Jesus Cristo — Estudos Bíblicos

Jesus Cristo — Estudos BíblicosJesus Cristo (Ιησούς Χριστός)

O Messias prometido no Antigo Testamento, o Salvador para os cristãos, considerado o Filho de Deus, e a Segunda Pessoa da Trindade. 
O nome Jesus vem da transcrição grega (Ἰησου̂ς) do hebr. yesua‘, forma tardia de yhõsua‘ ou yõsua‘, nome judaico frequente (“Javé é/dá salvação”). As seguintes pessoas bíblicas tem esse nome: Josué (Jos passim, IMac 2,55; At 7,45; Hbr 4,8); um levita do tempo de Ezequias (2Cron 31,15); um sacerdote (lCron 24,11); vários contemporâneos de Zorobabel (Esd 2,6), Esdras (3,9) e Neemias (8,7); o sumo sacerdote — Josué (Zac 3,1 etc.); um dos antepassados de Jesus Cristo (Lc 3,29); cf. ainda Jesus, filho ou neto de Sirac (Eclo 50,27), Jesus Barrabás (conforme muitos mss), Jesus o Justo, um colaborador de S. Paulo (Col 4,11), As palavras do anjo em Mt 1,21 aludem ao sentido do nome hebraico: ele (Jesus) há de libertar seu povo, já não de inimigos políticos (SISal 17,22.24s) mas dos seus pecados (Sl 130,8).   
(A) As fontes e seu valor. Em todos os tempos fizeram-se tentativas para redigir uma biografia coerente de Jesus Cristo (o diatéssaron de Taciano, as narrações edificantes da Idade Média, os ataques racionalistas do autores dos séculos X V III e XIX, como H. S. Reimarus, D. F. Strauss, E. Renan, e afinal as obras apologéticas mais re centes de um Grandmaison, K. Adam, ou G. Ricciotti). Devemos, porém, dar razão a Jesus Cristo-M. Lagrange, quando julga que é impossível compor uma biografia histórica de Jesus Cristo, com valor científico.
Esta impossibilidade deve-se à natureza das fontes, que enquanto não-cristãs são muito parcas, e enquanto cristãs, constituem um gênero historiográfico muito particular: 
(1) Das fontes não-cristãs merecem menção dois (ou três?; Suet., Vita Claudii 25,4 é duvidoso) textos latinos, em que o nome de Jesus Cristo é citado. É importante o testemunho de Tácito (75-120 dC) a respeito dos mártires sob Nero, chamados chrestiani, “por causa de Cristo que foi crucificado sob Pôncio Pilatos” (Ann. 3,15, 44). Algum valor tem também um texto de Plínio Júnior (61-114 dC), o qual menciona um culto de Cristo como Deus (carta a Trajano; Epist. lib. 10,96). Entre os testemunhos judaicos o de Flávio Josefo é o mais importante. Men ciona o martírio de Tiago, “irmão daquele Jesus que é chamado Cristo” (Ant. 20,9,1; cf. Euseb., Hist. eccl. 2,23,21). A longa passagem em Ant. 18,3,3 referindo-se aos milagres e à ressurreição deve-se provavelmente a uma interpolação cristã; certamente devemos dizer isso da tradução eslava desta passagem. A literatura rabínica contém alguma alusões a Jesus Cristo e ao jovem cristianismo: As palavras de Rabis dos primeiros séculos da nossa era. Mesmo o grosseiro “Toledot Jesua” (Vida de Jesus), embora contendo numerosas lendas que hoje nenhum autor judeu toma mais a sério, supõe a existência histórica do Rabi nazareno. 
(2) Quanto às fontes cristãs, devemos sempre levar em conta o caráter particular de tais escritos. As fontes principais são os quatro Evangelhos canônicos. S. Paulo, embora algumas de suas cartas sejam cronologicamente mais antigas (a partir de 51/52), com certeza não conheceu Jesus pessoalmente (converteu-se em 34/36). Tudo o que relata sobre Jesus Cristo, o seu nascimento (Gál 4,4; Rom 1,3), sua descendência de Abraão (Gál 3,16), e da família de Davi (Rom 1,3), sua vida santa (ICor 11,1; 2Cor 5,21), sua mansidão (10,1), sua morte na cruz (Gál 3,1.13; ICor 2,2), por amor aos homens e por obediência a Deus (Flp 2,8; Gál 2,20), seu sepultamento e a ressurreição no terceiro dia (ICor 15,4), tudo isso o apóstolo o sabia pelo seu contato com os cristãos de Damasco e com Pedro e Tiago (Gál 1,17-19). Repetidas vezes S. Paulo mostra conhecer a mensagem evangélica; compare-se ICor 7,10s com Mc 10,lls; Lc 16,18 ou ICor 9,14 com Lc 10,7s ou ITes 4,8 com Lc 10,16 ou Gál 4,17 com Mt 23,13 ou Gál 6,2 com Mc 9,35 ou Rom 2,14 com Mc 5,44.
