O Cristianismo em Roma

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O Cristianismo em Roma
(Enciclopédia Bíblica Online)

Os termos em que Paulo se dirige aos cristãos de Roma esclarecem que a igreja daquela cidade não era de organização tão recente. Mas quando tentamos determinar alguma coisa sobre a origem e a história dos primeiros períodos do cristianismo romano, encontramos bem poucos dados evidentes em que apoiar-nos. Temos de reconstruir a situação na medida do possível, baseados em várias referências literárias e arqueológicas.

Conforme Atos 2:10, a multidão de peregrinos presentes em Jerusalém para a festa de Pentecoste do ano 30 A. D., e que ouviu Pedro pregar o Evangelho, incluía “visitantes procedentes de Roma, tanto judeus como prosélitos” (RSV). Não temos informação sobre se alguns deles estavam entre os três mil que creram na mensagem de Pedro e foram batizados. Talvez seja significativo que aqueles visitantes romanos são o único grupo europeu a receber menção expressa entre os peregrinos.

Em todo caso, todos os caminhos levavam a Roma e, uma vez que o cristianismo estava firmemente estabelecido na Palestina e nos territórios circunvizinhos, era inevitável que fosse levado para Roma. Dentro de um ano ou dois, se não — como pensa Foakes-Jackson — “no outono seguinte à crucifixão, é bem possível que Jesus já recebesse honra na comunidade judaica de Roma como Aquele que esteve em Damasco”.

O “pai” da igreja latina, do século quarto, a quem chamamos Ambrosias-tro, diz, no prefácio do seu comentário desta epístola, que os romanos “tinham abraçado a fé em Cristo, embora de acordo com o rito judaico, sem ver nenhum sinal de obras poderosas e nenhum dos apóstolos”. Evidentemente foram cristãos simples e comuns os primeiros a levar o Evangelho a Roma e a implantá-lo ali — provavelmente no seio da comunidade judaica da capital.

Já no segundo século a.C. existia uma comunidade judaica em Roma. Seu número cresceu consideravelmente em conseqüência da conquista da Judéia por Pompeu em 63 a.C, e seu “triunfo” em Roma dois anos mais tarde, quando muitos prisioneiros de guerra judeus cooperaram com a sua marcha, e depois receberam a liberdade. Em 59 a.C, Cícero faz alusão ao tamanho e à influência da colônia judaica de Roma.

No ano 19 A. D., os judeus de Roma foram expulsos da cidade por um decreto do imperador Tibério (ver p. 76), mas em poucos anos estavam de volta em número maior do que nunca. Não muito depois disto, registra-se outra expulsão em massa dos judeus de Roma, essa vez pelo imperador Cláudio (41-54 A. D.). Essa expulsão é mencionada ligeiramente em Atos 18:2, onde se diz que Paulo, ao chegar a Corinto (provavelmente no fim do verão do ano 50 A. D.), “encontrou certo judeu chamado Áquila (...) recentemente chegado da Itália, com Priscila, sua mulher, em vista de ter Cláudio decretado que todos os judeus se retirassem de Roma”. A data do édito de expulsão é incerta, embora Orósio possa estar certo colocando-a no ano 49 A. D.

Outras referências aparecem na literatura antiga, sendo a mais interessante uma nota que há na obra “Vida de Cláudio”, XXV.2, informando que o imperador “expulsou de Roma os judeus porque estavam constantemente em rebelião, à instigação de Cresto (impulsore Chresto)”. Dá para pensar que este Cresto era um agitador judeu em Roma naquele tempo. Entretanto, o modo como Suetônio introduz seu nome torna muito mais provável que a rebelião tenha sido uma seqüência da introdução do cristianismo na comunidade judaica da capital. Escrevendo cerca de setenta anos mais tarde, Suetônio pode ter conhecido algum registro contemporâneo da ordem de expulsão, registro que mencionava Cresto como o líder de uma das partes envolvidas, e inferiu que ele estava realmente em Roma naquela ocasião. Decerto sabia que Chrestus (uma variante da ortografia gentílica de Christus) era o iniciador dos cristãos, aos quais descreve em outras partes como “perniciosa e funesta classe de gente”. Bem podia parecer-lhe uma inferência muito razoável que Cresto tivesse tomado parte ativa no incentivo àquelas rebeliões.

Parece que Áquila e Priscila já eram cristãos antes de encontrarem Paulo. Provavelmente eram membros do grupo original de crentes em Jesus residentes em Roma. Não sabemos onde ou quando eles ouviram o Evangelho pela primeira vez. Paulo jamais dá a idéia de que eram seus filhos na fé. Mas podemos estar certos de que o grupo original de crentes da cidade de Roma consistia inteiramente de judeus cristãos, e que a ordem de expulsão emitida por Cláudio acarretou a saída e a dispersão deles.

Contudo, os efeitos da ordem de expulsão duraram pouco. Não muito tempo depois, a comunidade judaica florescia uma vez mais em Roma, e o mesmo acontecia com a comunidade cristã. Menos de três anos depois da morte de Cláudio, Paulo pôde escrever aos cristãos de Roma e falar da fé que eles tinham como assunto que era do conhecimento universal. Bem pode ser que o édito de expulsão tenha caducado com a morte de Cláudio (54 A. D.), se não antes. Mas em 57 A, D., os cristãos de Roma incluíam gentios bem como judeus, conquanto Paulo faça lembrar aos cristãos gentílicos que a base da comunidade é judaica, e que não a devem desprezar ainda que venham a superá-la em número (11:18).

