Panorama do Livro de Deuteronômio

Panorama do Livro de Deuteronômio

O livro compõe-se principalmente de uma série de discursos que Moisés proferiu perante os filhos de Israel, nas planícies de Moabe, defronte de Jericó. O primeiro destes discursos termina no capítulo 4, o segundo vai até o fim do capítulo 26, o terceiro continua até o fim do capítulo 28, e um outro discurso se estende até o fim do capítulo 30. A seguir, depois de Moisés tomar providências finais, em virtude da aproximação de sua morte, incluindo comissionar a Josué como seu sucessor, ele escreve um belíssimo cântico de louvor a Yahweh, seguido de bênção sobre as tribos de Israel.

Primeiro discurso de Moisés (1:1-4:49) 

Este constitui uma introdução histórica daquilo que vem em seguida. Primeiro, Moisés recapitula os fiéis tratos de Yahweh com o Seu povo. Moisés manda este ir tomar posse da terra prometida a seus antepassados, Abraão, Isaque e Jacó. Relembra como Yahweh, no início da viagem pelo ermo, coordenou a atividade desta comunidade teocrática, fazendo com que Moisés selecionasse homens sábios, discretos e experientes para agirem como chefes de grupos de mil, de cem, de cinqüenta e de dez. Havia uma organização extraordinária, supervisionada por Jeová, ao passo que Israel ‘ia marchando através de todo aquele grande e atemorizante ermo’. — 1:19.

Moisés lhes faz lembrar agora o pecado de rebelião que cometeram, quando deram ouvidos ao relatório dos espias que haviam voltado de Canaã e queixaram-se, dizendo que Yahweh os odiava por tê-los tirado do Egito, segundo o acusaram, só para os abandonar às mãos dos amorreus. Por demonstrarem falta de fé, Yahweh declarou àquela geração má que nenhum dentre eles, exceto Calebe e Josué, veria aquela boa terra. Com isso, agiram novamente de modo rebelde, ficando agitados e fazendo a sua própria investida independente contra o inimigo, só para serem rechaçados e dispersos pelos amorreus como um enxame de abelhas.

Viajaram através do ermo, indo em direção ao mar Vermelho, e, no decorrer de 38 anos, morreu toda a geração dos homens de guerra. Yahweh ordenou-lhes então que passassem para o outro lado e tomassem posse do país ao norte do Árnon, dizendo: “Neste dia principiarei a pôr o pavor de ti e o temor de ti diante dos povos debaixo de todos os céus, os quais ouvirão a notícia a teu respeito; e ficarão deveras agitados e terão dores semelhantes às de parto, por tua causa.” (2:25) Síon e sua terra caíram às mãos dos israelitas, e daí o reino de Ogue foi ocupado. Moisés assegurou a Josué que Yahweh lutaria por Israel do mesmo modo, para derrotar todos os reinos. Daí, Moisés perguntou a Deus se ele próprio poderia de alguma forma entrar na boa terra, além do Jordão, mas Yahweh continuou a recusar isto, dizendo-lhe que comissionasse, encorajasse e fortalecesse a Josué.

Moisés dá agora grande ênfase à Lei de Deus, advertindo contra aumentar ou diminuir Seus mandamentos. A desobediência trará calamidades: “Apenas guarda-te e cuida bem da tua alma, para que não te esqueças das coisas que teus olhos viram e para que não se afastem de teu coração todos os dias da tua vida; e tens de dá-los a conhecer a teus filhos e a teus netos.” (4:9) Quando Jeová lhes declarou as Dez Palavras em circunstâncias temíveis, em Horebe, não viram nenhuma forma. Será desastroso para eles voltarem-se agora para a idolatria e adorarem imagens, pois, conforme Moisés diz: “Yahweh, teu Deus, é um fogo consumidor, um Deus que exige devoção exclusiva.” (4:24) Foi ele quem amou a seus antepassados e os escolheu. Não há outro Deus nos céus acima ou na terra embaixo. Moisés exorta à obediência a Ele, “para que prolongues os teus dias no solo que Yahweh, teu Deus, te dá, para sempre”. — 4:40.

Depois de concluir este poderoso discurso, Moisés passa a escolher, ao leste do Jordão, a Bezer, Ramote e Golã como cidades de refúgio.