As cartas de S. Paulo, portanto, atestam quão firme e minuciosa já era a tradição antes de ser assentada nos Evangelhos. Os quatro Evangelhos canônicos, no entanto, baseiam-se no testemunho dos discípulos imediatos de Jesus Cristo e na catequese primitiva. Querendo determinar o valor histórico dos Evangelhos como fontes para uma “Vida de Jesus Cristo”, não poderemos perder de vista a maneira como se formaram estes escritos (Veja: Evangelhos). Depois da morte de Jesus Cristo os discípulos inicialmente nem pensaram em fixar por escrito a vida e a doutrina de seu Mestre. Estavam tão cheios de tudo isso que sua memória lhes sugeria todos os argumentos necessários para a evangelização. Narrando as palavras e os atos de Jesus Cristo, a sua principal preocupação era comunicar os fatos e o seu sentido; contavam as coisas ocasionalmente, sem prestar atenção à ordem cronológica. Fazendo se, depois, uma coleção das perícopes oralmente transmitidas (cf. Mc 4,1-34; ou 2,1-3,6) perdeu se pela maior parte o quadro histórico, em consequência dos critérios catequéticos de colecionamento.
Portanto, não tem cabimento a pretensão de deduzir dos nossos Evangelhos uma ordem fixa, cronológica, dos fatos e ensinamentos de Jesus Cristo; os Evangelhos, desde o princípio, não foram escritos como biografias propriamente ditas, mas sim como material de pregação, com uma tese religiosa; como “vade mecum” para os missionários. Não apenas o quarto Evangelho, mas também os sinóticos apresentam uma tendencia teológica (Mt quer provar que Jesus Cristo é Messias; Mc e Jo, que Ele é Filho de Deus); isso, naturalmente, não quer dizer que os fatos relacionados não tenham valor histórico; certamente o tem; pois fundam-se no testemunho indiscutível de testemunhas oculares. Entre os ágrafos há sem dúvida algumas palavras autenticas de Jesus Cristo (p. ex., At 20,35); mas não ajudam muito para compor uma biografia de Jesus Cristo Nem tampouco podem os apócrifos nos dar uma ideia mais exata do desenrolar histórico da Vida de Jesus Cristo: não passam de uns enfeites dos Evangelhos canônicos. 
(B) Esquema cronológico da vida de Jesus Cristo Apesar de serem as nossas fontes o que são, podemos esboçar o seguinte esquema dos principais fatos da vida de Jesus Cristo. 
(1) Jesus Cristo nasceu antes da morte de Herodes Magno (Mt 2,1; Lc 1,5), o qual faleceu na primavera do ano 750 da era romana (4 aC).
A historicidade da pessoa de Jesus Cristo não pode ser posta em dúvida, em que pese aos “mitologistas” antigos, como Volney (1757-1820), Dupuis (1742-1803), Bruno Bauer (1809-1892) ou a escola radical holandesa, e recentes, como P. Jensen; A. Drews, P. Couchoud; G. A. van den Bergh van Eysinga; mesmo os críticos mais avançados (p. ex., R. Bultmann; C. Guignebert; M. Goguel) não se dignam de refutar com uma palavra sequer a negação da existência histórica de Jesus Cristo.
