Teologia do Livro de Levítico

Teologia do Livro de Levítico

Teologia do Livro de Levítico


R. K. Harrison (2008)



Em contraste com Gênesis e Êxodo, em que as narrativas produziam farto material dos quais se poderiam derivar traços subjacentes do caráter divino ou de princípios divinos de ação, Levítico tem um mínimo de narrativa e um máximo de legislação. Estes, no entanto, oferecem percepções significativas da pessoa e do caráter de Deus em Seu relacionamento com o povo e na provisão que faz para que a comunhão pactual seja preservada.

Deus é santo

O versículo-chave do livro é um mandamento límpido de Yahweh. Sereis santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo (19.2). Santidade significa separação de alguma coisa para um propósito ou uso. No caso de Yahweh, significa Sua separação do mal em toda e qualquer de suas formas. O objetivo dessa legislação, como também a razão da narrativa chocante da morte de Abiú e Nadabe, no capítulo 10.

Assim, a comunhão desejada (ou melhor ordenada) por Yahweh com Seu povo dependia da assimilação de Seu conceito de santidade pelos israelitas. Esse conceito era radicalmente oposto ao uso do termo קֹדֶשׁ (qōḏeš, “santidade”) pelos cananeus, para quem ser קָדוֹשׁ (qāḏôš, “santo”) significava envolver-se com as formas mais degradantes de imoralidade, como ser prostituto ou prostituta cultual.

Israel, ao buscar os padrões divinos de santidade, teria de deixar para trás a forma de ser חֹל (ḥōl, “comum” ou “profana”), ir além da forma neutra de ser טָהרֹ (ṭāhōr, “limpo”), para chegar à vida de identificação positiva com a pureza, a vida קְדוֹשָׁה (qeḏôs̆â, “santa”). Em muitos casos, a santidade era relacionada ao status cerimonial na comunidade, e o indivíduo e, até mesmo, toda a comunidade poderiam precisar progredir da forma de vida mais baixa, טָמֵא (ṭāmēʾ, “impura”), para cima, em direção ao perdão e aceitação de Yahweh.

Deus é imanente

O propósito de Deus, expresso nas palavras de Êxodo 25.8, era viver entre o Seu povo. As instruções detalhadas concernentes ao lugar de Sua manifestação, oferecidas em Êxodo, são seguidas de instruções igualmente detalhadas sobre como preservar o privilégio de Sua presença, encontradas em Levítico.

Outras nações do Oriente Médio antigo compartilhavam o conceito de ter a divindade nacional habitando no meio do povo. Israel, todavia, se destacava entre elas por desfrutar a presença de Yahweh por meio de um culto puro – cerimonial e eticamente puro – de modo a refletir o caráter santo de seu Deus.

Outro aspecto merece ser observado, pois além da presença gloriosa manifestada acima da arca da aliança no Santo dos Santos, havia uma presença geral, santificadora, que afetava e impunha exigências sobre a religião de Israel (caps. 21–24), sobre os padrões de comportamento sexual (caps. 18 e 20), e sobre as relações interpessoais (caps. 19 e 25) dos israelitas.

Deus é gracioso

Em Levítico, nove vezes a frase וְנִסְלַח לוֹ = (wenislaḥ lô, “e ser-lhe-á perdoado) apresenta a maravilhosa realidade de que Deus havia providenciado o perdão para algum tipo de deficiência (4.20, 26, 31, 35; 5.10, 13, 16, 18; 6.7). Isso aponta para o fato de que havia uma eficácia espiritual nos sacrifícios que Yahweh graciosamente planejara e revelara a Israel.

Uma vez que Seu propósito não era simplesmente libertar Israel do caos e da desordem da escravidão corporal no Egito, mas também do caos e da desordem de uma vida dominada pelo pecado, pela doença e pela morte, o sistema sacrificial transmitido à nação por Moisés englobava cada aspecto da vida e fazia provisão para impurezas morais e cerimoniais por meio do princípio de expiação vicária (i.e., substitutiva). O perdão de Yahweh sempre foi gratuito, mas nunca barato, já que sempre envolveu a entrega de uma vida em lugar de outra, com o benefício sendo apropriado mediante a fé.

O ponto culminante da graça de Yahweh na vida da nação ocorria no chamado (“Dia da Expiação” (יוֹם הַכִּפּוּרִים, o tradicional yôm haḵkip̄pûrîm, cf. 23.27), quando os pecados de todo o ano eram expiados e, figurativamente, “despachados” para o deserto, removidos da vista da congregação. O retorno do sumo sacerdote do Santo dos Santos significava que Yahweh havia graciosamente estendido a Sua presença e proteção sobre a nação por mais um ano.