Segundo discurso de Moisés (5:1-26:19)

Este discurso é um convite para que Israel ouça a Yahweh que lhe falou face a face em Sinai. Note como Moisés repete a Lei com alguns ajustes necessários, adaptando-a assim à nova vida do povo do outro lado do Jordão. Não se trata de mera repetição dos regulamentos e das ordenanças. Cada palavra mostra que o coração de Moisés está cheio de zelo e de devoção a seu Deus. Ele fala para o bem daquela nação. O livro inteiro acentua a obediência à Lei — uma obediência proveniente de um coração cheio de amor, não sob compulsão.

Primeiro, Moisés repete as Dez Palavras, os Dez Mandamentos, e diz a Israel que os observe, não se desviando nem para a direita nem para a esquerda, a fim de prolongar os seus dias na terra e se tornar numeroso. “Escuta, ó Israel: Yahweh, nosso Deus, é um só Yahweh.” (6:4) Israel precisa amar a Deus de coração, alma e força vital, e deve ensinar a seus filhos e lhes falar dos grandes sinais e milagres que Yahweh realizou no Egito. Não deve fazer alianças matrimoniais com os cananeus idólatras. Yahweh escolheu Israel para se tornar sua propriedade especial, não por ser numeroso, mas porque o ama e guardará a declaração juramentada que fez a seus antepassados. Israel precisa evitar o laço da religião demoníaca, precisa destruir as imagens que se acham no país e apegar-se a Yahweh, que é realmente “um Deus grande e atemorizante”. — 7:21.

O Senhor humilhou os israelitas por 40 anos no ermo, ensinando-lhes que o homem vive não só de maná ou de pão, mas de toda expressão que sai da boca de Yahweh. Durante todos aqueles anos de correção, a roupa deles não se gastou, tampouco os seus pés se incharam. Agora estão prestes a entrar na terra de riqueza e fartura! Entretanto, precisam guardar-se dos laços do materialismo e da justiça própria, e lembrar-se de que Yahweh é ‘o dador de poder para produzir riqueza’ e aquele que desapossa as nações más. (8:18) Moisés recorda então as ocasiões em que Israel provocou a Deus. Os israelitas precisam lembrar-se de que a ira de Yahweh se acendeu contra eles no ermo por meio de pragas, fogo e morte! Precisam lembrar-se de sua adoração desastrosa do bezerro de ouro, que resultou na ira ardente de Yahweh e em refazer ele as tábuas da Lei! (Êxo. 32:1-10, 35; 17:2-7; Núm. 11:1-3, 31-35; 14:2-38) Certamente, precisam agora servir e apegar-se a Yahweh, que os amou por causa de seus antepassados e os tornou “como as estrelas dos céus em multidão”. — Deut. 10:22.

Israel precisa guardar “o mandamento inteiro”, e sem falta obedecer a Yahweh, amando-o como seu Deus e servindo-o de todo o coração e de toda a alma. (11:8, 13) Yahweh os amparará e os recompensará se lhe obedecerem. No entanto, precisam aplicar-se e ensinar diligentemente a seus filhos. A escolha colocada diante de Israel é explicitamente declarada: a obediência conduz à bênção, a desobediência, à maldição. Não devem ‘seguir outros deuses’. (11:26-28) Moisés delineia a seguir leis específicas que têm a ver com Israel, ao passo que avança para tomar posse da Terra Prometida. São (1) leis relativas à religião e adoração; (2) leis relativas à administração da justiça, governo e guerra; e (3) leis que regulam a vida privativa e social do povo.


(1) Religião e adoração (12:1-16:17) 

Quando os israelitas entrarem no país, todo vestígio da religião falsa — seus altos, altares, colunas, postes sagrados e suas imagens — precisa ser impreterivelmente destruído. Os israelitas precisam adorar unicamente no lugar em que Yahweh, seu Deus, escolher colocar o seu nome, e ali precisam regozijar-se nele, todos eles. Os regulamentos sobre o consumo de carne e sobre sacrifícios incluem lembretes constantes de que não devem comer sangue. “Apenas toma a firme resolução de não comer o sangue . . . Não o deves comer, para que te vá bem a ti e a teus filhos depois de ti, pois farás o que é direito aos olhos de Yahweh.” (12:16, 23-25, 27; 15:23) Em seguida, Moisés condena bem nitidamente a idolatria. Israel não deve nem mesmo procurar informar-se sobre os caminhos da religião falsa. Caso se prove que um profeta é falso, precisa ser morto, e os apóstatas — mesmo que sejam parentes queridos ou amigos, sim, mesmo cidades inteiras — precisam ser da mesma forma entregues à destruição. A seguir, vêm os regulamentos sobre alimentos puros e impuros, pagamento dos dízimos e assistência aos levitas. Os interesses dos endividados, dos pobres e dos escravos devem ser protegidos com amor. Finalmente, Moisés faz um retrospecto das festas anuais como ocasiões para agradecer a Yahweh as bênçãos concedidas: “Três vezes no ano, todo macho teu deve comparecer perante Yahweh, teu Deus, no lugar que ele escolher: na festividade dos pães não-fermentados, e na festividade das semanas, e na festividade das barracas, e ninguém deve comparecer perante Yahweh de mãos vazias.” — 16:16.