A data mais provável do nascimento de Jesus Cristo parece ser o ano 7 ou 6 antes da era cristã (os cálculos de Dionysius Exiguus tem essa margem de erro). No 15° ano do governo de Tibério (28/29 dC, pois Augusto morreu no dia 19 de agosto 14 dC, ou então 26/27, calculando aqueles 15 anos a partir do tempo em que Tibério ficou co-regente) Jesus Cristo tinha “cerca de trinta anos” (Lc 3,23). — Jesus Cristo nasceu em Belém, a cidade de Davi; durante a sua juventude, porém, ele permaneceu em Nazaré. Deste tempo é menciona da pelo menos uma viagem a Jerusalém. (2) A duração da vida pública de Jesus Cristo é avaliada seja em um ano, seja em dois anos e alguns meses, seja em três anos e alguns meses. A primeira destas opiniões não concorda com a cronologia de Jo, que menciona três Páscoas sucessivas (Jo 2,13.23; 6,4; 13,1). É provável, portanto, que a vida pública de Jesus tenha demorado dois anos e meio. Embora os sinóticos mencionem apenas uma Páscoa explicita mente (Mc 14,12 par.; = Jo 13,11), há neles, contudo, certas indicações de outras Páscoas: a primeira multiplicação dos pães deu-se em uma primavera (Mc 6,39: relva verde), portanto perto de uma Páscoa (a segunda de Jo; 6,4); em Mc 2,23-28 par. colhem-se espigas maduras de trigo, o que supõe o período de março até maio, o tempo pascal. Depois de uma breve preparação (batismo no Jordão e jejum: Mc 1,9-13 par.), Jesus Cristo começa a sua atividade de pregador viajante, sobretudo na Galileia, no norte da Palestina (sua residencia era Cafarnaum, na beira do lago de Genesaré). As atividades de Jesus Cristo durante a sua vida pública abrangem uma dupla missão: 
(a) No princípio de sua vida pública Jesus Cristo pregou repetidas vezes nas sinagogas (Mc 1,39 par.; Mc 1,21; Mt 9,35; Lc 4,16; Jo 6,59), tomando sem dúvida mais de uma vez o texto bíblico que foi lido como ponto de partida para a sua pregação (Lc 4,16-24). Mais tarde foi obrigado a falar ao ar livre (o -+ sermão da montanha; o “sermão no campo” de Lc; numa barca perto da beira do lago). Os seus ouvintes admiravam lhe a sabedoria (Mc 6,2 par.; cf. Lc 4,22) e o conhecimento das Escrituras, que não havia aprendido nas escolas rabínicas (Jo 7,15). Às vezes refutava adversários doutos pelo seu próprio método de exegese (Mt 22,23-32 par.; Mc 12,35-37 par.), ou em virtude de seus próprios princípios (Mt 12,lls par.; Mc 7,5-13 par.). Geralmente, porém, Jesus Cristo não ensinava como os doutores da Lei, mas “por própria autoridade’’ (como um profeta inspirado por Deus; cf. Mc 1,22 par.; Mt 5,22.28.32.34.39.44), enquanto que os outros pregadores alegavam a autoridade de seus predecessores. A doutrina de Jesus Cristo dista o mais longe possível das sutilezas pedantes dos rabis (embora empregando frequentemente expressões rabínicas); ela é maravilhosamente sim” pies, clara e compreensível para o povo (cf. as imagens tiradas da vida de cada dia.
A palavra de Jesus Cristo é sempre concreta, direta, viva, não raras vezes paradoxal e hiperbólica (p. ex., Mc 9,40-48; 10,25; Lc 15,7; Mt 5,39-41; 6,1-8.16-18; 7,3), moldada no ritmo do paralelismo semítico (p. ex., Mt 6,25s; 7,7s; 7,24-27; 11,21-24). Os ensinamentos de Jesus Cristo frisam sobretudo os seguintes temas: a paternidade de Deus para com todos os homens (também os maus e os não-israelitas: (Mt 5,45 par. Mt 4,17 par.; 10,7; Lc 10,9.11). É nisto que, para Jesus Cristo, consiste a “Boa-Nova” (o Evangelho”), que Ele vinha trazer (Mc l,14s; Mt 4,23; 9,35; Lc 4,43; 8,1; 16,16; 20,1; cf. Mt 5,3.10; Lc 7,22 = Mt 11,5). Outros temas: a necessidade de uma ética muito perfeita e interna (Mt 5,22.28.39; 6,14s; 18,23-35: perdoar sempre; Mt 5,44 par.: amar os inimigos; Mt 6,1-18: reta intenção na prática de orações, Mc 8,34-36 par.: perfeita abnegação; Mt 5,33-37: sinceridade, a ponto de o juramento ficar supérfluo). Aos ensinamentos dos fariseus, que, na sua exagerada preocupação com os aspectos exteriores da religião, faziam dela um peso insuportável (Mt 23,4.12-33; cf. At 15,10), a pregação de Jesus Cristo opõe a convicção libertadora de que a entrega incondicional a Deus (Mt 5,48), em humildade (Mc 10,42-44 par.; Lc 22,25s) e desapego aos bens terrestres (Mc 10,29s par.) não é obra do homem sozinho, mas de Deus com ele (Mt 5,6; Mc 10,26s). O Reino de Deus é uma força benéfica (Mt 13,33) que desde já opera na pessoa de Jesus Cristo, o vencedor do diabo (Mt 12,28 par.; cf. Lc 10,18). Pois, durante sua pregação, Jesus Cristo já estava profundamente compenetrado do fato de ele mesmo ocupar um lugar central no anúncio da salvação; isso se evidencia sobretudo pelas repetidas predições da paixão, em que sua morte, de antemão, é interpretada como sacrifício expiatório voluntário (Mc 8,31-33 par.; 9,30-32 par.; 10,32-45 par.). 