Na verdade, o lastro judaico do cristianismo romano não foi esquecido logo. Ainda no tempo de Hipólito (falecido em 235 A. D.), alguns traços das práticas religiosas cristãs em Roma proclamavam sua origem judaica — origem que deve ser procurada no judaísmo sectário ou dissidente, e não em suas correntes principais.

Se as saudações que se acham em 16:3-16 se destinavam a Roma e não a Éfeso (ver pp. 215-224), então podemos achar nelas alguma informação muito interessante a respeito dos membros da igreja romana em 57 A. D. Estes eram presumivelmente cristãos que Paulo tinha encontrado em outros lugares durante sua carreira apostólica e que nesse tempo residiam em Roma. Estavam incluídos entre eles alguns que eram dos primeiros cristãos da igreja primitiva, tais como Andrônico e Júnia (ou Júnias) que, como diz Paulo, “estavam em Cristo antes” dele próprio, e eram bem conhecidos nos círculos apostólicos, se é que não eram de fato reconhecidos como “apóstolos” (16:7). É razoável identificar o Rufo mencionado no versículo 13 com o filho de Simão Cireneu mencionado em Marcos 15:21. Paulo pode tê-lo conhecido, e à sua mãe, em Antioquia. Áquila e Priscila, que tinham sido compelidos a deixar Roma uns oito ou mais anos antes, estavam agora de novo na capital, e sua casa era um dos locais de reunião dos membros da igreja de lá (O fato de que a basílica — o estilo típico dos edifícios eclesiásticos primitivos — preserva o contorno de uma casa particular romana, lembra-nos que a casa-igreja era geralmente o lugar de reunião dos cristãos nos tempos primitivos.)

Com efeito, talvez o cristianismo já tivesse começado a exercer algum impacto nas altas camadas da sociedade romana. Em 57 A. D., ano em que Paulo escreveu sua Epístola aos Romanos, Pompônia Graecina, mulher de Aulo Pláutio (que acrescentou a província da Bretanha ao Império Romano em 43 A. D.), foi julgada e absolvida por um tribunal doméstico, da acusação de haver abraçado uma “superstição estrangeira”, que podia ter sido o cristianismo. Mas aos olhos da maioria dos romanos que pouco sabiam do cristianismo, este era simplesmente outra enfadonha superstição oriental, a espécie de coisa que o satírico Juvenal tinha em mente sessenta anos mais tarde, quando se queixou do modo como os esgotos do Orontes se descarregavam no Tibre. (Visto que Antioquia, à margem do Orontes, era o lar do cristianismo gentílico, é provável que Juvenal considerasse o cristianismo gentílico como um dos elementos presentes naqueles esgotos.)

Sete anos depois da produção desta epístola, quando Roma foi devastada por enorme incêndio, e o imperador Nero procurou à sua volta bodes expiatórios para os quais pudesse desviar a suspeita popular (talvez injustamente) dirigida contra ele, encontrou-os perto e prontos. Os cristãos de Roma eram impopulares. Eram vistos como “inimigos da raça humana” e acusados de práticas criminosas como o incesto e o canibalismo. Por isso, fizeram-se em grande número vítimas do ódio imperial. E é essa perseguição movida por Nero que tradicionalmente compõe o cenário para o martírio de Paulo e de Pedro.

Três anos após escrever esta carta, Paulo afinal concretizou sua esperança de visitar Roma. E o fez de um modo que não esperava ao escrevê-la. O receio quanto à acolhida que lhe dariam em Jerusalém receio que expressara em 15:31 — provou-se bem fundado. Poucos dias depois de sua chegada ali, foi acusado perante as autoridades romanas da Judéia de ter feito grave ofensa à santidade do templo. O processo arrastou-se inconclusivamente, até que, por fim, Paulo se valeu dos seus direitos de cidadão romano e apelou para que sua causa fosse transferida para Roma, para a jurisdição direta do imperador. Foi, então, enviado para Roma. Depois de um naufrágio, e após invernar em Malta, chegou a Roma no princípio do ano 60 A. D. Quando estava sendo conduzido para o norte, pela Via Ápia, por um corpo militar de mensageiros sob cuja custódia estava, os cristãos de Roma, ouvindo falar de sua chegada, foram encontrá-lo em pontos situados a 50 ou 60 quilômetros do sul da cidade e lhe deram algo assim como uma escolta triunfal para o resto da viagem. Ver estes amigos foi uma fonte de grande estímulo para ele. Nos dois anos seguintes, Paulo ficou em Roma, mantido sob guarda em seus alojamentos particulares, com permissão para receber visitas e propagar o Evangelho no centro vital do império. O que sucedeu no fim desses dois anos é objeto de conjetura. Não há plena certeza de que ele tenha chegado a cumprir o seu plano de visitar a Espanha e de pregar o Evangelho ali. O que é mais provável é que, não muitos anos mais tarde, tendo sido sentenciado à morte em Roma, como líder dos cristãos, foi levado para fora da cidade, pela estrada que vai ao porto marítimo de Ostia, e ali decapitado, no local até hoje assinalado pela Igreja de San Paolo Fuori le Mura (“São Paulo Fora dos Muros”). Todavia, nas palavras de Tertuliano, ficou provado que o sangue dos cristãos é semente.

A perseguição e o martírio não extinguiram o cristianismo em Roma. A igreja ali continuou a florescer com crescente vigor e a contar com a estima dos cristãos do mundo inteiro como uma igreja “digna de Deus, digna de honra, digna de congratulações, digna de louvor, digna de sucesso, digna em pureza, preeminente em amor, andando segundo a lei de Cristo e levando o nome do Pai”.


FONTE: Tyndale New Testament Commentaries, ROMANS de F.F Bruce.