(2) Justiça, governo e guerra (16:18-20:20)

Em primeiro lugar, Moisés dá as leis referentes a juízes e autoridades. A justiça é coisa de suma importância, pois Yahweh detesta o suborno e o desvirtuamento do julgamento. Esboça-se o processo quanto a estabelecer a evidência e regulamentar casos jurídicos. “Pela boca de duas ou três testemunhas deve ser morto aquele que há de morrer.” (17:6) Declaram-se as leis relativas a reis. Fazem-se provisões para os sacerdotes e os levitas. O espiritismo é proscrito, visto ser ‘detestável para Yahweh’. (18:12) Olhando para o futuro distante, Moisés declara: “Um profeta do teu próprio meio, dos teus irmãos, semelhante a mim, é quem Yahweh, teu Deus, te suscitará — a este é que deveis escutar.” (18:15-19) Mas o falso profeta tem de ser morto. Esta parte conclui com leis relativas às cidades de refúgio e vingar sangue, bem como com qualificações para isenção do serviço militar e regulamentos sobre guerra.


(3) A vida privativa e social (21:1-26:19)

As leis que dizem respeito à vida cotidiana dos israelitas são apresentadas em questões tais como encontrar uma pessoa que foi morta, casamento com mulheres capturadas, direito do primogênito, filho rebelde, pendurar criminosos na estaca, evidência da virgindade, crimes sexuais, castração, filhos ilegítimos, tratamento dado aos estrangeiros, medidas sanitárias, pagar juros e cumprir votos, divórcio, rapto, empréstimos, salários e respigas após a ceifa. O limite para fustigar um homem deve ser de 40 golpes. O touro não deve ser açaimado quando debulha. Esboça-se o procedimento no caso de casamento com cunhado. Devem ser usados pesos exatos, pois Yahweh detesta a injustiça.

Antes de concluir este discurso fervoroso, Moisés relembra como Amaleque golpeou pela retaguarda os israelitas exaustos que fugiam do Egito, e Moisés ordena a Israel: “Deves extinguir a menção de Amaleque debaixo dos céus.” (25:19) Quando entrarem no país, deverão oferecer com regozijo os primeiros frutos do solo, e também os dízimos, com a seguinte oração de agradecimento a Yahweh: “Olha deveras para baixo desde a tua santa habitação, os céus, e abençoa teu povo Israel e o solo que nos deste, assim como juraste aos nossos antepassados, a terra que mana leite e mel.” (26:15) Se cumprirem estes mandamentos de todo o coração e de toda a alma, Yahweh, de sua parte, os ‘porá alto acima de todas as outras nações que fez, resultando em louvor, e em fama, e em beleza, ao passo que se mostram um povo santo para Yahweh, seu Deus, assim como ele prometeu’. — 26:19.


Terceiro discurso de Moisés (27:1-28:68)

Neste, os anciãos de Israel e os sacerdotes juntam-se a Moisés quando ele enumera extensamente as maldições da parte de Yahweh pela desobediência e as bênçãos pela fidelidade. Avisos funestos são dados sobre os temíveis resultados da infidelidade. Se Israel, como seu povo santo, continuar a dar ouvidos à voz de Yahweh, seu Deus, receberá maravilhosas bênçãos, e todos os povos da terra verão que o nome de Yahweh é invocado sobre ele. Se, ao contrário, deixar de fazer isso, Jeová enviará “a maldição, a confusão e a reprimenda”. (28:20) Será acometido de doenças repugnantes, será flagelado pela seca e pela fome; seus inimigos o perseguirão e o escravizarão, e será espalhado e aniquilado da terra. Estas maldições, e ainda mais, lhe sobrevirão se não ‘cuidar em cumprir todas as palavras desta lei que se acham escritas neste livro, de modo a temer este glorioso e atemorizante nome, sim, Yahweh, seu Deus’. — 28:58.