(b) Além de ser pregador viajante, Jesus Cristo se apresenta, durante sua vida pública, na qualidade de taumaturgo. Nos quatro Evangelhos 41 milagres ou grupos de milagres lhe são atribuídos (24 em Mt; 22 em Mc; 21 em Lc; 9 em Jo). Ao lado de alguns milagres na natureza (acalmar a tempestade, andar sobre as águas, a multiplicação dos pães, a mudança de água em vinho, a pesca milagrosa) são mencionadas muitas curas de enfermos e expulsões de demônios, e três ressurreições de mortos.
Esses milagres ocupam lugar relevante nos Evangelhos, formam uma parte essencial das narrativas sobre a atividade de Jesus Cristo e estão em íntima relação com a sua missão: não podem, portanto, ser riscados sem fazer violência à história de Jesus Cristo (aliás, baseiam-se no testemunho de testemunhas oculares fidedignas). Por sinal, nenhum dos contemporâneos de Jesus Cristo os negava (cf. At 2,22s; 10,38), nem mesmo os seus adversários, os quais os interpretavam como a obra de um demônio poderoso (Mc 3,22 par.). Para certos críticos modernos não-católicos, porém, os milagres formam um tropeço, pois, na opinião deles, o milagre é “impossível” (R. Bultmann). Os antigos críticos liberais explicavam todas as narrativas sobre milagres simplesmente como lendas, eliminando-as da “verdadeira história” de Jesus Cristo Os críticos atuais são mais modestos: os fautores do método da Formgeschichte opinam que as narrativas evangélicas sobre milagres são da mesma natureza que narrativas semelhantes da antiguidade grega e judaica, e consideram-nas como criações da primitiva comunidade cristã.
Outros explicam as curas milagrosas de Jesus Cristo como efeito de sugestão (a “fé que salva”), mas então todas as pessoas cura das por Jesus Cristo deveriam ter sido uns neuróticos que só tivessem sofrido de incômodos funcionais auto-sugestivos (não de doenças orgânicas), o que não condiz com as informações dadas pelas testemunhas oculares. Nem tampouco pode-se supor fraude, seja em Jesus Cristo, seja nos miraculados; isso é incompatível com a conduta irrepreensí­vel de Jesus Cristo (cuja sinceridade até os adversários reconheciam: Mt 22,16) e com a simplicidade dos meios que usava (geralmente uma simples palavra, a imposição das mãos, às vezes saliva, ou saliva misturada com terra, de vez em quando uma cura em distância). E ’ possível que os discípulos de Jesus Cristo, da mesma maneira como os contemporâneos, tenham atribuído à intervenção imediata de Deus ou a uma força divina certos fatos maravilhosos, que poderiam ser explicados por forças naturais desconhecidas a eles. O conjunto, porém, dos milagres de Jesus Cristo não pode ser explicado deste modo. As narrativas evangélicas de milagres incluem sempre uma fé incondicional, i. é, não apenas confiança no poder de Jesus Cristo, mas a aceitação de sua missão divina (Mc 2,10-12; Lc 7,47-50: a remissão dos pecados): lá onde não encontra fé, Jesus Cristo não pode fazer milagres (Mc 6,5; Lc 7,9). 

(c) Por causa dos seus milagres Jesus Cristo foi considerado profeta (Mc 6,15; Mt 16,14). É um fato, outrossim, “que Jesus Cristo possuía uma presciência sobrenatural: Ele “lia nos corações” (Mc 2,6-8 par.; Jo 1,45-50; 2,24s; 6,70; 13,10s.l8s.21), coisa que, conforme o AT, é apanágio de Deus (Jer 17,9s); descreve de antemão o sinal pelo qual os discípulos conhecerão a casa, destinada para a Última Ceia (Mc 14,12-16); anuncia a traição de Judas (Mc 14,18 par.; Jo 6,70; 13,10s.l9.21) e a negação de Pedro (Mc 14,30 par.); profetiza a destruição do templo (Mc 13,2-23). 
