Estudo sobre Mateus 9:32-34

Estudo sobre Mateus 9:32-34
Estudo sobre Mateus 9:32-34

Poucas passagens mostram de maneira tão clara como esta a impossibilidade de uma atitude neutra para com Jesus Cristo. Temos aqui o quadro de duas formas de reagir frente a Jesus. A atitude da multidão era de surpresa e admiração. A atitude dos fariseus era de violento ódio. Segue sendo certo que o que o olho vê depende do que o coração sente. Os sentimentos que se aninham no coração humano podem colorir tudo o que seus olhos vêem.

A multidão via a Jesus maravilhada porque estava composta por pessoas muito simples, com um urgente sentido de sua necessidade; e também viam que em Jesus sua necessidade podia ser satisfeita da maneira mais extraordinária. Jesus sempre parecerá um ser extraordinário ao homem que é consciente de sua necessidade; e quanto mais profunda for essa consciência da própria necessidade, mais maravilhoso parecerá Jesus.

Os fariseus viam a Jesus como um aliado de todos os poderes do mal. Não negavam seus poderes maravilhosos, mas os atribuíam ao fato de que, segundo eles, estava em aliança com o príncipe dos demônios. E este veredicto dos fariseus se devia a certas atitudes mentais próprias dos homens de seu tipo.

(1) Estavam muito empedernidos em sua maneira de ser para aceitar a mudança. Como já vimos, para eles não se podia acrescentar nem tirar uma só palavra da Lei. Para eles tudo o que tinha importância pertencia ao passado. Para eles, mudar uma tradição, ou uma convenção, era um pecado mortal. Tudo o que era novo estava mal. E quando apareceu Jesus com uma nova interpretação do significado da fé, odiaram-no como tinham odiado aos profetas, no passado.

(2) Estavam muito satisfeitos consigo mesmos, e muito orgulhosos do que eram para render-se ante Jesus. Se Jesus tinha razão, eles estavam equivocados. Jesus não pode fazer nada com um homem até que este não lhe renda sua vontade e sua vida inteira. Os fariseus estavam tão contentes consigo mesmos, que não viam a necessidade de mudar, e odiavam a qualquer um que se propunha mudá-los. O arrependimento é a porta de entrada do Reino, e arrepender-se significa reconhecer o engano em que alguém viveu e dar-se conta de que somente em Jesus Cristo há vida, render-se a Ele, à sua vontade e ao seu poder, as únicas coisas capazes de nos transformar.

(3) Tinham muitos preconceitos para poder ver. Seus olhos estavam tão cegados com suas próprias idéias e preconceitos que não podiam ver em Jesus Cristo a operação da verdade e o poder de Deus.
O homem que é consciente de sua necessidade sempre verá maravilhas em Jesus Cristo. O homem que se fez teimoso em seu modo de ser e viver, e não está disposto a aceitar mudança alguma, o homem tão orgulhoso de sua própria justiça para poder submeter-se à vontade de outro, o homem tão cegado por seus preconceitos que já não é capaz de ver, sempre experimentará ódio frente a Jesus e procurará a forma de eliminá-lo.

Aqui, em uma só oração, encontramos uma descrição das três áreas em que consistia a essência da vida de Jesus.

(1) Jesus era um arauto. O arauto é o homem que leva uma mensagem de parte do rei. Jesus trazia uma mensagem de parte de Deus. O dever do arauto é proclamar certezas. A pregação sempre deve ser a proclamação de certezas. Nenhuma igreja pode estar composta de pessoas que acreditam, por assim dizer, por poder. Não apenas o pregador deve estar seguro do que crê a igreja, mas também deve está-lo a congregação. Nunca houve um momento em que esta certeza tenha sido tão necessária como hoje em dia.

Geoffrey Heawood, diretor de uma grande escola pública inglesa, escreveu que a grande tragédia e o problema de nosso tempo é que nos encontramos em uma encruzilhada da qual desapareceram os letreiros indicadores.

Beverly Nichols escreveu um livro composto integralmente com entrevistas com pessoas famosas. Um dos entrevistados foi Hillaire Belloc, um famoso intelectual católico inglês. Depois da entrevista Nichols escreveu: "Senti lástima pelo senhor Belloc, porque me pareceu que pelo menos uma parte de sua lealdade estava dedicada a uma causa que não valia a pena; mas mais lástima senti por mim mesmo e por minha geração, porque sabia que não "tínhamos lealdade alguma que dedicar a qualquer causa que fosse."

Vivemos em uma época de incertezas, uma época em que não se está seguro de nada. Jesus era o arauto de Deus, que deveu proclamar certezas às quais os homens podem consagrar sua lealdade; e nós também devemos estar em condições de ir: "Eu sei em quem tenho crido."

(2) Jesus era mestre. Não basta proclamar as certezas da fé cristã e dar por concluída nossa tarefa. Também devemos ser capazes de demonstrar o significado que essas certezas têm na vida diária e isso o ensino podia fazê-lo. A importância disto, e o problema que expõe, é que não se ensina o cristianismo falando dele, antes é preciso vivê-lo. O dever do cristão não é tanto falar de sua fé com outros, como lhes demonstrar, mediante sua vida, o que significa a fé cristã.