Quarto discurso de Moisés (29:1-30:20)

Yahweh faz agora um pacto com Israel em Moabe. Este incorpora a Lei, conforme repetida e explicada por Moisés, o que servirá de guia para Israel ao entrar na Terra Prometida. O juramento solene que acompanha o pacto sublinha as responsabilidades daquela nação. Finalmente, Moisés chama os céus e a terra como testemunhas, pois coloca diante do povo a vida e a morte, a bênção e a maldição, e exorta: “Tens de escolher a vida para ficar vivo, tu e tua descendência, amando a Yahweh, teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a ele; pois ele é a tua vida e a longura dos teus dias, para morares no solo de que Yahweh jurou aos teus antepassados Abraão, Isaque e Jacó que lhes havia de dar.” — 30:19, 20.


Josué é comissionado, e o cântico de Moisés (31:1-32:47)

O capítulo 31 relata que, depois de Moisés escrever a Lei e dar instruções relativas à sua leitura pública regular, ele comissiona a Josué, dizendo-lhe que seja corajoso e forte, e, daí, relata que Moisés prepara um cântico comemorativo e completa a escrita das palavras da Lei, bem como toma providências para que ela seja colocada ao lado da arca do pacto de Yahweh. Depois disso, Moisés enuncia as palavras do cântico perante a congregação inteira como exortação final.

Com quanto apreço Moisés inicia seu cântico, identificando a Fonte revigorante das instruções que recebeu! “Meu ensinamento gotejará como a chuva, minha declaração pingará como o orvalho, como chuvas suaves sobre a relva, e como chuvas copiosas sobre a vegetação. Pois declararei o nome de Yahweh.” Sim, atribua-se grandeza ao “nosso Deus”, “a Rocha”. (32:2-4) Torne-se conhecida a sua obra perfeita, seus justos caminhos, sua fidelidade, sua justiça e sua retidão. Foi vergonhoso Israel agir ruinosamente, embora Yahweh o cercasse num deserto vago e uivante, salvaguardando-o como a menina de seu olho e pairando sobre ele como a águia sobre seus filhotes. É graças a ele que seu povo engordou, e Deus o chamou de Jesurum, “Aquele Que É Reto”, mas os israelitas o incitaram ao ciúme com deuses estranhos e se tornaram “filhos em que não há fidelidade”. (32:20) A vingança e a retribuição pertencem a Yahweh. É ele quem faz morrer e faz viver. Quando afiar a sua espada reluzente e a sua mão segurar o julgamento, tomará deveras vingança de seus adversários. Que confiança isto deve inspirar no seu povo! Conforme diz o cântico, atingindo o seu clímax, é tempo de alegrar-se: “Alegrai-vos, ó nações, com o seu povo.” (32:43) Que poeta no mundo poderia compor uma obra que se aproximasse à beleza excelsa, ao poder e à profundidade de significado deste cântico em louvor a Yahweh?


A bênção final de Moisés (32:48-34:12)

Moisés recebe agora instruções finais concernentes à sua morte, mas ainda não terminou o seu serviço teocrático. Primeiro, precisa abençoar a Israel, e, ao fazer isto, ele enaltece novamente a Yahweh, o Rei de Jesurum, como que resplandecendo com suas santas miríades. As tribos recebem bênçãos individuais, sendo citadas por nome, e daí Moisés louva a Yahweh como o Eminente. “O Deus da antiguidade é um esconderijo, e por baixo há os braços que duram indefinidamente.” (33:27) Com coração cheio de apreço, ele fala então as suas palavras finais à nação: “Feliz és, ó Israel! Quem é semelhante a ti, um povo usufruindo salvação em Yahweh?” — 33:29.

Depois de contemplar a Terra Prometida, de cima do monte Nebo, Moisés morre, e Yahweh o enterra em Moabe, não tendo sido conhecido nem honrado o seu sepulcro até o dia de hoje. Ele viveu até à idade de 120 anos, mas “seu olho não se havia turvado e seu vigor vital não lhe havia fugido”. Yahweh o usou para realizar grandes sinais e milagres e, conforme relata o último capítulo, não se levantou “em Israel um profeta semelhante a Moisés, a quem Yahweh conhecia face a face”. — 34:7, 10.