(3) Paixão e morte. Jesus Cristo foi crucificado por Pôncio Pilatos, procurador da Judeia entre 26 e 36, numa sexta-feira que caia no dia 14 ou 15 de Nisan. Calculou-se que 14 ou 15 de Nisan caíram muna sexta-feira nos anos 29 (14 de Nisan i!i de março), 30 (15 de Nisan = 7 de abril), 31 (15 de Nisan = 27 de abril), 33 (14 de Nisan = 3 de abril), 34 (15 de Nisan = 23 de abril). Os anos de 33 e (sobretudo) de 30 é que são os mais cotados. Sobre a data da refeição em que Jesus Cristo se despediu de seus discípulos.
A hora da morte de Jesus Cristo é indicada por Mc 15,25 como “por volta da terceira hora” (o que pode significar: “na segunda metade da manhã”), Jo 19,14, porém, coloca a conde nação por Pilatos “na sexta hora” (i. é, ao meio dia. Jo 4,6.52; 11,9 mostram que o quarto evangelista conta as horas de acordo com o sistema judaico, q.d.: a partir do nascer do sol). Conforme os tres sinóticos (Mt 27,45 par.) Jesus ficou pregado na cruz, da sexta até à nona hora (das 12 às 15 horas)
Só aos poucos os cristãos chegaram ao conhecimento e à compreensão do mistério da pessoa de Jesus Cristo Para descrever de modo mais ou menos completo o conteúdo deste mistério, devemos levar em conta três pontos de vista diferentes: (a) Podemos considerar que impressão Jesus Cristo deve ter feito, global mente, nos seus contemporâneos; (b) depois pode-se interpretar a pessoa de Jesus Cristo segundo as categorias do AT; e (c) afinal devemos citar a visão especificamente cristã. 
(A) Inspirando-nos nos Evangelhos podemos esboçar “o homem Jesus Cristo” (ITim 2,5) da seguinte maneira. A aparência externa de Jesus Cristo não está descrita nos Evangelhos, mas deve ter sido simpático e atraente; aquela exclamação, cheia de admiração, de uma mulher do povo (Lc 11,27), certamente não se referia exclusivamente aos privilégios espirituais de Jesus Cristo; confirma-o também a profunda impressão que Jesus Cristo fez na multidão, logo quando se apresentou em público. Deve ter tido um corpo sadio, resistente ao frio e ao calor, à fome e à sede, e aos cansaços de viagens exaustivas a pé, pelos trilhos nas montanhas palestinenses, os cansaços, também, de sua atividade ininterrupta entre o povo, que não o deixava sossegado e mais de uma vez nem lhe deixava tempo para comer (Mc 3,20; 6,31). Qualidades espirituais: uma grande inteligencia e uma vontade de aço (Lc 9,26); a consciência que tinha da sua missão (desde a juventude: Lc 2,49) era intensa: sabia ter “vindo” para enveredar pelo caminho da abnegação e do sacrifício, por amor ao Pai (cf. as tentações: Mt 4,1-11 par.; Mc 10,45 par.; Mc 3,31; 8,32.33). Possuía o temperamento de um líder; não trouxe a paz mas a espada (Mt 10,34); reage às vezes com veemência contra aqueles que se opõem às suas ideias e à sua missão (Mc 3,5; 8,33; 10,44; 11,15), particularmente contra os fariseus (flagela-os com palavras duríssimas: Mt 24,4-33). E no entanto, diz a plena verdade, afirmando que é manso e humilde de coração (cf. Jo 13,4-16; Lc 22,27), que alivia os que estão aflitos e sob o fardo (Mt ll,28s). Para com os infelizes mostra uma compaixão inesgotável (Mc 2,7; 6,34; 8,2): seu amor se dirige sobretudo aos pobres, os humildes, os oprimidos (Lc 6,20.21), os pecadores (Mc 2,5; Lc 7,48; Jo 8,1-11), os desprezados e os párias (Mc 2,15; Mt 11,19; 21,31s). De outro lado, não tem ilusões a respeito dos homens: conhece lhes a fraqueza e a malícia (Mt 7,11; Jo 2,24s); mas, precisamente por causa disso, sempre per doa (Mt 18,22), mesmo àqueles que lhe cospem no rosto, e a seus algozes (Lc 23,34). O Pai celeste ocupa na vida de Jesus Cristo não apenas o primeiro lugar, mas um lugar absolutamente único, do que não partilha, nem de longe, criatura alguma; nenhum de seus discípulos, nem mesmo sua mãe (Lc 2,49; Mc 3,33; Jo 2,4), a quem, no entanto, ama com ternura; sua vida é ali mentada pelo cumprimento da vontade e do agrado do Pai (Jo 4,34; 5,36; 17,4; Mt 4,4). Em bora visando sempre as coisas sobrenaturais (mereceu o título de “o maior contemplativo da humanidade”), o seu olho ve as coisas pequenas e mínimas desta terra e seu coração alegra-se pelas flores do campo. Aos seus contemporâneos e a nós Jesus Cristo aparece como uma personalidade dotada de aptidões extraordinárias, forte, equilibrado e atraente, uma personalidade de cujo equilíbrio psíquico e bom-senso não é permitido duvidar. Contudo, há na sua vida muitos fatos e palavras que o tomariam um enigma inexplicável, se não fosse mais do que um homem apenas superior ao comum dos homens. 
