Fundo Histórico do Livro de 1 Coríntios

FUNDO HISTÓRICO DE 1 CORÍNTIOS.
Fundo Histórico do Livro de 1 CoríntiosSobre a cidade de Corinto temos informações de fontes seculares. O desenvolvimento da igreja pode ser reconstruído de dados de 1 Coríntios e de Atos.

Algumas informações sobre a cidade de Corinto: a antiga Corinto foi destruída em 146 a.C. César fundou a cidade novamente como uma colônia romana em 44 a.C. Desde 29 a.C. Corinto era — como capital da província senatorial da Acaia — a moradia de um procônsul.

Por ser cidade portuária, Corinto estava aberta ao mundo. Os seus cidadãos eram provenientes de todas as camadas sociais, culturas e religiões. Os vícios da cidade eram proverbiais. Se de fato existiram as 1.000 prostitutas cultuais de Afrodite é duvidoso. Possivelmente essas eram insinuações maldosas dos seus vizinhos, como H. Conzelmann mostrou.

Nessa cidade mundana nasce uma igreja cristã no ano de 49 d.C. por meio dos esforços missionários do apóstolo Paulo. É possível reconstruir os degraus de seu desenvolvimento com base em Atos dos Apóstolos e nesta 1ª carta aos Coríntios. De tudo que podemos observar, a história da igreja pode ser dividida em quatro etapas:

1ª etapa: Paulo funda a igreja

Atos 18.18 nos informa sobre o início da igreja. Logo depois de sua chegada a Corinto, Paulo encontra o casal Áquila e Priscila, fazedores de tendas por profissão. Paulo trabalha com eles e com isso ganha o seu sustento. No seu tempo livre ele visita a sinagoga judaica e participa na exposição das Escrituras Sagradas.

Depois que os seus colaboradores Timóteo e Silas chegam a Corinto, ele pode se dedicar totalmente à pregação da palavra, pois eles presumivelmente trouxeram ofertas em dinheiro da Macedônia. Paulo professa a Jesus como o Messias de Israel e isso leva à ruptura com a sinagoga. Paulo muda, juntamente com os seus seguidores, para a casa vizinha de um homem temente a Deus, Justo. Ali então se reúne o grupo base da igreja: famílias judaicas que estão crendo em Jesus Cristo. Em colaboração com eles Paulo evangeliza por um ano e meio. Tanto judeus quanto gregos se convertem.

Depois do novo procônsul Gálio ter iniciado o seu mandato, é feita uma acusação contra Paulo e seus amigos, incitada pelos líderes da sinagoga. A acusação não tem conseqüências. Em vez disso, há tumultos anti-semitas. A igreja cristã não é atacada. Talvez é por isso que eles não conseguiam entender por que Paulo tinha sofrido tanta oposição em outros lugares.

É verdade que na sua composição a igreja tinha um potencial enorme para tensões: cristãos-judeus e cristãos-gentios, pessoas abastadas (At 18.7; Rm 16.23) e muitos entre eles das camadas sociais mais baixas (1Co 1.26).

2ª etapa: o ministério de Apolo

Mais ou menos no outono de 51 d.C. Paulo deixa Corinto e viaja para Antioquia na Síria, passando pela Macedônia e Ásia Menor. Áquila e Priscila o acompanham na primeira parte da viagem; depois ficam em Éfeso. Lá eles encontram um judeu de Alexandria chamado Apolo (At 18.23-28). Esse conhecia Jesus e estava empolgado com ele. Teólogo e orador muito capacitado, difundia o ensino sobre Jesus. Entretanto, Áquila e Priscila percebem logo que ele ainda não entendeu tudo corretamente. Ele tampouco foi batizado sob o nome de Jesus, pois só conhece o batismo de João.

