Estudo sobre João 19

Estudo sobre o Evangelho de João





João 19

19.1. Então Pilatos mandou açoitar Jesus: Em outros textos (cf. Mc 15.15), Jesus é açoitado depois de ser pronunciada a sentença (embora João não diga expressamente quando a sentença foi pronunciada, isso é sugerido em 19.13-16). A implicação do relato de João é que Pilatos esperava ou satisfazer os judeus sem conceder a pena capital ou, então, obter evidência direta de Jesus sob tortura, v. 3. chegando-se a ele (gr. êrchonto pros autony. As palavras parecem nos contar que os soldados fizeram uma reverência irônica. Que tudo isso fazia parte de um “jogo do rei”, está evidente em Jerusalém hoje, onde há um tabuleiro marcado sobre pedras perto de Gábata (cf. v. 13). Sua zombaria, provavelmente, é dirigida tanto contra os judeus em geral quanto contra Jesus em particular. Se os soldados romanos entendiam as implicações do julgamento, é difícil saber.
v. 5. Eis o homem!: O momento mais doloroso até esse ponto. O apelo final aos sentimentos mais nobres dos judeus não passa despercebido. João, além disso, registra isso como parte da mensagem cristã; aqui, em Jesus, a perfeição da humanidade é retratada tragicamente no ponto do seu auto-sacrifício. Talvez, também, esteja em vista aqui o propósito antidocético do evangelista, v. 6. Levem-no vocês: Pilatos está determinado a exasperar os judeus ao máximo. Ele sabe que eles não têm autoridade para crucificá-lo; mas, ao exigirem a crucificação, entregaram Jesus aos romanos para que estes decidam, v. 7. Temos uma lei [...] ele deve morrer. Cf. Lv 24.16. Os judeus agora voltam à acusação religiosa por verem o aparente fracasso da acusação política, v. 9. De onde você vem?: Pilatos está com medo. Sua pergunta é interpretada por João em dois níveis. Jesus não dá resposta alguma (cf. Mc 15.5; 14.60,61; Lc 23.9), visto que agora Pilatos não está propenso a ceder a uma resposta que o Senhor lhe dê, mesmo que ele entendesse alguma coisa da origem divina da missão de Jesus.
v. 11. Não terias nenhuma autoridade sobre mim, se esta não te fosse dada de cima: Jesus quer dizer que Pilatos é uma ferramenta sob controle divino (cf. Rm 13.1ss). Assim, também, era Caifás. Mas o erro de Caifás fez toda a ação dramática entrar em operação, de modo que ele é culpado de pecado maior. v. 12. A resposta dos judeus a Pilatos agora realmente força sua decisão. Assim, ele leva Jesus para diante da cadeira do juiz (gr. bêma, tribunal, v. 13; cf. Rm 14.10; 2Co 5.10), pois somente dela podia ser pronunciada uma sentença, v. 13. sentou-se [...] num lugar conhecido como o Pavimento de Pedra: A localização exata não é conhecida, embora tenhamos razões para acreditar que parte do Pavimento (gr. lithostrõtos) ainda esteja visível debaixo do Arco de Ecce Homo (cf. NBD, p. 445). Apesar de sugestões contrárias, precisamos entender que o próprio Pilatos sentou ali, embora o verbo (gr. ekathisen), usado transitivamente, pudesse significar “fez [Jesus] sentar”. O evangelho docético segundo Pedro (final do século II) interpreta o termo no segundo sentido. A ação do procurador nesse ponto muito provavelmente não foi leviana, mas a ideia de que o verbo foi usado de maneira ambígua para sugerir que, de fato, Jesus estava sentado em julgamento contra os seus acusadores é digna de atenção, v. 14. Dia da Preparação na semana da Páscoa-, Cf. 18.28; 19.31; i.e., véspera da Páscoa, sexta-feira da semana da Páscoa,
v. 15. Não temos ré, senão César. São palavras que constituem a maior apostasia dos judeus de todos os tempos. Assim, “Israel abdicou da sua posição singular sob a soberania imediata de Deus” (C. K. Barrett, p. 454; cf. ISm 8.7). v. 16. Finalmente Pilatos o entregou (gr. paredõken auton)-. Colocado dessa maneira, o ato de Pilatos, aos olhos do evangelista, traz conotação do plano divino: embora Jesus tenha morrido nas mãos de soldados romanos, os judeus foram os primeiros e principais responsáveis por sua morte.