(B) É natural que os apóstolos e os primeiros cristãos tenham tentado interpretar a figura misteriosa de Jesus Cristo primeiramente nas categorias do AT: para eles os livros sagrados da Antiga Aliança eram escritos garantidos por Deus: por isso foi nos termos desses escritos que eles formularam pela primeira vez a sua própria experiência cristã. Aliás, o próprio Jesus Cristo reconhecia a autoridade da Lei e dos Profetas (Mc 5,7): usa as suas palavras como argumentos (p. ex. Mc 12,18-27.29.31.35-37; Jo 10,34s), cita-os (p. ex. Lc 4,17-21.25-27; Mc 7,6.10; 10,6s), censura os fariseus por transgredirem um mandamento divino (Ex 20,12; 21,17) para seguir a “tradição dos antigos” (q.d. o conjunto de prescrições dadas pelos rabis anteriores, como interpretação da Lei, e que alguns escribas respeitavam mais do que a própria Lei: cf. Mc 7,1-14 par.). A Escritura é para Jesus Cristo, como para os judeus de seu tempo, a Palavra de Deus, que deve ser observada (Mt 22,24-40; Mc 12,23-34; Lc 10, 25-28; 16,29) e não pode ser rejeitada (Jo 10,35).
(1) Apesar do grande respeito que Jesus Cristo mostra pelo AT e até pela autoridade doutrinai dos escribas (sucessores de Moisés: Mt 23,2s), constatamos nos Evangelhos uma inegável consciência de superioridade frente ao judaísmo. Jesus Cristo, como mestre independente, não apenas desaprova a exagerada preocupação farisaica com as prescrições rituais e os demais aspectos exteriores da religião judaica (Mt 16,12; Mc 3.1-4 par. sobre o descanso do sábado); não apenas pouco se incomoda com a pureza ritual (toca num leproso: Mc 1,41; deixa seus discípulos comerem sem lavarem as mãos: Mc 7.2-13; convive com pecadores e publicanos: Mc 2,15-17; transfere a noção de impureza para a esfera moral: Mc 7,15-23; Mt 22,37-40; Lc 10,28); não apenas prevê que a religião há de tomar-se independente do templo (Jo 4,23-24; o templo será destruído: Mc 13,2 par.); mas acima de tudo isso Ele tem a clara consciência de sua missão especial frente ao AT: “Não julgueis que vim abolir a Lei e os Profetas; não vim para os abolir mas para levá-los à perfeição” (Mt 5,17). Este “levar à perfeição” consiste em realizar plenamente aquilo que o Legislador divino visou desde o princípio (Mt 5,31s); nesse sentido a Lei antiga, na sua totalidade, nunca dei xará de existir, enquanto houver céu e terra (Mt 5,18; cf. Lc 16,17). 
(2) A “perfeição”, trazida por Jesus Cristo, consiste em primeiro lugar na sua própria pessoa enquanto Ele é a realização completa do messianismo do AT. Pois Jesus Cristo é, por excelência, “o Messias”, i.e, “o Ungido”, “o Cristo” (sobre o sentido desta palavra e sobre as concepções do AT e do judaísmo). 