Um escritor que viveu na Índia escreveu o seguinte:

"Lembro um batalhão britânico que, como a maioria dos batalhões, assistia às reuniões religiosas que celebrava o capelão porque era sua obrigação fazê-lo, cantavam alguns hinos que gostavam e ouviam a pregação como se estivessem interessados. Depois disso não se lembravam da Igreja durante o resto da semana. Mas o trabalho de auxílio que desenvolveram durante o terremoto de Quetta impressionou tanto a um brahmin que imediatamente solicitou ser batizado, porque, segundo ele, somente a religião cristã era capaz de fazer com que os homens agissem do modo que esses soldados o tinham feito."

O que ensinou a esse brahmin o significado da fé cristã foi o cristianismo em ação. Para dizê-lo em sua forma suprema: Nosso dever não é falar de Jesus Cristo aos homens, e sim mostrar-lhes a Jesus Cristo vivo em nós. Tem-se dito que santo é o homem em quem Cristo volta a viver na Terra. Cada cristão deve ser um professor, e ensinar a outros o que é o cristianismo, não mediante suas palavras, mas sim mediante sua vida.

(3) Jesus curava. O evangelho que Jesus trouxe não se limitava ao anúncio de uma mensagem determinada. Traduzia-se em ações. Se lermos cuidadosamente os evangelhos poderemos dar-nos conta de que Jesus passou mais tempo curando os doentes, dando de comer aos famintos e consolando os tristes do que falando sobre Deus. Transformou as palavras da verdade cristã nos fatos do amor cristão.

Não somos verdadeiramente cristãos até que nossa crença em Cristo não conduza a uma ação cristã. Os sacerdotes, nos tempos de Jesus, teriam dito que o mais importante da religião eram os sacrifícios; os escribas teriam dito que a religião consistia essencialmente na Lei. Mas Jesus Cristo disse que a religião é amor.

Quando Jesus viu a multidão de pessoas teve compaixão delas. A palavra que se usa no original grego para descrever o sentimento de Jesus (splagchniszais) é a palavra mais forte que o grego possui para expressar a piedade que se pode experimentar por outro ser humano. Deriva-se do substantivo splagchna que significa vísceras, é uma compaixão íntima, o que descreve esse tipo de piedade que nos comove até o mais profundo de nosso ser. Nos evangelhos esta palavra só se utiliza, com exceção de algumas parábolas, com referência a Jesus (Mat. 9:36; 14:14; 15:32: 20:34: Mar. 1:41; Luc. 7:13). Quando estudamos estas passagens podemos nos dar conta de quais eram as coisas que mais comoviam a Jesus.

(1) Experimentava uma compaixão íntima pela dor, pelo sofrimento dos homens. Experimentava piedade pelos doentes (Mateus 14:14); pelos cegos (Mateus 20:34); pelos que eram vítimas da posse demoníaca (Marcos 9:22). Ele Se afligia por todas as nossas aflições. Não podia ver alguém sofrendo sem desejar aliviar seu sofrimento.

(2) Experimentava compaixão pela tristeza do mundo. A visão da viúva de Naim, que seguia o cortejo fúnebre de seu filho, comoveu seu coração (Lucas 7:13). Estavam plenamente cheio do desejo de secar os lágrimas de todos os olhos.

(3) A fome do mundo o comovia. A presença ao seu redor de uma multidão faminta e cansada constituía, por si mesma, um chamado a empregar seu poder (Mateus 15:32). Nenhum cristão pode estar satisfeito tendo muito enquanto há a seu redor quem tenha pouco.

(4) O espetáculo da solidão dos homens lhe inspirava piedade. O leproso que tinha a companhia proibida de seus semelhantes e que vivia na mais absoluta solidão e abandono, evocava tanto sua compaixão como seu poder (Marcos 1:41).

(5) Comovia-o a confusão das multidões. É isto, precisamente, o que inspirou piedade em Jesus nesta ocasião. Os escribas e os fariseus, os sacerdotes e os saduceus, pilares da religião ortodoxa de seu tempo, não tinham nada para oferecer-lhes. Os mestres da religião tradicional não eram capazes de dar orientação nem consolo nem força para viver.

As palavras que se utilizam nesta passagem para descrever a condição do povo são de caráter vívido. A palavra que em nossas Bíblias se traduz desamparadas é eskulmenvi. Em grego pode designar um cadáver que é vítima das aves de rapina. Significa que o povo é exaurido por homens rapaces, vexado por quem carece de piedade, tratada com insolência gratuita. Também pode usar-se de quem está totalmente esgotado por uma viagem que parece não ter fim. A palavra que se traduz dispersas é no original grego errimenvi, que significa estar prostrado. Pode descrever tanto ao que está prostrado por ter bebido muito como ao que está prostrado, depois de uma briga, por ter recebido feridas mortais.

Os dirigentes religiosos do judaísmo daqueles dias, em lugar de dar força para viver às massas do povo, desorientavam-nas com suas sutilezas interpretativas da Lei, que não serviam nem para ajudar a viver nem para reconfortar o sofredor. Quando deviam proporcionar aos homens uma fé que os ajudasse a manter-se erguidos, carregavam-nos e os dobravam sob o jugo insuportável da Lei, tal como a interpretavam os escribas. Ofereciam aos homens uma religião que era uma carga em vez de um apoio. Sempre devemos lembrar que a religião cristã não existe para desanimar, mas para estimular; não para esmagar aos homens com cargas, mas para elevá-los, como com asas.