Estudo sobre Mateus 2:1-23

Mateus 2

2:1-2 Jesus nasceu em Belém. Belém era uma cidade muito pequena, a uns dez quilômetros ao sul de Jerusalém. Na antiguidade ela era chamada Efrata. A palavra Belém significa Casa do Pão. Belém estava em uma zona fértil, na qual seu nome era apreciado. Estava situada na parte mais alta de uma cadeia montanhosa de pedra calcária cinza, a setecentos e cinquenta metros sobre o nível do mar. A serrania apresentava duas alturas nos extremos e no centro um terreno baixo como uma cadeira de montar. De maneira que, vista desde sua posição, Belém parecia localizada em meio de um anfiteatro montanhoso.

Belém tinha uma longa história. Foi ali onde Jacó tinha enterrado Raquel, colocando um pilar junto à tumba, como aviso (Gênesis 48:7, 35:20). Ali viveu Rute depois de haver-se casado com Boaz (Rute 2:1); desde Belém se podia ver Moabe, sua terra natal, ao outro lado do vale do Jordão. Mas sobretudo, Belém era o lugar natal e a cidade de Davi (1 Samuel 16:1, 17:12, 20:6). Quando Davi era um fugitivo nas serranias do Judá seu maior desejo era poder beber as águas do poço de Belém (2 Samuel 23:14-15). Mais tarde é-nos dito que Roboão fortificou a cidade de Belém (2 Crônicas 11:6). Mas, na história do Israel e na mente de todos os judeus Belém era sobretudo a cidade de Davi. E da estirpe do Davi Deus haveria de mandar um libertador de seu povo. Tal como o expressa o profeta Miquéias: "E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade" (Miquéias 5:2).


Os judeus esperavam que o filho do grande Davi, maior até que seu pai, nascesse em Belém; esperavam que o ungido de Deus nascesse nessa cidade, e aconteceu tal como eles acreditavam.
A imagem do estábulo e da manjedoura como lugares do nascimento de Jesus estão desenhadas com traços indeléveis em nossas mentes; mas bem pode ser que a imagem não seja totalmente correta. Justino Mártir, um dos mais destacados Pais da Igreja, que viveu ao redor do ano 150, e que provém de uma região próxima a Belém, diz-nos que Jesus nasceu em uma cova próxima à cidade (Justino Mártir, Diálogo com Trifo, 78, 304); é possível que a informação de que dispunha Justino fosse autêntica. As casas de Belém estão construídas sobre a base da montanha de rocha calcária, e é muito freqüente que tenham um estábulo escavado na montanha, por debaixo da casa; Jesus pode muito bem ter nascido em um desses estábulos-caverna.

Até nossos dias pode visitar-se uma caverna onde se diz que Jesus nasceu, e ainda por cima dela se construiu a enorme Igreja Católica do Natal. Faz muito tempo que se identifica esse lugar como autenticamente o lugar do nascimento de Jesus. O imperador romano Adriano, em um intento de profanar o lugar, mandou construir em cima um templo dedicado ao deus Adonis. Quando o Império Romano adotou o cristianismo, a princípios do século IV, Constantino, o primeiro imperador cristão, fez construir uma grande igreja no mesmo lugar, e essa é a Igreja que ainda se pode visitar. H. V. Morton nos narra sua visita à Igreja do Natal, em Belém, destacando o fato de que, chegando chegar ao lugar, encontrou-se com uma enorme parede, e nessa parede havia uma porta tão pequena o que até um anão precisaria agachar-se para passar por ela. Atravessando essa porta, do outro lado da parede, estava a Igreja. Debaixo do altar principal da igreja está a cova. Quando o peregrino desce para ela, encontra-se com uma pequena caverna escura, de uns quatorze metros de comprimento e quatro de largura, iluminada por cinqüenta e três lâmpadas de prata. No piso há uma estrela, e ao seu redor a inscrição latina: "Aqui nasceu Jesus, da virgem Maria."

Quando o Senhor da Glória veio à Terra, nasceu em um lugar onde os homens alojavam animais. A cova que está na Igreja do Natal, em Belém, possivelmente seja a mesma onde Jesus nasceu, embora possa ser alguma outra. Isso é algo que nunca saberemos com certeza. Mas há um belo símbolo no fato de que a Igreja do Natal tenha uma porta tão baixa que todos os que queiram entrar nela devam agachar-se. É extremamente apropriado que todo homem que queira aproximar-se do Menino Jesus deva fazê-lo de joelhos.

