Demônios e Exorcismo em Paulo
DEMÔNIOS E EXORCISMO
No grego helenístico, daimones (masculino) e daimonia
(neutro) designavam seres senridivinos com poderes de vários tipos, bons
ou maus, de modo semelhante ao nosso uso popular da palavra espírito.
A LXX usou demônios (daimonia) para designar deuses pagãos,
como epíteto de desprezo. No período helenístico, o judaísmo adotou
o termo e usou-o para designar seres sobrenaturais maus que causavam
dano físico de todo tipo e também induziam as pessoas à tentação para
a idolatria, bruxaria (ver Magia), guerra e outras coisas que
as mantinham afastadas de Deus. Fílon e Josefo, no entanto, seguiram o uso
grego mais antigo (daimõn = deus/anjo/espírito). A literatura
judeu-helenística mais tardia concebia os demônios em geral como anjos
caídos (ver Autoridades e poderes); eram chamados “anjos” ou
“espíritos” (pneumata) e, quase sempre, associavam-se à obra de
Satanás.
O cristianismo primitivo herdou do judaísmo esse uso
de daimonion e, por isso, no NT, foi usado quase exclusivamente o termo
neutro (só Mt 8,31 usa o masculino). Paulo compartilhava a visão judeu-cristã
de demônios, embora raramente apareça o termo real daimonia (5
vezes, todas, exceto uma, em ICor).
1. Demônios
2. Exorcismo
1. Demônios
Em 1 Coríntios 10,14-22, Paulo tirou uma lição e uma
advertência da apostasia de Israel no deserto (1 Cor 10,1 -13; cf. Ex 32,6) com
uma aplicação a problemas atuais na Igreja cormtia: a saber, que certos
cristãos coríntios participaram de festas pagãs realizadas nos templos de
seus deuses (ver Religiões). Parece que acreditaram poder
participar de tais festividades com impunidade 1) porque possuíam o forte
“conhecimento” cristão de que há um só Deus e os ídolos são, na verdade,
sem “valor” (ICor 8,4-7; 10,19) e 2) porque seu batismo e a “comunhão com
Cristo” (veja Solidariedade) na Eucaristia (ver Ceia do
Senhor) lhes deram uma posição celeste de imunidade irrevogável,
independentemente de sua conduta (subentendida nos argumentos paulinos
contrários de ICor 10,1-6 e em ICor 10,21-22; cf. ICor 6,12-20; 10,23).
Paulo respondeu que, embora uma imagem idólatra não
tenha nada do valor a ela atribuída pelos gentios (ICor 10,19), e embora o
objeto de seu sacrifício não fosse realmente um deus (ICor 10,20; cf.
ICor 8,5-6), também o ato de sacrifício ou participação nele não é uma
questão de indiferença. Por trás da atração do culto pagão, com suas
cerimônias, seu alimento (a carne era uma raridade para a maioria dos
trabalhadores) e sua vida social, estava a atividade dos poderes sobrenaturais
malignos, os daimo-nia, ou demônios (ICor 10,20-21; cf. ICor 12,2).
E, do mesmo modo que os atos “cultuais” da Ceia do Senhor estabeleceram
uma nova realidade, uma nova Aliança com o Senhor do universo, também a
participação em atos de comer e beber relacionados a cultos (“taça
dos demônios” e “mesa dos demônios”, ICor 10,21) violava a koinõnia,
ou comunhão (ver Solidariedade) com Cristo, e estabelecia uma
nova realidade em comunhão com poderes malignos inferiores. Os corretivos
paulinos mostravam aos coríntios o perigo de seus excessos: seus
atos imoderados revelavam uma perigosa presunção da graça divina
paralela ao pecado de Israel no deserto, e eles provocavam
conseqüências similares para si.
O tema de que o sacrifício pagão era dedicado a
demônios tem provavelmente uma alusão em Gálatas 4,8-10, que afirma terem os
gála-tas servido outrora “a deuses que, por sua própria natureza, não o são”.
Entretanto, não é incontestável que a palavra elementos (stoicheia, Gl
4,9; ver Elementos/espíritos elementais do mundo) se refira a seres
celestiais. Podería também ser uma figura de linguagem depreciativa e
talvez designasse a religião judaizante dos intrusos. Os estudiosos
discordam se Paulo quis ou não se referir a poderes demoníacos ao falar
dos “príncipes deste mundo” (ICor 2,6; ver Autoridades e poderes)
que perecem, que não têm a sabedoria de Deus e que crucificaram
o Senhor da glória (1 Cor 2,8) — embora a última característica
sugira governo humano.