(a) Jesus Cristo estava sem dúvida consciente de sua dignidade messiânica; compreendia a sua missão, desde a sua infância (Lc 2,49). Evitou, no entanto, aplicar a si mesmo termos explicitamente messiânicos, porque títulos como “Messias” ou “Filho de Davi” suscitariam entre os judeus, seus ouvintes, expectativas de domínio político e prosperidade material, que Ele havia rejeitado logo, como vindas do espirito maligno (Mt 4,1-11 par.). Desde o principio de sua vida pública Jesus Cristo rejeita as tentações do demônio, que queria levá-lo a cumprir a sua missão messiânica de acordo com as esperanças populares de seus contemporâneos (agradando às multidões, ávidas de milagres, por prodígios espetaculares; sendo um poderoso Messias-rei político, que subjugasse todos os povos do mundo ao seu domínio). Para evitar qualquer mal-entendido, Jesus Cristo faz calar todas as confissões messiânicas prematuras (Mc l,24s.34.44; 2,lis; 5,43; 7,36; 8, 26.30; 9,9) e não quer ser proclamado rei (Jo 6,15). 

(b) Só pelo fim de sua vida, quando todos já podiam ter uma noção bem definida da sua concepção de messianismo, Jesus Cristo deixou-se proclamar publicamente como Messias. Essa concepção pessoal, Ele a concretizou no nome misterioso com que se caracteriza a si mesmo, a saber, o nome de “Filho do Homem”. Por esta expressão, que remonta à figura celestial e gloriosa de Dan 7,13s, mas alude igualmente à humilhação e aos sofrimentos que Ele, segundo o plano divino, “devia” tomar sobre Si (Mc 8,31; Lc 17,25; 24,7), Jesus Cristo quis patentear que sabia ser o “homem das dores” que pela sua morte voluntária havia de entrar na glória (Lc 24,26). O termo “Filho do Homem”, por tanto, pelo seu duplo significado, resume de modo magnífico o “Pasha” de Jesus Cristo (a “passagem” através do sofrimento e da morte para a ressurreição e a glória). De um lado Jesus Cristo exprime por esse termo que um dia estará “assentado à mão direita da Força (i. é: que participará do poder real de Deus; cf. Sl 110,1; Dan 7,14), e vindo nas nuvens do céu” (cf. Dan 7,13) (Mt 26,24 par.). Jesus Cristo sabe portanto que será o poderoso Juiz do mundo (Mc 8,38; cf. Dan 7, 18.22.27; Hen 61,8; 62,2; Mt 25,31; 24,27,30s.37), e é precisamente por reivindicar a realeza divina (o que os sinedritas interpretaram como atentado contra os direitos de Deus, e por conseguinte como blasfêmia), que Jesus Cristo foi condenado à morte (Mc 14,62-64 par.; cf. Lc 22,66-71). De outro lado, porém, o título “Filho do Homem” sugere a humilhação e os sofrimentos de Jesus Cristo “O Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida como resgate por muitos” (Mc 10,45; cf. Lc 19,10); “O Filho do Homem deve sofrer... e ser morto, e ressuscitar depois de três dias” (Mc 8,31-33). Esse aspecto de humilhação exprime-se também no termo “Servo de Javé”, cuja missão Jesus Cristo “cumpre”, não apenas anunciando a “Boa-Nova” da salvação (Lc 4,18-21 = Is 61,ls; 58,6) e trazendo alívio para todos os oprimidos e aflitos (Mt 11,2-6 par. = Is 61,1; 35,5s; 29,18s), mas sobretudo sendo o servo de todos e dando sua vida como resgate (Mc 10,45 par. = Is 53,10), numa paixão em prol dos outros (Mc 9,12 = Is 53,3-6). 

(c) Uma vez apenas, no fim de sua carreira terrestre, Jesus Cristo aceitou ser aclamado com um título explicitamente messiânico: na entrada solene em Jerusalém, não proibiu que o povo o chamasse de enviado de Deus, restaurador da casa de Davi (Mc lljte; Lo 19,38s), “filho de Davi” (Mt 21,9). Aliás, mesmo nesta ocasião patenteou mais uma vez que não queria agir como rei belicoso e vitorioso, mas sim como soberano manso e pacífico (Zac 9,9: “humilde, montado num jumento”). 

