Os Pactuantes de Qumran

QUMRAM, JUDAÍSMO, ESTUDO BIBLICOS, TEOLOGICOS
Já fizemos menção dos Hasidim que, no tempo de João Hircano (134-104 a.C), apareceram como partido dos fariseus. Porém, nem todo Hasidim se identificou com esse partido. Parece haver razão para acreditar que, durante o curso do segundo século a.C, um grupo de pessoas da verdadeira tradição hasídica decidiu se retirar para o deserto da Judeia sob a liderança de quem eles chamavam o “Mestre da Justiça”. Este formou seus seguidores em uma comunidade religiosa bem organizada, ensinou-lhes uma nova interpretação das Escrituras e uniu-os em uma “nova aliança” que os levou à obediência à lei de Deus até o surgimento da era messiânica. A descoberta em 1947 desse quartel general dos Pactuantes, em Qumran, perto da costa do Mar Morto, e de um vasto número de escritos de suas bibliotecas, muito acrescentou à nossa compreensão sobre o estado das coisas na Palestina durante o período interbíblico.

Desde então, a opinião sobre a descoberta desses “rolos do Mar Morto” tem estado dividida como também em relação à identidade da comunidade de Qumran. Alguns estudiosos têm argumentado a favor de uma data pré-macabeus, e outros por uma identificação com os zelotes no primeiro século d.C. Talvez os argumentos mais fortes, entretanto, possam ser apresentados ao associá-los, se não identificá-los, com um ramo dos essênios da época de Alexander Janaeus (102 a.C.)ou um pouco antes. Nesse mesmo período há evidências de uma grande comunidade de essênios e uma comunidade igualmente grande de Pactuantes, ambas vivendo ao redor do Vádi Qumran (NT.: vádi: denominação árabe dos rios intermitentes do norte da África e do Oriente próximo; denominação do leito desses rios — Dicionário Webster.), e a indicação é de que eles provavelmente formavam uma única comunidade. Essa convicção é fortalecida por uma comparação dos costumes, ritos e crenças dessas duas seitas que indica que eles pertenciam ao mesmo tipo geral.

É um fato de particular interesse que ambas as seitas tenham dedicado muito tempo ao estudo e interpretação da Torah e de outros livros sagrados. Entre os Pactuantes, sempre que os membros efetivos do Conselho se reuniam em grupos de dez, como era costume, os assuntos eram ordenados de modo que algum membro do grupo sempre se ocupava do estudo ou exposição. Os membros ordinários da comunidade deviam dedicar a primeira terça parte de todas as noites à leitura do livro', estudando a lei e respondendo com as bênçãos apropriadas. Como os essênios, os pactuantes tinham muito em comum com os fariseus, mas eram mais rígidos do que eles na interpretação da Torah, como, por exemplo, na observância do dia do Sábado. Eles acreditavam que sua fidelidade como remanescente representativo de Israel, causaria uma expiação vicária para sua nação e ajudaria a anunciar a nova era de que os profetas haviam falado. Essa fidelidade encontrou sua expressão no estudo meticuloso e na prática da lei, e foi com esse propósito que eles foram os primeiros a se retirarem para o deserto da Judéia.

O líder dessa comunidade, o Mestre da Justiça, ensinou a seus seguidores uma nova interpretação das Escrituras que tornou clara a parte que eles deveriam desempenhar no cumprimento do propósito de Deus para sua geração. De particular significado eram os escritos dos profetas que, como se acreditava, não escreviam simplesmente sobre seus próprios dias, mas sobre os tempos do fim. Na profecia de Habacuque, os pactuantes viam uma predição dos dias que eles mesmos estavam então vivendo. O fim estava próximo. O “mistério” (hebraico: raz cf. Dn 2.18, etc.) que foi transmitido por Deus a Habacuque, mas cujo significado foi dele escondido, recebeu sua interpretação (hebraico: pesher) pelo Mestre da Justiça, que demonstrou que a antiga profecia fora escrita com referência, não ao passado, mas às pessoas e aos acontecimentos de seus próprios dias. O Dr. F. F. Bruce mostrou (New Testament Studies (Estudos do Novo Testamento), vol. 2, n° 3, pp. 176 ss, artigo sobre Qumran and Early Christianity (Qumran e o Cristianismo Primitivo) que esse mesmo método de interpretação é, em muitos aspectos, semelhante ao adotado pelos cristãos primitivos e que várias passagens no Novo Testamento podem facilmente ser traduzidas para a língua-pescher em que a interpretação da profecia é dada em termos dos próprios dias do escritor ou em termos do fim dos tempos. (Ele ilustra isso ao associar Habacuque 1.5 com Atos 13.66 ss como interpretação; Habacuque 2.3 s com Hebreus 10.37 s, Romanos 1.17 e Gálatas 3.11; Amós 5.25 ss com Atos 7.42 s; Salmos 95.10 com Hebreus 3.9 s.) Entre os escritos encontrados no Qumran há um chamado “A Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas” onde são descritos planos para a execução de uma Guerra Santa que conduziria ao tempo do fim. Parece certo que, na ocasião da guerra com Roma (66 d.C), segundo o espírito desse livro, os Pactuantes foram prontamente favoráveis aos zelotes e, como resultado, suas instalações em Qumran foram destruídas, como as evidências arqueológicas indicam, em 68 d.C. E se, como parece provável, eles devem ser identificados como um ramo dos essênios, isso explicaria o relato de Josefo, segundo o qual naquela época muitos dos essênios foram cruelmente torturados.

As seitas do judaísmo diferiam umas das outras em muitos aspectos; contudo, à exceção dos saduceus, elas eram unidas por uma única coisa em sua luta contra o inimigo comum; não era a devoção pelo partido nem mesmo pela pátria, mas pela Torah sagrada e pela santa Aliança do Senhor seu Deus.


Fonte: Between the Testaments: From Malachi to Matthew, de Richard Neitzel Holzapfel.

Veja outros estudos bíblicos relacionados:

Cf. Macabeus - Quem eram? (1)
Cf. Macabeus - Quem eram? (2)
Cf. Estudo Bíblico: Saduceus