Cf. Esboço e Sumário do Evangelho de Mateus
Cf. Características Judaicas do Evangelho de Mateus

Quando Jesus nasceu em Belém vieram sábios do Oriente para lhe render homenagem. Habitualmente se fala desses homens como "os magos", termo muito difícil de traduzir. Heródoto (1:101, 132) sabia algo com relação a uma tribo de medos chamada "os magos". Os medos formavam parte do império persa; em um determinado momento da história tentaram derrocar aos persas e dirigir eles os destinos do império. Mas não lograram seu propósito. A partir de então os magos deixaram de ter ambições políticas e se converteram em uma tribo de sacerdotes. Foram, na Pérsia, quase exatamente o mesmo que os levitas eram em Israel. Chegaram a ser os professores e instrutores dos reis persas. Na Pérsia não podia oferecer-se sacrifício algum se um dos magos não estivesse presente. Vieram a ser homens de grande santidade e sabedoria.

Estes magos eram homens versados em filosofia, medicina e ciências naturais. Eram experientes em encantamentos e na interpretação de sonhos. Posteriormente a palavra mago adquiriu um significado de conotação pejorativa, sendo sinônimo de adivinho, bruxo e até enganador. Temos, por exemplo, Elimas, o mago (Atos 13:6, 8), e Simão, chamado usualmente Simão, o Mago (Atos 8:9, 11). Mas em seus melhores tempos os magos não eram enganadores, mas homens de grande santidade e sabedoria que empregavam suas vidas na busca da verdade.

Naqueles dias todos acreditavam na astrologia. Acreditavam que se podia predizer o futuro interpretando os movimentos das estrelas, e que o destino de cada um estava determinado pela estrela sob a qual nascia. Não fica difícil ver como surgiu essa crença. As estrelas percorrem seus caminhos imutáveis e, nesse sentido, representam a ordem do universo. Se aparecia repentinamente uma estrela mais brilhante que as demais, se a ordem eterna dos céus era quebrada por um fenômeno especial, interpretava-se como se Deus mesmo estivesse irrompendo em sua ordem para anunciar algo.

Não sabemos qual foi a estrela brilhante que aqueles magos viram. No ano 2 A.C. foi visível o cometa Halley, um astro de brilho considerável que atravessou o céu. Por volta do ano 7 A. C. se produziu uma conjunção de Saturno e Júpiter, que por seu brilho particular pôde ter-se interpretado como a aparição de uma nova estrela. Entre os anos 5 e 2 A. C, produziu-se um fenômeno astronômico pouco comum. Durante esses anos a estrela Sírio, conhecida pelos egípcios como Mesori, aparecia sobre o horizonte na hora do pôr-do-sol, e brilhava durante um momento com um resplendor espetacular. Mesori significa, em egípcio, "o nascimento de um príncipe" e para aqueles astrólogos da antiguidade este fenômeno pouco comum teria significado, indubitavelmente, o nascimento de algum grande rei. Não podemos saber qual foi a estrela que os magos viram, mas parte de suas responsabilidades profissionais era observar os céus, e algum fenômeno celestial fora do comum deve lhes ter sugerido que um rei tinha entrado no mundo.

Pode nos parecer extraordinário que aqueles homens saíssem do oriente para lançar-se à busca de um rei. O estranho é que, na época em que Jesus nasceu, houvesse em todo mundo Mediterrâneo a estranha expectativa do advento de um rei. Os historiadores romanos nos dão testemunho desse sentimento generalizado. Pouco tempo depois, na época do imperador Vespasiano, Suetônio pôde escrever: "Estava estabelecida e difundida em todo Oriente a antiga crença de que por aquela época seria o destino dos homens da Judéia governar o mundo" (Suetônio, Vida de Vespasiano, 4:5). Tácito fala da mesma crença, dizendo: "Havia a convicção de que nesta época o Oriente cresceria em poder, e que governantes de origem judia adquiririam um império universal" (Tácito, Histórias, 5:13). Os judeus tinham a crença de que "Por aquela época um de sua raça se tornaria o governante de todo o mundo habitado" (Josefo, Guerras dos Judeus, 6:5, 4). Pouco tempo depois encontramos Tiridates, rei da Armênia, que visita a Nero acompanhado por seus magos (Suetônio, Vida de Nero, 13:1). Em Atenas os magos ofereceram sacrifícios à memória de Platão (Sêneca, Epístolas, 58:31). Quase ao mesmo tempo do nascimento de Jesus, Augusto, imperador romano, era saudado como "Salvador do Mundo", e Virgílio, o poeta romano, escreve sua Quarta Égloga, conhecida como a Égloga Messiânica porque descreve a idade de ouro que está por vir.