3) A crucificação e o sepultamento de Jesus (19.17-42)
v. 17. Levando a sua própria cruz-, Cf. Mc 15.21. O evangelista talvez esteja chamando atenção especial para o fato de que, em contraste com outros, Jesus carregou sua própria cruz. M. Black ressaltou que o grego pode ser a tradução do dativo ético no ara-maico (p. 75-6), sendo uma referência à parte do patíbulo que foi carregada por Jesus. Caveira (cf. Gólgota): Ainda não foi identificado com certeza. Há dois lugares reivindicando serem o local da caveira (cf. A. Parrot, Golgotha, 1957). De acordo com uma tradição antiga, o lugar foi denominado assim porque a caveira de Adão estava enterrada ali. Essa tradição é preservada no interior da Igreja do Santo Sepulcro, v. 19. uma placa (gr. titios)-. Geralmente era uma declaração da acusação colocada acima da cabeça do criminoso. Os judeus imediatamente questionaram a formulação, mas Pilatos estava decidido a manter a palavra final. Para os judeus, o título, como estava, era insulto e blasfêmia (cf. Dt 21.23; G1 3.13).
v. 23. Esta [a túnica], porém era sem costura-. Não há razão para supor que Jesus tenha usado essa túnica com significado proposital; mas o fato de João enxergar alguma conexão com a túnica do sumo sacerdote já é outra questão (cf. Ex 38.31,32). A divisão das roupas entre os soldados era comum, embora João tenha visto nisso o cumprimento das Escrituras (cf. SI 22.18). No salmo, as duas orações representam a estrutura paralela da poesia hebraica, v. 26,27. At está o seu filho [...] Aí está a sua mãe-. O amor de Jesus era tal que ele ainda fez provisão para a sua mãe no último momento. Jesus a confiou aos cuidados do “discípulo amado” até o tempo em que os seus irmãos assumissem a responsabilidade para com ela como verdadeiros seguidores dele. E podemos acrescentar que os irmãos logo aceitaram essa responsabilidade, pois mais tarde vemos Maria na sua companhia, enquanto João parece ter se agrupado de maneira bem distinta deles (cf. At 1.14). Os dois trechos talvez sugiram aquela comunhão íntima que começa ao pé da cruz e é mantida pelas orações, v. 28. Tenho sede-. Jesus se prepara para pronunciar as últimas palavras da cruz, levando as Escrituras ao cumprimento enquanto assim o faz (cf. SI 69.21). Que o evangelista vê material antidocetista nesse detalhe, está certo. A NEB sugere que, em vez de hissopo, leiamos “lança”. A leitura no texto poderia ser explicada por ditografia acidental — gr. hyssopõs no lugar de hyssos; embora G. D. Kilpatrick tenha surpreendentemente mantido ”hissopo” no texto na sua edição do Testamento Grego e em seu Gk.-Eng. Diglot (BFBS). V. tb. seu “The Transmission of the NT and its Reliability”, in: Joum. Tans. Vict. Inst. 89 (1957): p. 99.
v. 30. Está consumado (gr. tetelestai): Esse é o momento em que Jesus entrou completamente em todas as fases da existência humana desde o nascimento até a morte. Assim, a sua obra está concluída — a obra que o Pai lhe deu para realizar. Mais do que isso, ele entrega o seu espírito por meio do qual, consciente e voluntariamente, se ofereceu sem manchas a Deus (cf. Hb 9.14). v. 31. Preparação'. Cf. comentários dos v. 14 e 41; e de 18.28. sábado especialmente sagrado: Porque coincidia com a Páscoa no calendário do templo, v. 34. sangue e água: Em vista dos comentários do evangelista acerca disso (cf. versículo seguinte), podemos interpretar seu registro desses detalhes como parte do seu esquema para estabelecer a absoluta humanidade do Salvador. A morte rápida de Jesus foi fora do comum (cf. Mc 15.44). Diversos comentaristas têm mostrado quão exata é essa tradição do ponto de vista médico. Mas os detalhes físicos nunca podem ser mais importantes do que as implicações teológicas aqui. O sangue é claramente um símbolo do meio de salvação oferecido a todos por meio da morte de Cristo, pois à parte dela não há meio de remover pecados (cf. Hb 9.22). A água pode ser interpretada de forma igualmente simbólica com outras alusões no evangelho (cf. 4.14; 7.38,39; ljo 5.6). Por meio da morte de Jesus, os pecadores podem ser perdoados e receber a vida de Deus transmitida por intermédio do Espírito. Essas coisas, João escreve (v. 35), são em si suficientes para conduzir os homens à comunhão consciente com o Deus vivo. E, para os judeus particularmente, o Cordeiro ideal de Deus estava em perfeito acordo com as antigas ordenanças de sacrifício para a Páscoa (cf. Ex 12.45; Nm 9.12; Dt 21.23; v. tb. SI 34.20).
v. 37. Olharão para aquele que traspassaram: Cf. Zc 12.10. As condições que vigoram em Zacarias parecem muito diferentes das condições da crucificação, na medida em que não havia tristeza evidente entre os judeus (v., no entanto, a outra aplicação do oráculo em Mt 24.30; Ap 1.7). Mas, como diz F. F. Bruce: ”E o evento que sugeriu o testimonium, e não o contrário”, embora haja conexões claras com o oráculo posterior de Zc 13.7 com relação ao pastor ferido de Israel (cf. F. F. Bruce, ”The Book of Zechariah and the Passion Narrative”, BJRL 43, 1960-1961, p. 350-1).
v. 38. José de Arimateia: Como Nicodemos, ele era membro do Sinédrio (cf. Mc 15.43). José pode ter sido um dos discípulos secretos mencionados anteriormente (cf. 12.42). Junto com Nicodemos, levou cerca de trinta e quatro quilos de especiarias e deu ao corpo de Jesus um sepultamento de rei (v. 39,40). Suâ ação não apenas mostrou a devoção por Jesus, mas preveniu possível mutilação após o sepultamento. v. 41. um sepulcro novo: Em virtude também da dificuldade de transportar o corpo por uma longa distância na véspera de sábado (cf. Lc 23.54), foi aqui que colocaram Jesus.

Índice: João 1 João 2 João 3 João 4 João 5 João 6 João 7 João 8 João 9 João 10 João 11 João 12 João 13 João 14 João 15 João 16 João 17 João 18 João 19 João 20 João 21