Estudo sobre Mateus 7:1-5

Estudo sobre Mateus 7:1-5
Estudo sobre Mateus 7:1-5

Quando Jesus fala deste modo, como o faz com tanta freqüência no Sermão da Montanha, usa palavras e conceitos bem conhecidos pelos judeus de sua época. Muitas vezes os rabinos advertiam a seus ouvintes sobre o engano de julgar a outros. "Aquele que julga favoravelmente a seu próximo", diziam, "será julgado favoravelmente por Deus." Sustentavam que havia seis grandes boas obras que beneficiavam ao crente nesta vida e eram proveitosas até na vida vindoura – estudar, visitar os doentes, praticar a hospitalidade, orar devotamente, educar aos filhos na Lei, e pensar o melhor com respeito ao próximo. Os judeus sabiam também que a bondade no julgamento não é menos que uma obrigação sagrada.

É possível se pensar que este mandamento é fácil de obedecer, mas a história está infestada dos mais extraordinários enganos de julgamento. Houve tantos casos de julgamentos equivocados que se acreditaria que os homens deveriam aprender a abster-se totalmente de julgar a outros. Assim aconteceu na literatura.

Na Edinburgh Review do mês de novembro de 1814, Lorde Jeffrey escreveu um comentário sobre um poema que acabava de publicar Nordsworth, e que posteriormente se tornou famoso com o título de "A excursão". E em seu julgamento crítico, dizia o comentarista: "Esta obra não vale nada."

Ao comentar a publicação do famoso Endimión, de Keats, o periódico The Quarterly afirmava, de modo parcimonioso: "Há no poema algumas chispadas de talento que mereceriam melhor uso."
Em repetidas ocasiões artistas que, posteriormente, chegariam a ser famosos, foram rechaçados por serem considerados inúteis. Em suas memórias Gilbert Frankau recorda como, na época vitoriana, a casa de sua mãe era uma reunião onde se encontravam as pessoas mais brilhantes da época. Sua mãe tomava provisões para entreter aos hóspedes com alguma expressão artística. Em certa oportunidade, convidou-se a uma jovem cantor australiana. Depois de ouvi-la, a senhora Frankau declarou: "Que voz atroz! Ela deveria ser amordaçada e não ser permitida cantar o resto de sua vida." A cantora era Nellie Melba, uma das mais famosas sopranos de ópera, poucos anos depois.

Gilbert Frankau, que era produtor de teatro, estava montando uma obra e pediu a uma agência de atores que lhe mandasse candidatos jovens para o papel principal. Chegou um ator, enviado pela agência, e Frankau o provou. Imediatamente depois de ouvi-lo, telefonou aos diretores da agência, e lhes disse: "Não serve, e nunca servirá. É melhor que o aconselhem a buscar outra profissão, se não quiser morrer de fome." O nome do moço era Ronald Colman, que se converteria num dos mais famosos atores de cinema que jamais tenha havido.

Muitas vezes somos culpados de sérios enganos de julgamento.

Collie Knox conta o que ocorreu a ele e a um amigo. Ele tinha sofrido um acidente aéreo enquanto cumpria uma missão como piloto do Royal Flying Corps, durante a II Guerra Mundial. Seu amigo, naquele mesmo dia, tinha sido condecorado pela Rainha no palácio de Buckingham, por sua valentia em combate. Depois das cerimônias mudaram de roupa, e agora vestidos como civis estavam jantando em um famoso restaurante de Londres. Enquanto o faziam se aproximou uma jovem que pôs nas mãos de cada um destes dois heróis uma pena branca, que era sinal de desprezo pela covardia de quem não colaborava no esforço de guerra do Reino Unido.

Dificilmente haja alguém que não seja culpado de ter cometido sérios erros de julgamento. Dificilmente haja alguém que não tenha sofrido algum engano de julgamento com respeito a si mesmo por parte de outros. E entretanto, o estranho é que dificilmente haja um mandamento de Jesus que seja mais freqüentemente desobedecido que este, no qual se nos proíbe julgar a outros.

Há três grandes razões que nos fazem incapazes de julgar a outros.

(1) Nunca conhecemos todos os fatos nem a totalidade da pessoa que julgamos. Faz muito, o famoso rabino Hillel disse: "Não julguem a ninguém até não ter conhecido a sua situação e circunstâncias." Ninguém conhece a força das tentações que outros devem suportar. O homem de temperamento plácido não conhece a tentação daqueles a quem ferve o sangue e se inflamam de paixão ante o menor motivo. O homem que foi bem educado, em um lar decente, não conhece as tentações de quem se criou em um tugúrio, ou em um lugar onde o mal caminha pela rua cotidianamente. Quem tem a bênção de pais cristãos não conhece as tentações de quem leva sobre si a tara de uma herança pecaminosa. O fato é que se fôssemos capazes de conhecer todas as circunstâncias, ficaríamos surpresos de que tantas pessoas tenham podido ser tão boas, apesar do que tiveram que suportar.