Não há por que pensar que a história da visita dos magos ao Menino Jesus recém-nascido é somente uma bonita lenda. Trata-se de um fato que bem pôde ter acontecido naquela época. Quando Jesus Cristo veio ao mundo, os homens viviam em ansiosa expectativa. A humanidade inteira esperava a Deus. Os corações dos homens ansiavam por Deus. Tinham descoberto que sem Deus não era possível construir a Idade de Ouro. Jesus veio a um mundo expectante; e quando se produziu sua vinda, os extremos da Terra se reuniram ao redor de seu berço. Este foi o primeiro sinal e símbolo da conquista do mundo por Cristo.

2:3-8 Chegou aos ouvidos do rei Herodes que tinham vindo magos do Oriente e que estavam procurando um recém-nascido, destinado a ser Rei dos judeus. Qualquer rei se preocuparia ao receber a informação do nascimento de um menino que chegaria a ocupar seu trono. Mas Herodes se sentiu duplamente perturbado. Herodes era meio judeu e meio idumeo. Em suas veias corria sangue edomita. Tinha prestado bons serviços aos romanos nas guerras e conflitos internos da Palestina, e eles lhe tinham confiança. No ano 47 A.C. tinha sido nomeado governador; no ano 40 recebeu o título de rei; e teria que reinar até o ano 4 de nossa era. Era chamado Herodes o Grande, e em mais de um sentido merecia este título. Foi o único delegado romano na Palestina que conseguiu manter a paz e produzir ordem no meio da desordem que imperava quando ele assumiu o cargo. Foi, além disso, um grande construtor; entre outras obras fez a reconstrução do templo de Jerusalém. Podia ser generoso. Nos tempos difíceis atenuava os impostos para que a situação do povo se aliviasse; e quando veio a grande fome do ano 25 A.C. chegou até a fundir sua própria fonte de prata para comprar trigo e reparti-lo entre os famintos. Mas Herodes sofria de uma terrível falha em seu caráter. Sempre tinha sido exageradamente suspicaz, e à medida que envelhecia esse defeito se acentuava cada vez mais. Em seus últimos anos chegou a ser, como alguém assinalou, "um velho criminoso". Se suspeitava que alguém pretendia rivalizar com seu poder, imediatamente o mandava assassinar. Matou a sua mulher Mariamne, e a sua mãe, Alexandra; a seu filho mais velho, Antipater. Aos seus dois netos, filhos deste, Alexandre e Aristóbulo, eliminou-os com suas próprias mãos. Augusto, o imperador romano, disse amargamente, em certa oportunidade, que era mais seguro ser um porco nos chiqueiros de Herodes que filho dele. (O dito em grego é muito mais epigramático que em português, porque hus significa porco e huíós filho, e há aliteração.) Pode-se entender como era amarga, selvagem e retorcido a personalidade do Herodes pelas disposições que deixou para que se executassem depois de sua morte. Quando chegou aos setenta anos sabia que logo morreria. Retirou-se a Jericó, a mais bela de todas as suas cidades. Deu ordens para que se encarcerasse a um grupo de cidadãos mais destacados de Jerusalém, sob pretexto de acusações falsas. E ordenou que quando ele morresse todos fossem executados. Dizia com amargura que quando ele morresse ninguém faria luto por ele, e que deste modo pelo menos se derramariam lágrimas em Israel.

Não é difícil imaginar como se haverá sentido um homem desta índole quando lhe chegou a notícia do nascimento de um menino destinado a ser rei. Herodes se perturbou, e toda Jerusalém se perturbou com ele, porque bem sabiam todos os habitantes de Jerusalém que tipo de medidas era capaz de tomar seu rei para chegar até o fundo dessa história e eliminar o menino. Jerusalém conhecia Herodes, e tremeu de medo enquanto esperava sua inevitável reação.