(d) A convicção pessoal de Jesus Cristo a respeito de sua messianidade é partilhada também pelos evangelistas. Todo o Evangelho da Infância pretende demonstrar que Jesus Cristo é o Messias predito pelos profetas (Lc l,32s: filho de Davi; cf. - Lc 1,27; 2,4; Mt 1,16.18; nascimento em Belém, cidade de Davi: Mt 2,1; cf. Miq 5,1; Lc 2,4-7). Em diversas ocasiões os evangelistas viram uma confirmação, da parte de Deus, da dignidade messiânica de Jesus Cristo: na pregação de S. João Batista (este prepara o caminho: Mc l,2s; 3,5; Lc 3,4s; cf. Mal 3,1; Is 40,4s; anuncia a vinda de um que será maior, que há de executar o juízo final em “espírito e fogo”: Mt 3,lls par.; cf. Is 4,4; Ez 36,25-27); na proclamação solene de Jesus Cristo como Messias por ocasião do batismo (Mc 1,11 par.: “Filho bem-amado”; At 10,38: “Ungido com o Espírito Santo”, de acordo com Is 11,2; 42,1; 61,1); na transfiguração (Mc 9,2-8 par.: essa glorificação, logo depois da predição dos sofrimentos, corresponde ao batismo, for mando como que a coroação da missão messiânica de Jesus Cristo); e, em certo sentido, também a ressurreição (cf. o “estar assentado à mão direita de Deus” em At 2,33; 5,31; 7,55). 
(C) Mencionando a ressurreição já chegamos ao modo especificamente cristão de encarar a misteriosa personalidade de Jesus Cristo Na medida em que os primeiros cristãos penetravam mais profundamente na revelação, a reflexão teológica fez ressaltar diversos aspectos da natureza de Jesus Cristo que, embora tendo suas raízes no AT, contudo transcendem decididamente as expectativas conscientes da Antiga Aliança. Na definitiva concepção cristã da figura de Jesus Cristo podemos distinguir os seguintes três títulos que, juntos, definem a sua pessoa: (1) Jesus Cristo é “o Senhor”; (2) Ele é “Filho de Deus”; e (3) afinal, Ele é consubstanciai com Deus Pai. 
(1) No termo “Senhor” devemos ver muito mais do que um título honroso dado a rabis e pessoas importantes (Mt 21,3 par.); indica antes o pleno poder régio de Jesus Cristo, em que o Pai o constituiu (At 2,36; 10,42; Jo 5,22). Deus (i.é, o Pai) deu-lhe todo o poder e exaltou-o (Mc 16,19; Mt 28,18; At 2,33; 5,31; 7,55; Ef 1,20-22), a ponto de lhe comunicar o próprio poder régio divino. Na expressão “Nosso Senhor Jesus Cristo” conservou-se esse sentido fundamental da palavra “Senhor”, significando a realeza do Cristo res suscitado. E, porque o Cristo glorioso participa da realeza divina, aplicam-se a Ele no NT textos do AT em que o termo “Senhor” indica Javé (cf. lPdr 2,3 com SI 34,9; ICor 10,9 com SI 95,8s; Mc 1,2 com Is 40,3; etc.). 
(2) Na terminologia especificamente cristã Jesus Cristo é chamado também “Filho de Deus”. Embora a noção de “Filho de Deus” tenha sido muito frequente no Oriente Antigo e no AT (geral mente no sentido de filho adotivo, como no caso do rei: 2Sam 7,14; Sl 2,7; e do povo: Ex 4,22; Jer 31,9; Sab 9,7; 18,13), não parece ter sido usado pelos judeus para indicar o Messias. Portanto, quando aplicam esse título a Jesus Cristo, os cristãos se referem ao caráter divino de sua pessoa (o Messias nunca fora considerado, no AT, como estritamente divino). Nos sinóticos a expressão encontra-se 24 vezes, sempre na boca de Deus, dos ouvintes, dos possessos e de Satanás, nunca na boca do próprio Jesus Cristo (Ele mesmo usa o termo “o Filho”, sem mais: Mt 11,37; 24,36; só em Jo Jesus Cristo usa 6 vezes o título “Filho de Deus” falando sobre si mesmo; os outros 24 vezes). Nos sinóticos a expressão indica raramente o Messias transcendental (Lc 1,32; 4,41; Mt 16,16; 14,33; — Lc 23,47 é um texto à parte); nas cartas paulinas, porém, em Hbr e nos escritos joaninos ela ganha claramente o sentido de que Jesus Cristo desde toda a eternidade é o Filho consubstanciai do Pai (cf. Lc 1,35: “Filho do Altíssimo”; Mc 1,11; 9,7; “o bem-amado”, i. é, o “único filho”). Em Jesus Cristo habita o poder real de Deus Pai (Mt 12,28; Lc 22,69); o poder de fazer milagres, Ele não o implora a Deus, mas dispõe dele soberana mente (Mc 2,11: “Eu te digo”); sua palavra permanecerá eternamente (Mc 13,31).


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