; "nunca fui infeliz." Surpreso, Tolero lhe perguntou: "O que você quer dizer?" "Quando faz bom tempo", disse o pobre homem, "dou graças a Deus; quando chove, dou graças a Deus; quando tenho abundância, dou graças a Deus. E dou graças a Deus quando passo fome. E desde que a vontade de Deus é minha vontade, e tudo o que agrada a Deus, agrada a mim também, por que teria que dizer que sou infeliz, quando em realidade não o sou?" Surpreso, Tolero voltou a lhe perguntar: "Quem é você?" E o mendigo lhe respondeu: "Sou um rei." "Onde está seu reino?", perguntou Tolero. E o mendigo lhe respondeu, muito tranqüilo: "Em meu coração."

Isaías já o havia dito, muito tempo antes: "Tu, SENHOR, conservarás em perfeita paz aquele cujo propósito é firme; porque ele confia em ti" (Isaías 26:3). Como sustentava aquela mulher nórdica da história: "Sempre sou feliz, e meu segredo é navegar sempre pelos mares, mas deixar sempre meu coração no porto."

É possível que haja pecados piores que a ansiedade, mas certamente nenhum é tão prejudicial, nenhum tão paralisante. "Não pensem no manhã com ansiedade", é o mandamento de Jesus, e este é o caminho que há que nos levar não somente à paz, mas também ao poder.