Herodes convocou os principais sacerdotes e os escribas. Os escribas eram os doutores na Lei e nas outras escrituras. Os principais sacerdotes eram um grupo intimamente relacionado de pessoas. Em primeiro lugar estavam os que tinham sido literalmente sumos sacerdotes, e se tinham retirado de seu ofício; o sumo sacerdote estava confinado a um número muito reduzido de famílias. Eram a aristocracia sacerdotal judaica, e os membros dessas famílias seletas também recebiam o nome de "sumos sacerdotes" ou "príncipes dos sacerdotes". De modo que Herodes convocou a aristocracia religiosa e os eruditos teológicos de sua época, e lhes perguntou onde, segundo as Escrituras, devia nascer o Ungido de Deus. Citaram-lhe o texto do Miquéias 5:2. Herodes mandou chamar os magos e os enviou para buscarem diligentemente o recém-nascido. Disse-lhes que ele também desejava ir e adorar o Menino. Seu único desejo, entretanto, era assassinar aquele que lhe podia tomar o trono.

Acaba de nascer Jesus e já vemos os três agrupamentos em que os homens sempre se posicionaram em face de Jesus. Consideremos quais são estas três formas de reagir.

(1) Temos primeiro a reação de Herodes: Ódio e hostilidade. Herodes tinha medo de que esse garotinho interferisse em sua vida, sua posição, seu poder, sua influência. Portanto, sua primeira reação instintiva foi eliminá-lo. Ainda há os que estariam muito contentes se pudessem destruir a Jesus Cristo, porque nEle vêem Aquele que interfere em suas vidas. Querem fazer sua própria vontade, e Jesus não o permite; por isso gostariam de matá-lo. O homem cujo único desejo é fazer o que deseja nunca estará disposto a receber a Jesus Cristo. O cristão é alguém que deixou que fazer sua própria vontade, e que dedicou sua vida a fazer o que Jesus deseja dele.

(2) Temos a reação dos principais sacerdotes e escribas: Uma total indiferença. Eles não se interessaram pelo assunto. Estavam tão ensimesmados em suas disputas sobre o ritual do Templo e suas discussões legais jurídicas que simplesmente desconheceram a Jesus. Ele não significou nada para eles.

Ainda há quem está tão ocupados em seus próprios assuntos que Jesus Cristo não lhes diz nada. Ainda pode propor a aguda pergunta dos profetas: "Não vos comove isto, a todos vós que passais pelo caminho?" (Lamentações 1:12).

(3) E temos a reação dos três magos, que pode resumir-se em duas palavras: Reverência e adoração. Desejam pôr aos pés de Jesus os presentes mais nobres que puderam trazer. Sem lugar a dúvida, quando qualquer ser humano toma consciência do amor de Deus em Jesus Cristo, não pode menos que sentir-se arrebatado pela maravilha, a resposta amante e o louvor.

Cf. Data e Lugar da Escrita do Evangelho de Mateus
Cf. Origem do Evangelho de Mateus

Mateus 2:9-12 Finalmente os magos do oriente encontraram o caminho de Belém. Não devemos pensar que a estrela se foi movendo no céu literalmente, como um sinal indicador. Nesta passagem há muita poesia, e não devemos transformar a poesia em prosa crua e desprovida de vida. Mas a estrela brilhava sobre Belém. Há uma bonita lenda que relata como a estrela, depois de ter completado sua missão de guia, caiu no poço de Belém e ainda está ali, onde pode ser vista às vezes por aqueles cujos corações são puros.

Construíram-se muitas lendas em torno dos três "reis magos". Na antiguidade uma tradição oriental sustentava que eram doze. Mas na atualidade em quase todo mundo se acredita que eram três. O Novo Testamento não diz quantos eram, mas o triplo presente que apresentam a Jesus sugere a possibilidade de que sejam três os que trazem os presentes. Uma lenda ulterior os fez reis. Outra, posterior até, deu-lhes nomes: Melquior, Gaspar e Baltasar. Elaborações posteriores se dedicaram a descrever a aparência pessoal destes três personagens, e determinaram quem havia trazido cada um dos presentes. Melquior era um ancião, de cabelo cinza e barba longa, e foi o que trouxe o ouro. Gaspar era jovem e sem barba, de gesto altivo. Seu dom foi o incenso. Baltasar era negro, e foi quem trouxe o dom da mirra.

Desde os tempos mais antigos os homens interpretaram de distintas maneiras a natureza dos presentes que os reis magos trouxeram para Jesus. Estas interpretações atribuem a cada um dos presentes alguma característica que se adapta ao tipo de pessoa que era Jesus e à obra que realizaria.

