Livro de Miquéias — Profeta Escritor

ESTUDO BIBLICO, TEOLOGIA
Em Mq 1.1 o profeta é descrito como “morastita”, isto é, habitante de Moresete-Gate (Mq 1.14), que, segundo Jerônimo, até seus dias era “uma pequena aldeia próxima de Eleuterópolis”. Eleuterópolis tem sido identificada como Beit-Jibrin, e fica em um dos vales que sobem da planície costeira para as terras altas da Judéia em redor de Jerusalém. Moresete, portanto, ficaria cerca de quarenta quilômetros ao sudoeste de Jerusalém, na Sefelá, a meio caminho entre a cidade de Gate, na Filístia (Mq 1.10) a oeste, e Adulão (Mq 1.15), a leste. Sua relação para com Maresa (Mq 1.15) não é claramente conhecida: alguns as julgam idênticas. Em algum tempo ou outro parecem ter estado sob a suserania de Gate, ou ter tido alguma conexão com aquela cidade.

Dessa maneira Miquéias não vivia em algum lugar atrasado, porém, no mais importante dos vales, que oferecia aproximação à capital para quem vinha da planície marítima. Desse ponto vantajoso ele contemplava a grande estrada costeira, ao longo da qual, por centenas do anos, haviam passado os exércitos dos conquistadores, as caravanas comerciais e grupos de peregrinos. Habitando perto da ponte natural entre a Ásia e a África, com o Mediterrâneo como pano de fundo rebrilhante, 32 quilômetros além, ele se achava em posição de onde podia contemplar o triste drama de 721-719 A. C., quando, após a queda de Samaria, Sargom passou a empenhar-se para dominar as forças egípcias na estrada costeira em Ráfia, em 719 A.C. Poucos anos mais tarde, Judá aliou-se a Edom, Moabe e os filisteus na tentativa de, com a ajuda egípcia (que nunca veio), quebrar o poder da Assíria na região; porém, os aliados foram duramente enfrentados pelo tartã, o oficial de Sargom, e Asdode e Gate foram saqueadas (Is 20.1). Mais tarde ainda, Senaqueribe, que em uma de suas inscrições se vangloria de haver capturado quarenta e seis aldeias judaicas, talvez tenha conquistado também Moresete-Gate como uma delas.

Além disso, não havia comércio entre o Egito e Jerusalém que Miquéias não observasse. Ele via Judá pondo sua confiança no Império decadente do Nilo; via as equipes de cavalos e carruagens egípcias nas quais Judá, uma região montanhosa e imprópria para cavalaria, repousava falsamente sua confiança; via as influências corruptoras de uma aliança estrangeira; via o orgulho crescente e a falta de escrúpulos dos homens da capital. (Ver Apêndice 2 a Reis, “As Implicações das Alianças Políticas”).

Na qualidade de homem interiorano, o profeta via na capital de seu país a fonte e o centro da iniqüidade. “Qual é a transgressão de Jacó? Não é Samaria? e quais os altos da Judá? Não é Jerusalém?” (Mq 1.5). Ele mesmo pode ter sido um fazendeiro e ter sido expulso de sua herdade por algum ganancioso dono de terras. “E cobiçam campos e os arrebatam e as casas e as tomam: assim fazem violência a um homem e à sua casa, a uma pessoa e à tua herança” (Mq 2.2). Amarga experiência pessoal e perda, tal vez estejam por detrás dessas palavras. Miquéias era direto em suas palavras como os homens do interior e também possuía profundeza de confissões e inflamada indignação. Não obstante, ele também era capaz de dizer coisas sublimes e belas. Ele ultrapassa o próprio Isaías na ternura de seus apelos, na lúcida simplicidade e na sublimidade moral que acompanham seu maior oráculo (Mq 6.1-8).

Embora Miquéias tenha vindo do interior, enquanto que Isaías pertencia à capital e à corte real, as mensagens principais de ambos são substancialmente as mesmas. Isaías, como já seria de esperar, tem mais a dizer acerca da situação política e acerca das relações com o Egito e a Assíria; porém, ao abordarem os males sociais e morais, consequentes da rejeição ao Senhor por parte de Israel, ambos os profetas falam num único tom. Cfr. por exemplo Mq 2.1 e segs., com Is 5.8 e segs.; Mq 3.1-4 com Is 10.1-4. A nação hebréia estava deixando de cumprir sua missão no mundo, para a qual Deus a tinha chamado (Mq 2.7; Is 1.21) e, por conseguinte, teria de ser expurgada por meio de julgamento e repreparada para o serviço (Mq 3.12; Mq 4.6-7; Is 1.25-27). As mensagens desafiadoras de ambos os profetas devem ter influenciado profundamente Ezequias em sua obra de reforma.

Miquéias era nome comum entre os judeus, e significa “quem é como Jeová?” (cfr. Miguel, “quem é como Deus?”). É digno de nota que a profecia de Miquéias tem início com as palavras de um apelo feito anteriormente por um seu homônimo (1Rs 22.28). Dessa maneira, Miquéias liga-se deliberadamente com aquele campeão mais antigo da verdade.