O casal então instrui Apolo na fé em Jesus Cristo e o envia com uma carta de recomendação para a Acaia e também para Corinto. Lá se evidenciam a sua capacidade teológica e o seu dom de orador. Ele apóia os membros da jovem igreja nas suas disputas com os judeus ao demonstrar pelas Escrituras Sagradas que Jesus Cristo é o Messias prometido. Podemos supor — mas não concluir definitivamente —, com base na 1ª carta aos Coríntios (1.1), que por meio disso Apolo conquistou para a fé em Jesus o chefe da sinagoga Sóstenes, que tinha sido espancado diante do tribunal de Gálio (At 18.17). De qualquer forma, o ministério de Apolo teve um impacto tão grande na igreja de Corinto que um grupo se chamava “os de Apolo” (1Co 1.12; 3.4). Mesmo assim, Paulo não viu em Apolo um concorrente, mas um obreiro com dons e chamado totalmente diferentes (1Co 3.5-15), mesmo que tenha sido dolorido para ele ouvir que, em comparação com Apolo, o seu dom de falar era pouco reconhecido pela igreja de Corinto (2Co 10.10; 11.6).

3ª etapa: Mudança de cristãos do oriente para Corinto

A situação na igreja se torna mais complicada ainda quando chegam a Corinto cristãos do oriente. Não podemos afirmar se eles vêm de Jerusalém. O que está claro é que estão relacionados a Pedro. Eles utilizam a forma hebraica do nome que Jesus tinha dado ao seu discípulo Simão, Cefas. Isso já nos dá indicação clara da origem desse grupo.

São cristãos-judeus que sabem que Jesus colocou Simão como rocha (hebraico kepha) para a sua igreja. Eles crêem que a unidade da igreja estará garantida se todos os grupos da igreja se submeterem a Pedro. Para eles esta questão está clara. Eles são “de Pedro” (1Co 1.12).

As duas cartas aos Coríntios mostram que os seus membros conheciam a igreja primitiva. Eles sabiam que os outros apóstolos eram casados (1Co 9.5), que Tiago, o irmão do Senhor, tinha posição especial na igreja (1Co 15.7), que Jesus tinha chamado doze apóstolos (1Co 15.5), que os pregadores do evangelho deviam viver disso (1Co 9.14), que os apóstolos realizavam milagres (2Co 12.12), que Jesus tinha proibido o divórcio (1Co 7.10). Mas “é impossível distinguir com exatidão entre o que provinha de Paulo nessa imagem que faziam de Jesus e o que a tradição da primeira igreja introduziu no seu conceito sobre Jesus.”

Os cristãos que tinham vindo do oriente desconheciam Paulo e o seu ministério. Os outros apóstolos tinham aberto o caminho para a sua vinda a Jesus. Eles não tinham intenção alguma de introduzir a lei mosaica na igreja de Corinto. Já na sua igreja-mãe se falava de “nova aliança”, da “nova igreja”, da “fé”. Mas esses primeiros apóstolos tinham se tornado “super-apóstolos” (2Co 11.5; 12.11). Era necessário que as igrejas fundadas por Paulo se submetessem a esses apóstolos, especialmente a Pedro, não era?

4ª etapa: O aparecimento dos fanáticos

Essa quarta etapa apresenta o maior perigo para o desenvolvimento sadio da igreja. Surgem pessoas que afirmam se basear em Cristo (1Co 1.12; 2Co 10.7). É bem provável que Paulo esteja se referindo a eles quando, em vários trechos, fala em “alguém”, “alguns” (1Co 3.18; 4.18; 15.12).

Podia até parecer que era um grupo que queria comprometer a igreja com Cristo. Mas a sua autodenominação “os de Cristo” não soa como um convite para que todos voltem à sua base comum. A expressão é exclusivista e soa como grito de guerra. De si mesmo dizem que pertencem a Cristo, aos outros negam essa realidade.