(1) O ouro é um presente de reis. Sêneca nos diz que em Partia havia o costume de que ninguém podia aproximar-se da presença do rei sem levar um presente. E o ouro, o rei dos metais, é um presente apropriado para um rei dos homens. De maneira que Jesus foi alguém "nascido para ser Rei", mas deveria reinar não pela força mas pelo amor, e não sentado em um trono mas sobre a cruz. Fazemos bem em recordar que Jesus Cristo é Rei. Nunca podemos nos encontrar com Jesus em um plano de igualdade. Sempre devemos ir a ele em completa submissão e entrega. Nelson, o grande almirante inglês, sempre tratou a seus vencidos com grande bondade e cortesia depois de uma de suas vitórias navais, o almirante inimigo foi levado a nave insígnia e conduzido à presença de Nelson na proa do navio. Conhecendo o cavalheirismo de Nelson, e esperando tirar proveito disso, avançou para seu vencedor com a mão estendida, como se fosse estreitá-la com um igual. Mas o braço do Nelson não se moveu de seu lado. "A espada primeiro; a mão depois", disse-lhe. Antes de ser amigos de Cristo devemos nos submeter a Ele.

(2) O incenso é um presente de sacerdotes. O doce perfume do incenso se usava no culto do Templo e nos sacrifícios rituais que se realizavam ali. A função do sacerdote é abrir aos homens o caminho para Deus. A palavra latina que significa "sacerdote" é pontifex, que significa "construtor de pontes". O sacerdote é o homem que tende uma ponte entre Deus e os homens. Isso foi o que Jesus fez. Abriu o caminho para a presença de Deus; tornou possível aos homens entrarem na própria presença de Deus.

(3) A mirra é um presente para alguém que vai morrer. A mirra se usava para embalsamar o corpo dos mortos. Jesus veio ao mundo para morrer.

Holman Hunt fez um quadro de Jesus que é muito famoso. O quadro O apresenta na porta da oficina de carpintaria, em Nazaré. Ainda é um menino. O sol do entardecer brilha sobre a porta e o moço saiu um momento para estirar as pernas, com cãibras pela posição de trabalho sobre o banco de carpinteiro. Abre os braços para receber melhor o ar fresco do crepúsculo, e o sol projeta sua sombra sobre a parede, é a sombra de uma cruz. Em um segundo plano está Maria, que ao ver essa cruz estremece: seu rosto manifesta o temor da tragédia que se aproxima. Jesus veio ao mundo para viver pelos homens e, ao terminar sua missão, morrer por eles. Veio para dar pelos homens sua vida e sua morte.

Ouro para um rei, incenso para um sacerdote, mirra para quem vai morrer. Estes foram os presentes dos sábios orientais: até no berço de Jesus anteciparam que teria que ser o autêntico Rei, o perfeito Sumo Sacerdote e, finalmente, o supremo Salvador dos homens.

Mateus 2:13-15 Na antiguidade não se duvidava de que Deus enviasse mensagens aos homens mediante sonhos. José foi advertido em um sonho de que escapasse ao Egito para evitar os propósitos criminais de Herodes. A fuga ao Egito foi um fato muito natural. Muito frequentemente, nos séculos turbulentos que precederam à vinda de Jesus, quando os judeus enfrentavam algum perigo, tirania ou perseguição que tornava a vida deles impossível, exilavam-se no Egito. O resultado foi que quase cada cidade egípcia tinha sua colônia de judeus. Na cidade da Alexandria, sobretudo, havia mais de um milhão de judeus; vários bairros da cidade eram habitados quase exclusivamente por membros desta nação. José, em sua hora de perigo, fez o que muitos outros seus concidadãos tinham feito antes, e quando ele e Maria chegassem ao Egito não se encontrariam totalmente entre estrangeiros, porque em qualquer cidade ou povo onde decidissem ficar, haveria judeus que, como eles, tinham procurado refúgio no Egito.

