Demora da Volta de Cristo

VOLTA DE CRISTO, ESTUDO BÍBLICO, TEOLÓGICO
Demora da Volta de Cristo
(Enciclopédia Bíblica Online)

Um dos maiores problemas enfrentados pelos cristãos da segunda geração foi o da aparente demora da volta de Cristo. O termo técnico para a volta de Jesus é Parousía (Gr.: parousia): presença ou aparição). Opiniões errôneas acerca da Parousía estavam fazendo com que alguns duvidassem da validade das palavras de Jesus acerca de sua volta (ver II Ped. 3:4). Lucas escreveu numa tentativa de dar uma interpretação acurada das palavras do Senhor acerca da consumação.

Na Narrativa das Viagens (9:51-19:27) Lucas colheu material de diferentes fontes para dizer algo que poderia ter sido dito dentro da estrutura de Marcos. Os estudiosos modernos, entretanto, não são unânimes acerca do propósito desta seção. Foi sugerido que se pode encontrar, nesta narrativa, uma ordem que corresponde a Deuteronômio (C. F. Evans), uma cristologia em desenvolvimento, conforme vista na caminhada (Hans Conzelmann), o cristão sendo visto como "o Caminho" (W. C. Robinson), e instruções, aos discípulos, para a época após a morte de Jesus (Bo Reicke). O que é proeminente é que Jesus sabia que ir a Jerusalém significava sua morte e que ele deveria equipar seus seguidores para a missão deles. W. G. Kümmel sugere que Lucas colocou deliberadamente esta extensa narrativa antes da Paixão como uma preparação para a atividade missionária dos discípulos após o Pentecostes. Isto leva ao pensamento teológico controlador contido em Lucas, acerca do lugar de Jesus na "história da salvação".

Oscar Culmann, pela primeira vez, desenvolveu a idéia de Cristo sendo o centro da história (Christus und die Zeit, 1946; tradução inglesa: Christ and Time — Cristo e o Tempo — 1950). Ele salientou o ponto fundamen¬tal, para a teologia e interpretação do Novo Testamento, de que a cruz está no centro, na história da salvação, que a Paixão de Jesus é a culminação da era passada e a inauguração da nova. Para o estudo de Lucas, Hans Conzelmann foi um dos primeiros a desenvolver essa idéia como principal conceito na teologia de Lucas (o título em alemão, Die Mitte der Zeit, 1953, é muito mais sugestivo quanto a teor do que o título da tradução inglesa, The Theology of St. Luke — A Teologia de São Lucas — 1960). Embora muitos tenham procurado corrigir os excessos de Conzelmann, ou discordado bem violentamente de suas conclusões, qualquer tentativa séria de interpretação do terceiro Evangelho deve tratar desta obra mui cuidadosamente.

Usando os resultados da crítica da forma, Conzelmann encontrou, em Lucas, recursos de redação que apóiam seu conceito acerca da história da salvação. Devido à demora da Parousía, Lucas foi confrontado com o problema de interpretar a história conformemente. Para este propósito, segundo Conzelmann, Lucas dividiu a história da obra salvífica de Deus como emergindo em três estágios. O primeiro período é o de Israel, apresentado em forma de resumo em Lucas 16:16: "A lei e os profetas vigoraram até João; desde então é anunciado o evangelho do reino de Deus. João Batista pertence a este primeiro período, porque sua obra é a de preparação, não sendo diferente dos profetas do passado. O segundo período é o do ministério de Jesus, conforme caracterizado em Lucas 4:16-21. Jesus é visto como pertencendo à história passada, um fenômeno histórico: a salvação é um acontecimento passado, em Jesus. O terceiro período é o da Igreja, o presente período, o tempo entre a Ascensão e a Parousía. Este é o tempo da atividade missionária da Igreja, sob o poder e a direção do Espírito Santo, o dom de Deus.

Usando este conceito de história da salvação, Conzelmann removeu o ministério de Jesus relativo ao tempo da Parousía, pelo período da Igreja. A omissão, por Lucas, de Marcos 1:15, Conzelmann vê como tentativa para enfatizar a natureza do Reino, ao invés da iminência deste (4:17-21, 43; cf. At. 1:6,7). Lucas 9:27 omite as palavras "com poder" encontradas em Marcos 9:1. A advertência de Marcos 13:6 é expandida para fins explanativos (21:8). A parábola que aparece em Lucas 19:11-27 (ver Mat. 25:14-30) foi dada porque, ao aproximarem-se de Jerusalém, os discípulos "pensaram que o Reino de Deus fosse aparecer imediatamente". A pergunta acerca do tempo da vinda do Reino, feita pelos fariseus (17:20), foi rejeitada como não apropriada, porque "o reino de Deus está no meio de vós" (17:21). O Reino é uma realidade transcendental, que está fora do contexto da história. Os fenômenos visíveis pertencem à história, e, portanto, não são considerados como presságios da Parousía (21:9,12,20-24).

Talvez fosse melhor dizer que em Lucas não se encontra a urgência como pode ser encontrada nos outros Sinópticos. Há passagens, no terceiro Evangelho, que falam, sim, da proximidade do Reino ou do juízo (3:9,17; 10:9,11; 18:7,8; 21:32). Lucas até acrescenta ηγγικεν (10:11) à mesma passagem encontrada em Mateus 10:14. Com estas referências deve-se concluir que Lucas não estava tanto declarando uma nova posição quanto estava tentando enfatizar um problema desconcertante. Não se pode separar estritamente a escatologia da história da salvação, como Conzelmann quis fazer. Na realidade, a história da salvação contém eventos escatológicos. Atos 1:1 salienta que o próprio Jesus continua a obra que "começou a fazer e ensinar", e Jesus é sempre aquele que começou os "fatos que entre nós se realizaram" (Luc. 1:1). Há duas ênfases escatológicas dominantes em Lucas-Atos. Uma é que a Parousía está próxima, o ponto de vista que está em comum com muita coisa da igreja primitiva (I Tess. 4:15; I Cor. 15:51 e ss; Mar. 9:1; Heb. 10:25, 37; I Ped. 4:7; Tiago 5:8 e ss.). A outra é que o eschaton ocorreu (At. 2:17; Luc. 4:21) e pode ser inteiramente experimentado no presente (Luc. 17:21). Da perspectiva de várias décadas, Lucas foi capaz de ver que o dom do Espírito Santo, nos seguidores de Jesus (Luc. 29:49; At. 2:1 e ss.), era uma continuação da obra de Deus, através de Jesus Cristo, na história da salvação. Lucas retém a esperança da "vinda" do Reino, e também salienta o pensamento cristão básico de que a presença do Reino é uma realidade no ministério de Jesus e da Igreja.