Questionam se Paulo de fato tem o Espírito Santo (1Co 7.40), se ele é um verdadeiro apóstolo (1Co 9.2; 15.9), se tem o dom de línguas (1Co 14.18), se recebeu revelações de Jesus (2Co 12.1) e se Cristo de fato fala por intermédio dele (2Co 13.3). Eles questionam a autoridade do apóstolo. Muitas afirmações dele são reações a esse questionamento. É difícil crer como pessoas ganhas para Jesus por meio de Paulo podem, mais tarde, falar dessa forma sobre ele.

O mais assustador de tudo é que não se trata aqui somente de uma controvérsia pessoal. Esses opositores estão proclamando uma nova doutrina e uma nova ética. Eles não vêem problema algum no fato de os homens da igreja se envolverem com as moças de Corinto (1Co 6.12). No casamento exigem abstinência sexual (1Co 7.1-7) e, por motivos espirituais, chegam até a exigir o divórcio (1Co 7.10-12). Reivindicam liberdade para participarem de festas aos ídolos (1Co 10.23). Menosprezam a ceia do Senhor (1Co 11.17-34). Falam muito do Espírito Santo e seus dons, principalmente o falar em línguas (1Co 12—14). Estão tão convictos da renovação por meio do Espírito de Deus, que consideram desnecessária a ressurreição do corpo (1Co 15).

A. Schlatter caracteriza esse grupo, com certa ironia, da seguinte maneira: “Não crer, mas conhecer; não obedecer e se submeter, mas exercer a sua plenitude; não pensar nos outros, preocupar-se com eles, servi-los, mas desenvolver a própria experiência religiosa, mesmo que não faça sentido para os outros; não morrer, mas desfrutar a vida, que logo será transfigurada pelo governo de Deus; é isso que foi dado à igreja de Cristo, à comunhão dos santos.”

Isso é fanatismo. Por isso chamamos esse pessoal “de Cristo” de fanáticos. Os estudiosos estão de acordo sobre o fato de que Paulo concentra as suas atenções acima de tudo nesse grupo.

Há diferenças de opinião sobre como esses fanáticos entraram na igreja. Três opiniões orientaram a interpretação desse aspecto nesse século:

Lütgert, que estava preocupado principalmente em derrubar a teoria de F. C. Baur, que dizia que se tratava de tendências judaizantes, defendeu a posição de que o grupo de fanáticos surgiu dentro da própria igreja.

A oposição frontal desse grupo contra Paulo enfraquece essa opinião. Schlatter parte do ponto de que se trata aqui de um grupo libertino do judaísmo da Palestina. Pensa-se aí sobretudo nas posições doutrinárias dos saduceus, que também não sabiam o que fazer com a ressurreição.

Schmithals tentou demonstrar numa monografia que todos os sinais desse grupo apontam na direção do gnosticismo.

Nesse caso ele naturalmente precisa se basear em fontes datadas do século VII e VIII. Por isso pressupõe que havia formas desse gnosticismo já no primeiro século. Com base no estado atual das pesquisas, precisamos admitir que não podemos responder com certeza a questão da origem desses fanáticos. Parece que não se deu atenção suficiente ainda à influência filosófica e religiosa da Grécia, onde já podemos perceber a valorização excessiva do conhecimento e da sabedoria e o desprezo pelo corpo e as conseqüências éticas que seguem essa postura. Do ponto de vista histórico, isso seria mais convincente do que o embasamento em um sistema gnóstico fechado, que com certeza não existiu naquela época, pois surgiu exatamente do confronto posterior com a fé cristã.

A história da igreja de Corinto é de fato dramática: no outono de 49 Paulo inicia o seu trabalho missionário em Corinto; no outono de 51 ele deixa a cidade. Na primavera de 54, portanto dois anos e meio mais tarde, ele escreve a sua primeira carta aos coríntios, como pode ser comprovado. Em quatro anos e meio a igreja passou por todas as quatro fases e experimentou praticamente todas as crises de uma igreja em formação.