É interessante que posteriormente os inimigos do cristianismo e de Jesus utilizaram sua estada no Egito como um pretexto para desprezá-lo. Egito era considerado tradicionalmente uma terra de magia, bruxaria e encantamentos. O Talmude diz: "Desceram ao mundo dez medidas de bruxaria, nove corresponderam ao Egito e o resto se repartiu pelo mundo." Os inimigos de Jesus afirmavam que no Egito, durante seu exílio, o Mestre aprendeu algumas ardis de magia" e bruxaria, que posteriormente lhe serviram para simular seus "milagres" e enganar aos homens. Quando o filósofo pagão Celso dirigiu seus ataques contra o cristianismo, no século III (ataque que Orígenes enfrentou e rechaçou definitivamente) disse que Jesus nasceu ilegitimamente, que esteve empregado no Egito a serviço de algum mago, e que ao retornar a Palestina utilizou os conhecimentos adquiridos para enganar a seus concidadãos e proclamar-se Deus (Orígenes, Contra Celsum, 1:38). Um certo rabino, Eliézer Ben Hircano, disse que Jesus tinha as fórmulas mágicas que necessitava para fazer milagres tatuados no corpo, para não esquecê-los Tais são algumas das calúnias que mente torcidas relacionaram com a fuga ao Egito. Mas são evidentemente falsas, porque quando Jesus foi levado ao Egito era um recém-nascido, e quando retornou ainda era menino.

Duas das lendas mais belas do Novo Testamento estão relacionadas com a fuga ao Egito. A primeira é a lenda do ladrão penitente. A lenda diz que o ladrão penitente se chamava Dimas, e que tinha conhecido Jesus pela primeira vez no Calvário quando ambos pendiam de suas respectivas cruzes. O relato sustenta que quando José e Maria se dirigiam ao Egito foram assaltados por ladrões, e um dos cabeças do bando quis matá-los para ficar com as poucas coisas que levavam. Mas houve algo no menino Jesus que comoveu o coração do Dimas, que era um dos ladrões. Negou-se a que se fizesse mal algum a Jesus e seus pais. Olhou o menino e lhe disse: "Menino bendito mais que nenhum entre os meninos, se alguma vez chegasse o momento em que você possa ter misericórdia por mim, lembre-se deste momento e não me esqueça." Jesus e Dimas voltaram a encontrar-se, no Calvário, e Dimas, a ponto de morrer justiçado, encontrou misericórdia e perdão para sua alma, no Senhor Jesus.

A outra lenda é uma narração infantil, mas muito bonita. Quando José, Maria e Jesus se dirigiam ao Egito, diz a lenda, chegou o momento de pôr-do-sol, e estavam muito cansados, e procuraram refúgio para passar a noite em uma caverna. Fazia frio, tanto frio que o chão se cobriu de geada esbranquiçada. Uma pequena aranha viu o menino Jesus e quis fazer algo para ajudá-lo a manter-se quente. Depois de muito pensar decidiu que a única coisa que podia fazer era tecer uma tela bem ampla sobre a entrada da cova, para servir de cortina. Pelo mesmo atalho apareceram depois de um momento os soldados de Herodes, que procuravam meninos para matar e executar de acordo com de seu soberano. Quando chegaram à entrada da cova estavam a ponto de entrar para ver se alguém tinha procurado refúgio nela. Mas o capitão advertiu que a entrada estava coberta por um tecido de aranha, e que esta, por sua vez, estava branca de geada. "Olhem", disse, há um tecido de aranha intacto. Ninguém pode ter entrado aqui, porque se o fizesse, teria esmigalhado o tecido." De maneira que os soldados passaram adiante, e depois de procurar muito momento em outros lugares voltaram para Jerusalém.

A sagrada família pôde dormir em paz, porque uma pequena aranha tinha tecido seu manto para proteger a Jesus do frio. É por isso, conforme dizem, que até nossos dias cobrimos as árvores de Natal com fios prateados que simulam o tecido de aranha coberta de geada. É uma história muito bonita que contém uma grande verdade: Os dons feitos a Jesus nunca são esquecidos.

As últimas palavras desta passagem apresentam um costume característico de Mateus. Vê na fuga ao Egito o cumprimento de certas palavras do profeta Oséias. Mateus as reproduz como: "Do Egito chamei a meu filho." A citação é de Oséias 11:1, que diz: "Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho." Pode ver-se imediatamente que esta citação não tem nada que ver com Jesus nem com a fuga ao Egito. Não é mais que uma forma de asseverar que Deus tinha libertado o povo de Israel de sua escravidão no Egito. Veremos em repetidas ocasiões que esta é uma forma de usar o Antigo Testamento característica de Mateus. Está disposto a usar como profecia a respeito de Jesus qualquer texto do Antigo Testamento que possa adequar-se verbalmente a tal propósito, mesmo que originalmente não tenha tido nada que ver com o assunto em referência. Mateus sabia que a única maneira de convencer os judeus de que Jesus era o autêntico Ungido de Deus era demonstrando que cumpria em sua pessoa as profecias do Antigo Testamento. Em seu afã por obter seu objetivo, encontrava profecias no Antigo Testamento até em lugares onde originalmente não havia profecia alguma. Quando lemos passagens como esta devemos lembrar que, mesmo que sejam para nós pouco convincentes e estranhas, eram de supremo interesse para os judeus, aqueles a quem Mateus dirigiu o seu evangelho.

