Salmos 23: Comentário Versículo por Versículo

Salmos 23: Comentário Versículo por Versículo

Salmos 23 

Comentário Versículo por Versículo 



SALMO 23: PASTOR E ANFITRIÃO

Acerca da relação do Salmo 23 com o salmo precedente e o subsequente, veja os comentários introdutórios do Salmo 22. Nenhuma parte das Escrituras, com a possível exceção da Oração do Pai Nosso, é mais conhecida do que “O Salmo do Pastor”. Sua beleza literária e percepção espiritual são insuperáveis. Como observa Taylor: “Ao longo dos séculos esse salmo tem conquistado um lugar supremo na literatura religiosa do mundo. Todos que o leem, independentemente de idade, raça ou circunstâncias, encon­tram na beleza pacífica dos seus pensamentos uma amplitude e profundidade de percep­ção espiritual que satisfaz e domina a alma. Ele pertence à classe de salmos que exalam confiança e segurança no Senhor [...]. Aqui o salmista não apresenta um prefácio de queixas acerca das dores de enfermidades ou da traição dos inimigos, mas inicia e termi­na com palavras de gratidão pela bondade eterna do Senhor”.53
Oesterley também escreve: “Esse breve e seleto salmo, provavelmente o mais conhe­cido de todos os salmos, relata de alguém cuja confiança sublime em Deus lhe trouxe paz e contentamento. O relacionamento íntimo com Deus sentido pelo salmista é expresso por duas figuras representando o Pastor protetor e o Anfitrião amoroso. A breve referên­cia aos inimigos indica que ele não estava livre da maldade e intenção perversa de pesso­as do seu povo, mas a menção delas é superficial. Diferentemente de tantos outros salmistas que são vítimas de inimigos inescrupulosos e que acabam exteriorizando sua amargura de espírito, esse servo fiel de Deus tem somente palavras de reconhecimento e gratidão pela bondade divina. Todo o salmo exala o espírito de calma, paz e contenta­mento, decorrentes de sua fé em Deus, que o torna um dos mais inspiradores do Saltério”.”
É possível interpretar todo o salmo em termos do relacionamento de um pastor com suas ovelhas. No entanto, a divisão mais natural é sugerida pelo título “Pastor e Anfi­trião”. Como Leslie M'Caw comenta: “Este poema deve muito da sua beleza à. mistura talentosa das figuras contrastantes que cobrem os principais aspectos da vida humana, ou seja: exterior (1,2) e interior (6b), paz pastoral (2) e peregrinação através do perigo (4b), a possibilidade do mal (4b) e a perspectiva do bem (5), tempos de revigoramento da alma (3a) e tempos de trevas agourentas (4a); a experiência de seguir (1,2) e uma vida de segurança estável (6b). No entanto, todas as facetas literárias dessa pérola lírica são vistas à luz do Senhor cujo cuidado afetuoso, vigilância constante e presença contínua comunicam à vida toda a sua cor e satisfação. Na verdade, a atividade sétupla do Senhor descrita nos versículos 2-5 (Ele faz, leva, refrigera, guia, está com, prepara uma mesa e unge a cabeça) está emoldurada pelo nome do SENHOR (que consta entre as primeiras e últimas palavras do poema)”.55
1. Peregrinação com o Pastor (23.1-4)
Davi podia escrever a partir da sua rica experiência pessoal com as ovelhas: O SE­NHOR é o meu pastor; nada me faltará (1; isto é, não sentirei falta de qualquer coisa indispensável). Existem “sete provisões” que o Pastor supre para as suas ovelhas:
a)  “Não me faltará completa satisfação” (23.2a). Deitar-me faz em verdes pastos fala, literalmente, de pastos de capim macio e novo. Dizem que as ovelhas nunca se deitam, até que estejam satisfeitas. Cada necessidade espiritual é suprida. Afigura trans­mite um completo descanso na satisfação proporcionada pelo cuidado vigilante do gran­de Pastor. Que contraste com a agitação do mundo!
b)  “Não me faltará orientação” (23.2b). Guia-me mansamente a águas tranquilas, ou “águas de descanso”. Continuando a idéia de provisão para as necessidades do reba­nho, o poeta acrescenta o pensamento de orientação. O pastor oriental não empurra ou impele, ele sempre guia suas ovelhas. Esse pensamento é recordado no hino evangélico:
Ele me guia! Ó pensamento abençoado! Ó palavras repletas de conforto celestial! Seja o que eu fizer, seja onde estiver, É a mão de Deus que me guia.
c)   “Não me faltará restauração” (23.3a). Refrigera a minha alma, isto é, Ele me aviva, renova e refresca. Esse é um tema recorrente do NT: “O interior, contudo, se reno­va de dia em dia” (2 Co 4.16); “E vos renoveis no espírito do vosso sentido” (Ef 4.23); “E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento” (Cl 3.10). Essa é a graça que sustenta a alma.
d)  “Não me faltará instrução da justiça” (23.3b). Guia-me pelas veredas da justi­ça por amor do seu nome. As veredas da justiça são caminhos planos. Uma das funções das Escrituras é “instruir em justiça” (2 Tm 3.16). Deus não somente adverte contra o mal; Ele nos guia nos caminhos da justiça. Isso ocorre por amor do seu nome, provando o tipo de Deus que Ele é. O Deus, cujo nome é santo (111.9; Mt 6.9), quer que seu povo também seja santo (Lv 19.2; 1 Pe 1.14-16).
e)   “Não me faltará coragem diante do perigo” (23.4a). Ainda que eu andasse pelo vale da sombra (hb., escuridão profunda e mortal) da morte, não temerei mal al­gum. Aqui está a certeza da ajuda no momento mais difícil da vida. A morte não é um adversário desprezível. Ela é o nosso último grande inimigo (1 Co 15.26). Se Deus podenos dar coragem nesse momento, como tem dado a tantos outros, Ele pode nos ajudar em qualquer lugar. Mal (ra) é um termo amplo para qualquer tipo de dano ou perigo que possa nos sobrevir.
f)     “Não me faltará a Presença Divina” (23.4b). Porque tu estás comigo. Esse é o motivo principal para toda a confiança do salmista. O Senhor não o deixará nem o de­samparará (Êx 33.14; Dt 31.6-8; Js 1.5-9 etc.). Nessa Presença há força, conforto, descan­so e esperança. Nesse ponto significativo a descrição (2-3) dá lugar à adoração.
g)   “Não me faltará conforto na tristeza” (23.4c). A tua vara e o teu cajado me consolam. O cajado do pastor tem duas funções: ele é uma vara de proteção e um caja­do no qual o pastor se apoia, servindo para o seu conforto. “O homem de dores” sabe melhor do que ninguém como atender as necessidades do coração abatido.
2. Provisão feita pelo Anfitrião (23.5-6)
A idéia do completo suprimento de cada necessidade com a qual o salmo inicia con­tinua controlando o seu desenvolvimento, mas a comparação muda do Pastor para o Anfitrião, do campo para a casa. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos (5) retrata a marca da apreciação pública que o rei oriental mostrava àquele que desejava honrar de uma maneira especial. Essa é a única referência passa­geira aos inimigos que aparecem descritos tão amplamente em outros salmos de Davi. Unges a minha cabeça com óleo: não é o óleo da unção que era usado para empossar o rei ou o sacerdote; um outro termo hebraico é usado para esse fim. Esse era um óleo perfumoso amplamente usado em banquetes do Oriente antigo como marca de hospitali­dade e favor. A cabeça ungida com óleo é uma figura bíblica comum para abundância de alegria. O meu cálice transborda simboliza a provisão abundante oferecida pelo gene­roso Anfitrião.
Certamente que a bondade e a misericórdia (chesed, bondade, amor pactuai, graça; cf. comentário em 17.7) me seguirão todos os dias da minha vida (6). O termo traduzido por certamente também significa “unicamente”. O salmista está confiante em que apenas a bondade e o amor imutável farão parte da sua vida. Habitarei na Casa do Senhor por longos dias, ou “para todo o sempre” (ARA). Mas o significado mais profundo é mais do que uma longa vida nesta terra. Bondade e misericórdia [...] todos os dias da minha vida serão-seguidos por um lar eterno na presença de Deus quando essa vida chegar ao fim (Jo 14.1-3).