O uso de espíritos (pneumatd) para demônios
e o tema de demônios que afastam a humanidade de Deus por meio de
sedução, como vemos em 1 Timóteo 4,1, eram bem conhecidos no judaísmo e no
cristianismo primitivo. 1 Timóteo considera que a atividade demoníaca existe
não só no paganismo, mas passou a existir também na Igreja, atraindo
alguns com sedução doutrinai.
2. Exorcismo
Em Atos 16,16-18, em Filipos, Paulo e Silas foram
perseguidos por uma jovem criada possuída por um espirito que lhe
possibilitava profetizar (ver Profecia). Diziam que ela tinha um
“espírito píton” (At 16,16, pneuma pythõna), provavelmente o jeito de
seus patrões afirmarem que sua profecia era tão boa quanto a de Delfos (py-thõ-
sendo uma designação grega para Delfos ou o deus Apoio). Ela proclamava,
de uma forma que faz lembrar alguns dos possessos que encontraram Jesus,
que os apóstolos eram “servos do Deus Altíssimo”. Não está claro se seus
patrões esperavam que os apóstolos lhes pagassem por essa propaganda
grátis ou se Lucas quis mostrar uma tentativa demoníaca de rotular
e, assim, obter poder sobre os missionários. Em todo caso, Paulo
reconheceu a fonte como demoníaca e expulsou o espírito “em nome de Jesus”
(At 16,19). É significativo que, já nessa data, as fórmulas de exorcismo
incorporassem o nome de Jesus, o que indica que os
cristãos primitivos já consideravam Jesus divino (cf. ICor 1,2 e a
invocação dos nomes de divindades nas fórmulas pagãs de exorcismo, e.g., PGM 1,27-29.212.220-221.265;
11,285-287).
Paulo não mencionou explicitamente o exorcismo em nenhuma
passagem de suas cartas; mesmo assim, está claro que ele acreditava
que poderes malignos agiam em nível cósmico (Rm 8,38-39; Ef 6,10-18;
ver Autoridades e poderes), na sociedade humana (ICor 2,6-8) e em
indivíduos (observar sua caracterização do pecado como um poder estranho
interior, Rm 6,17-18; 7,14-20; Ef 2, 1-2; cf. 2Cor4,4). Está
igualmente claro que ele acreditava que Cristo tinha triunfado (ver
Triunfo) e que Deus tomaria completa sua vitória sobre essas forças (Rm
16,20; ICor 15,20-28; Fl 2,9-11; Cl 2,15). O Espírito Santo (ver
Espírito Santo) traz para os fiéis os benefícios da vitória de Cristo e supera
a tirania das forças do mal (Rm 8,3-4.5-9; Ef 6,10-18). É possível
que Paulo incluísse o exorcismo entre os “sinais” (2Cor 12,12) ou os
feitos do poder do Espírito aos quais ele se referiu de modo geral (ICor
2,4; 12,9-10; Gl 3,5; lTs 1,5).
Ver também Elementos/espíritos elementais do mundo; Carne; Cura, doença; Espírito
Santo; Magia; Autoridades e poderes; Satanás, diabo; Triunfo.
bibliografia: D. Aune. “Demon”. ISBE 1,
919923; H. D. Betz. The Greek Magical Papyri in Translation, Including the
Demotic SpeUs. Chicago, University of Chicago, 1986; F. Brenk. “In the
Light of the Moon: Demonology in the Early Imperial Period”. ANRW
2,16,3, 1986, 20682145; C. Colpe et al. “Geister (Dãmonen) '. RAC 9,546-797,
esp. 688-700; H. Conzelmann. 1 Co-rinthians. Hermeneia, Philadelphia,
Fortress, 1975; M. Dibelius. Die Geisterwelt im Glauben des
Paulus. Gõttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1909; G. D. Fee. The
First Epistle to the Corin-thians. NICNT, Grand Rapids, Eerdmans,
1987; W Foerster, “Saípcov ktà”. TDNT [I, 1-20.
T. Paige