Cf. Escritor do Evangelho de Mateus
Cf. Conteúdo do Evangelho de Mateus

Mateus 2:16-18 Já vimos que Herodes era um mestre consumado na arte do assassinato. Assim que subiu ao trono aniquilou o Sinédrio, a corte suprema dos judeus. Posteriormente mandou matar a trezentos juízes das cortes, em um ímpeto inexplicável. Mais tarde matou a sua esposa Mariame, a sua mãe, Alexandra, a seu filho mais velho, Antipater, e a dois filhos deste, Alexandre e Aristóbulo. Fazia acertos para que na hora de sua própria morte fosse executado um grupo seleto dos cidadãos mais notáveis de Jerusalém. Era de esperar-se que Herodes não aceitasse tranquilamente a notícia de que tinha nascido um menino que estava destinado a ser Rei. Vimos como averiguou cuidadosamente quando os magos tinham visto a estrela. Nesse momento já estava calculando qual era a idade dos meninos que devia mandar assassinar. Agora o vemos pôr em prática seus planos criminais, com uma rapidez selvagem, animal. Ordenou a matança de todos os meninos de dois anos para baixo em Belém e sua zona circundante.

Há duas coisas que devem destacar-se. Belém não era uma cidade muito grande, e o número de meninos abaixo dos dois anos não pôde ter sido maior de vinte ou trinta. Não devemos pensar que foram centenas. É obvio, não queremos dizer que o crime de Herodes haja sido menos terrível por ser somente vinte ou trinta meninos que ele assassinou, mas é importante fazermos uma imagem correta.

Em segundo lugar, alguns críticos sustentam que este assassinato não pôde ter acontecido, porque não é mencionado em nenhum outro lugar, exceto nesta passagem do Novo Testamento. O historiador judeu Josefo, por exemplo, não o menciona. Pode responder-se de duas maneiras. Em primeiro lugar, tal como acabamos de dizer, Belém era uma cidade muito pequena, e em uma região onde este tipo de atrocidades era moeda corrente, o assassinato de vinte ou trinta meninos provavelmente não tenha sido considerado um fato grave. Não deve ter significado muito, exceto para as mães dos meninos. Em segundo lugar, encontramos um interessante paralelo histórico nas crônicas escocesas. Carr faz notar que Macaulay, em sua monumental obra de história britânica, assinala que Evelyn, um cronista meticuloso e extremamente abundante dos acontecimentos contemporâneos a sua vida, nunca menciona a massacre de Glencoe. O fato de que um acontecimento histórico não seja mencionado, até naqueles lugares onde esperaríamos que fosse mencionasse, não é uma prova suficiente de que não tenha ocorrido. O fato é tão típico de Herodes, que não temos razões para duvidar da verdade que Mateus está transmitindo. Estamos ante um terrível exemplo do que são capazes de fazer os homens para livrar-se de Jesus. Se alguém teima em seguir seu próprio caminho, se vir no Cristo alguém que pode interferir em suas ambições e reprovar sua forma de proceder, seu único desejo será livrar-se dele. Em consequência se verá arrastado a fazer as coisas mais terríveis, e se não destroçar os corpos dos homens, quebrantará seus corações.

Aqui também, no final da passagem, vemos a maneira característica de Mateus de usar o Antigo Testamento. Cita Jeremias 31:15: “Assim diz o SENHOR: Ouviu-se um clamor em Ramá, pranto e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e inconsolável por causa deles, porque já não existem.” O versículo de Jeremias não tem nada a ver com a matança dos inocentes por Herodes. Jeremias tem em mente uma situação muito distinta. Vê profeticamente como o povo de Jerusalém é levado ao exílio. Em sua triste viagem para o estrangeiro, passam pela cidade de Ramá, que era o lugar onde Raquel estava enterrada (1 Samuel 10:2); e Jeremias imagina Raquel chorando, desde sua tumba, pelo destino que tinha castigado a seu povo. Mateus recolhe esta passagem e faz algo que já o vimos fazer anteriormente. Em seu desejo de encontrar profecias, descobre-as até onde não estão. Devemos lembrar que este procedimento, que pode parecer estranho, não o era para aqueles a quem Mateus dirigia seu evangelho.

