Lucas 22 — Comentário Evangélico

Comentário Evangélico de Lucas 22



Lucas 22

22:1-71 Eventos relativos à Paixão

22:1-13 Os preparativos. Jesus e Judas estão ambos ocupados com seus planos por motivos diferentes. Judas está fazendo os arranjos para trair Jesus (22:3-6), enquanto Jesus envia seus discípulos confiáveis, Pedro e João, para preparar a Páscoa (22:7-8). A tensão cresce entre esses dois tipos de preparação.

No relato da Paixão, assim como em fases anteriores da história, todos os discípulos (ou “apóstolos”, 22:14), exceto Judas, continuam a servir aos propósitos de Deus. Eles não quebram seu vínculo de lealdade com Jesus nem o abandonam, embora seu serviço seja limitado por sua falta de entendimento. Por lealdade a Jesus, Pedro e João rapidamente obedecem quando ele os envia para preparar a refeição da Páscoa (22:7-13).

Lucas não deixa dúvidas de que Judas e Satanás deram início aos eventos que levariam à morte de Jesus na cruz. Em 22:3, antes do relato sobre a última ceia, Lucas registra que Satanás entrou em Judas. Assim, a traição de Judas diante das autoridades aconteceu de acordo com os planos de Satanás. Jesus sabia que Satanás estava temporariamente no controle e era, portanto, uma ameaça para alguns de seus discípulos, daí a oração do Mestre para que sua fé não desfalecesse. O controle do diabo sobre os eventos da Paixão é novamente reiterado quando Jesus é preso, pois o Mestre declara àqueles que vieram contra ele que “é a vossa hora e o poder das trevas” (22:53). O “poder das trevas” se refere ao diabo. A declaração de Jesus indica que os líderes religiosos estão, como Judas, trabalhando como agentes do diabo.

Para Lucas, era necessário que Jesus sofresse e morresse e, ao terceiro dia, fosse ressuscitado (9:22; 18:31-34; 24:7,26-27,44-47). Apenas morrendo, e então permitindo que Deus quebrasse as algemas da morte, Jesus poderia assumir a liderança da libertação do poderio de Satanás. O diabo orquestrou a morte de Jesus, mas ironicamente essa morte significou o início do fim para o diabo.

22:14-20 A última ceia

O relato de Lucas sobre a ceia começa com a descrição de Jesus e os discípulos à mesa (22:14). Jesus expressa quanto desejou comer essa Páscoa com seus discípulos antes de seu sofrimento, uma vez que essa seria a última vez que ele participaria dela até o seu cumprimento no reino de Deus (22:15-16). Do mesmo modo, ele compartilha um cálice de vinho com os discípulos, comentando que não o beberia novamente até que viesse o reino de Deus (22:17-18). Jesus diz aos seus discípulos que essa seria a última refeição que fariam juntos antes de seu sofrimento. A próxima vez que compartilhassem uma refeição seria para celebrar o “cumprimento” de tais refeições após a vinda do reino de Deus.

Além de celebrar a Páscoa, Jesus instituiu uma ordenança completamente nova: a ceia do Senhor (ICo 11:23-26). Ela serviria como um conjunto de símbolos vivos que relembrassem aos discípulos o corpo e sangue dados por eles e para seu livramento, até que Jesus retomasse. Seria também um sinal da nova aliança que ele inauguraria com seu sangue (22:19-20). Em todas as futuras celebrações da Páscoa — tanto de acordo com o ritual judaico quanto nas formas em que ela se desenvolveu nas comunidades cristãs —, eles deveriam repetir esses atos em memória de Jesus, que se entregara em favor deles.

Devemos prestar maior atenção ao significado de partilhar o pão e o vinho em memória de Jesus Cristo. Os países ocidentais tendem a operar segundo o princípio de que aquilo que é escrito permanece, mas palavras faladas são efêmeras. Este princípio não é verdadeiro na África, onde palavras faladas não se desvanecem, mas permanecem para guiar a comunidade através dos séculos. Em muitas comunidades africanas, um homem ou uma mulher mais velhos e sábios podem chamar uma criança ou um jovem e lhes oferecer comida e bebida. Enquanto o jovem come e bebe, a pessoa mais velha narra toda a sabedoria pública e a história da sociedade ou grupo étnico. Essa palavra, que traz sabedoria, deve não apenas ser recebida, mas engolida com o alimento e a bebida — na realidade, deve ser mastigada e comida no sentido bíblico (SI 1:2). A mensagem deve tornar-se parte e parcela da carne e do sangue do ouvinte, de modo que essa pessoa gere e dê à luz vida abundante.

A palavra que foi ouvida, “comida” e “bebida” dentro da comunidade representada pelos anciãos, deve ser responsavelmente compartilhada, dentro da comunidade, de tal modo que traga vida nova a cada um e a todos os membros. Novamente, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim (22:19).