Tampouco conhecemos a totalidade da pessoa. Em determinada situação, alguém pode ser terrivelmente insuportável, mas em outras ocasiões poderá constituir-se em uma torre de poder espiritual e beleza.

Em uma de suas novelas Mark Rutherford conta a história de um homem que se casou pela segunda vez. Sua esposa também tinha estado casada antes, e tinha, de seu primeiro casamento, uma filha adolescente. Esta menina era bastante insuportável, por seu caráter ressentido e sua atitude agressiva. O pobre homem não pôde tirar nada a limpo de sua enteada. Então, inesperadamente, a mãe da moça caiu doente. Imediatamente a filha se transformou. Sem que ninguém tivesse necessidade de dizer-lhe converteu-se na enfermeira ideal, em um autêntico exemplo de devoção e infatigável serviço. Seu habitual silêncio se iluminou com um repentino brilho, e apareceu nela outra pessoa que ninguém teria pensado que jamais podia ocultar-se nela.

Há um tipo de cristal que se chama "pedra do Lavrador". À primeira vista é uma pedra opaca, feia, que não chamaria a atenção de ninguém, mas se lhe damos volta, repentinamente, em certa posição, vista de certo modo, estala um brilho muito bonito. Há muitas pessoas que são como esta pedra. Pareceriam ser difíceis de amar, mas é porque não as conhecemos na totalidade de suas facetas.

Todos têm algo bom. Nossa responsabilidade não é julgar e condenar a outros, atendo-nos ao conhecimento superficial que temos deles, mas sim a procurar a beleza oculta que nos fará amá-los. Isso é o que esperaríamos de outros com respeito a nós e é o modo em que devemos agir com respeito a outros.

(2) É quase impossível julgar de maneira absolutamente imparcial. Uma e outra vez somos arrastados e desviados por nossas reações instintivas, não raciocinadas, frente a outros. Nossos julgamentos não obedecem ao julgamento mas apenas a uma reação totalmente irrazoável e ilógica. Diz-se que às vezes, entre os gregos, quando se julgava a alguém por alguma causa muito delicada, o julgamento se realizava às escuras, para que os juízes não pudessem ver o culpado e assim não ser influídos por outra coisa que os fatos do caso.

Em um de seus ensaios, Montaigne conta uma aguda e amarga história: Havia um juiz persa que tinha dado um veredicto injusto, tendo recebido suborno para isso. Quando Cambises, o rei, descobriu o que tinha ocorrido, deu ordem de que o juiz fosse executado. Depois da execução mandou que lhe tirassem a pele e com ela atapetou a poltrona em que os juízes se sentavam para emitir seus veredictos, como macabro aviso do caráter da justiça que não se vende. Somente uma pessoa completamente imparcial tem direito de julgar a outros. Mas não está na natureza humana o ser totalmente imparcial. Somente Deus pode nos julgar.

(3) Mas Jesus é quem deu expressão à principal das razões que nos impedem de julgar a outros. Ninguém é o suficientemente bom para julgar a outros. Jesus desenhou a imagem muito clara do homem que tem uma trave em seu olho e busca tirar o argueiro que há no olho de seu próximo. O cômico desta situação provocará nossa risada, e isto será suficiente para que aprendamos a lição. Somente o que é irrepreensível tem direito de procurar faltas em outros. Ninguém tem o direito de criticar a outro se não está disposto a, pelo menos, tentar que suas ações sejam melhores que as do outro, a quem critica. Todos os domingos os estádios de futebol estão cheios de pessoas que são críticos azedos dos enganos que os jogadores cometem, mas que ficariam em ridículo se eles mesmos descessem ao campo de jogo e tivessem que dirigir a bola.

Toda igreja e toda organização de qualquer tipo está cheia de pessoas que estão preparadas para criticar os que dirigem o grupo, mas jamais sonhariam em assumir eles mesmos responsabilidades diretivas. O mundo está infestado de pessoas que reclamam o direito de julgar a outros mas se abstêm de toda ação positiva. Ninguém tem o direito de criticar a outros a menos que esteja disposto a encontrar-se na mesma situação. Ninguém é o suficientemente bom para criticar a seu próximo.

Temos muito que fazer para retificar nossas próprias vidas para que tratemos de retificar as de outros. Seria conveniente nos concentrarmos em nossas próprias faltas, e deixar as faltas de outros ao juízo de Deus. É fácil dar-se conta do significado transitivo deste texto; mas nós devemos tentar ver também seu significado permanente.