Cf. Gênero Literário do Evangelho de Mateus
Cf. Teologia do Evangelho de Mateus

Mateus 2:19-23 No seu devido tempo Herodes morreu; seu reino, então, foi dividido. Os romanos tinham confiança em Herodes, e tinham permitido que ele reinasse sobre um território bastante extenso. Mas ele sabia que a nenhum de seus filhos lhe seria confiada uma medida tão abundante de poder. De modo que em seu testamento dividiu o reino em três porções, e legou cada uma destas a três de seus filhos. Judéia seria de Arquelau; Galiléia de Herodes Antipas; e a região norte e a Transjordânia de Felipe. Mas a morte do Herodes não resolveu o problema. Arquelau não foi bom rei e durou pouco em seu trono. Iniciou seu governo tratando de ser ainda mais sanguinário que seu pai; um de seus primeiros decretos decidiu a execução de três mil cidadãos destacados da Judéia. Evidentemente, até morto Herodes, com o selvagem e descontrolado Arquelau no trono não era seguro retornar a Judéia. De modo que José recebe o conselho de ir a Galiléia, onde reinava Herodes Antipas, um soberano muito mais prudente.

José se estabeleceu em Nazaré, e nessa localidade Jesus se criou. Não se deve pensar que Nazaré fosse um povo perdido, distante de tudo o que acontecia no mundo. Estava convocada em um vale das serras da Galileia, e um jovem só precisava subir às alturas para ver, para o Oeste, as águas azuis do Mediterrâneo, envoltas na bruma da distância, sulcadas pelas naves que viajavam a todos os extremos da Terra. Fazendo descer o olhar, a seus pés, atravessando a planície costeira, tinha um dos caminhos mais importantes da antiguidade. Era o caminho que ia de Damasco ao Egito, a via de acesso à África por terra firme. Era uma das rotas de caravanas mais importantes do mundo. Era o lugar onde José tinha sido vendido a uns traficantes, vários séculos antes. Era o caminho que Alexandre Magno e suas legiões tinham seguido, três séculos atrás. Era o caminho por onde partiriam os exércitos do Napoleão, vários séculos depois. Até no século XX, foi a rota escolhida por Allenby. Às vezes denominada o Caminho do Sul e outras vezes a Rota do Mar. Transitando-a, Jesus podia ver toda classe de viajantes, de todas as nações do mundo conhecido, indo e vindo todo o tempo. Mas havia outro caminho, que abandonava a Rota do Mar em Acra ou Ptolomea para dirigir-se para o Este. Era chamado a Rota do Este. Chegava até os limites orientais do Império Romano. Sobre este caminho também transitavam continuamente as caravanas carregadas de sedas e especiarias, e as legiões romanas, em direção contrária, para as fronteiras. Nazaré não era um povo perdido. Jesus foi criado em um lugar por onde continuamente transitava o mundo. Desde sua infância deve ter sido confrontado por cenas que lhe revelavam a multiforme magnitude do universo criado por Deus e destinado a ser seu mundo.

Já vimos como Mateus relaciona cada acontecimento da vida de Jesus (pelo menos no princípio) com alguma passagem do Antigo Testamento que ele considera uma profecia. Aqui Mateus cita o seguinte: "Ele será chamado Nazareno." Com isso ele nos cria um problema insolúvel, porque não há tal texto em todo o Antigo Testamento. Nazaré não se menciona em todo o Antigo Testamento. Ninguém resolveu satisfatoriamente o problema de qual é a parte do Antigo Testamento que Mateus tinha em mente. Os escritores antigos recorriam frequentemente a jogos de palavras. Sugeriu-se que aqui Mateus está brincando com as palavras do Isaías 11:1, onde diz: "Sairá uma vara do tronco de Isai, e uma vergôntea brotará de novo de suas raízes." A palavra hebreia que significa "vara" é nezer, que é muito semelhante a "nazareno". Deste modo Mateus estaria dizendo, ao mesmo tempo, que Jesus é da cidade do Nazaré e que é o nezer, a vara prometida do tronco de Isai, ou seja um descendente do Davi, o prometido Rei Ungido de Deus. Mas isto não é mais que uma conjetura; qual foi a profecia que Mateus teve em mente continuará sendo um mistério De maneira que já temos o cenário preparado. Mateus trouxe Jesus até Nazaré, que é, em um sentido muito real, uma das portas do mundo.

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