22:21-30 Traição e discussão

Os apóstolos ficaram profundamente entristecidos quando Jesus lhes disse que sofreria traição por parte de um dos seus e perguntavam qual deles seria o traidor (22:21-23). Seu desalento, no entanto, rapidamente se tomou um questionamento sobre quem, entre eles, mereceria o lugar mais alto. Era de esperar que, nesse momento especial, eles devessem celebrar seu sentimento de união; entretanto, enquanto comiam com Jesus e participavam da Santa Comunhão, envolveram-se numa discussão em razão de seu desejo por status (cf. tb. ICo 3:1-4; Jo 13; Mt 23:1-12). A correção para essa discussão se encontra nas palavras de Jesus: o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve (22:26). A base para essa reversão de valores é encontrada no exemplo de Jesus: Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve (22:27).

22:31-38 Simão e as espadas

Jesus prediz um ataque satânico sobre os discípulos (em 22:31, o pronome está no plural: yos), mas assegura a Simão Pedro que, em razão de sua oração em seu favor (agora o pronome está no singular: ti, 22:32), Satanás não assumiría o controle sobre ele como fez com Judas (22:31-32). Pedro, entretanto, não deveria ficar superconfiante, pois ainda negaria conhecer Jesus (22:33-34), porém, em última instância, sua fé não falharia. Jesus sabia que Pedro se arrependeria. Contemplando esse fato, Jesus diz a Pedro que, depois que ele se arrependesse, deveria fortalecer os irmãos (22:32).

Para os discípulos, uma nova missão se aproxima e, portanto, em 22:35-38 Jesus afirma que as condições impostas por ele para as primeiras missões (9:1-6 e 10:1-16) não mais se aplicam. Eles agora necessitam estar prontos para a luta, ou como indicado em lPedro 1:6-7: “Nisso vocês exultam, ainda que agora, por um pouco de tempo, devam ser entristecidos por todo tipo de provação. Assim acontece para que fique comprovado que a fé que vocês têm [...] é genuína” (NVI). Não compreendendo o significado, os discípulos tomam literalmente as palavras de Jesus e apresentam duas espadas. Frustrado, Jesus encerra a conversação: Basta! (22:38).

22:39-53 Oração e prisão

Jesus havia assegurado aos discípulos sua oração por eles na hora da tentação (22:32). Agora, no monte das Oliveiras, era a vez de orarem por si mesmos. Ordenando-lhes que orassem para que não caíssem em tentação (22:40), dominado por profunda tristeza e aturdido pela enormidade do prospecto que o confrontava, Jesus se afastou deles, porque: “A minha alma está profundamente triste até à morte” (22:41-44; Mc 14:33-34).

Os discípulos, entretanto, não compreenderam o que estava esmagando Jesus e adormeceram (22:45). Jesus os acordou e repetiu as palavras Levantai-vos e orai, para que não entreis em tentação (22:46).

No momento seguinte, Judas e uma multidão se aproximaram (22:47), e Judas identificou Jesus com um beijo traidor. Jesus não ofereceu resistência e foi preso e amarrado para ser entregue ao Sinédrio (Mc 14:14). Um dos discípulos, no entanto, reagiu tirando a espada e cortando a orelha direita do servo do sumo sacerdote. Desaprovando tal violência, Jesus repetiu seu pronunciamento anterior: Deixai, basta, tocou a orelha do homem e o curou (22:51; cf. 22:38). Ao mesmo tempo que se submete a essa prisão ilegal, Jesus se dirige claramente aos captores que o haviam prendido clandestinamente acobertados pela noite: Estou eu chefiando alguma rebelião, para que vocês tenham vindo com espadas e varas? Todos os dias eu estive com vocês no templo e vocês não levantaram a mão contra mim. Mas esta é a hora de vocês quando as trevas reinam (22:52-53, NVI).

22:54-71 Dois interrogatórios

Colocando o relato do questionamento a Pedro entre os relatos da prisão e do interrogatório de Jesus, Lucas sugere que ambos ocorreram simultaneamente. Enquanto, na sala superior, Jesus era questionado pelo sumo sacerdote a respeito de sua identidade, Pedro, aquecendo-se ao fogo no meio do pátio, enfrentava perguntas semelhantes iniciadas por uma criada (22:54-56).

Os servos do sumo sacerdote haviam acendido um fogo no pátio da casa e assentaram-se ao redor dele. Pedro sentou-se com eles. Na semiescuridão, de repente o fogo brilhou e a luz iluminou Pedro, e suas feições o entregaram (22:56). Ao responder às perguntas, seu sotaque galileu novamente o entregou (22:59). Enquanto Jesus afirma bravamente Eu sou em resposta às perguntas do sumo sacerdote sobre sua identidade como Filho de Deus (22:70), Pedro replica: Homem, não compreendo o que dizes (22:57-58,60). Por três vezes, Pedro negou ser um seguidor de Jesus. Logo depois de ter negado a verdade pela terceira vez, parecendo ter cortado todas as ligações com Jesus, em algum lugar, na escuridão da noite, um galo cantou. Jesus Cristo virou-se e olhou para Pedro, e Pedro se lembrou das palavras do Senhor, como lhe dissera: Hoje, três vezes me negarás, antes de cantar o galo. Então, Pedro, saindo dali, chorou amargamente (22:61-62). No caso de Pedro, ele saiu, chorou amargamente e se arrependeu. No caso de Judas, ele também saiu, chorou amargamente e cometeu suicídio (Mt 27:5).