Motivos da Carta aos Gálatas

CARTA, GÁLATAS, MOTIVOS, ESTUDO
a. A confusão nas igrejas

 Pelo que parece, os tempos iniciais das igrejas foram uma verdadeira primavera espiritual. Trechos como Gl 3.3,4 e 4.12-16 o ilustram. Os fiéis se igualavam a atletas que saíram bem na largada e que encontraram na forma desejável o seu estilo de corrida (Gl 5.7). Esse começo relativamente sem problemas pode ter acontecido pelo fato de que, ao contrário dos começos em Antioquia, Icônio ou Listra (At 13.45,50; 14.2,5,19) não ocorreram de imediato interferências judaicas. Apesar de haver comprovação da existência de judeus também no território da Galácia, parece que neste caso, por ter adoecido (Gl 4.13), Paulo não se ateve ao seu princípio de procurar primeiro a sinagoga. É provável que o berço das igrejas galáticas se encontre numa casa gentílica qualquer, na qual foi acolhido aquele que carecia de cuidados. As interpelações na carta não causam a impressão de que entre esses cristãos haja judaico-cristãos (Gl 4.8; 5.2; 6.12). Pois do contrário, a questão da circuncisão dificilmente poderia ter obtido o nível de uma novidade excitante e causar tamanha confusão. Parece que essas igrejas formadas puramente por gentílico-cristãos não estavam preparadas para essa incursão, motivo pelo qual também estavam tão indefesas.

Tampouco a segunda visita de Paulo, pressuposta em Gl 4.13, destruiu o quadro favorável. Depois, no entanto, Paulo experimentou um choque térmico. Estou admirado de vocês estarem abandonando tão depressa (Gl 1.6 [VFL]). Apenas pouco tempo depois de sua partida começaram os distúrbios. É improvável que tenham vindo das próprias fileiras, pois toda vez que Paulo fala dos causadores, não se dirige a eles. Em outras cartas ele decididamente exortava citando os nomes, como mostra Fp 4.2, mas aqui se interpõe um véu de desconhecimento entre Paulo e seus adversários. Logo devem ter sido pregadores itinerantes estranhos. Paulo caracteriza a sua atividade com os seguintes verbos: Eles proclamam o evangelho, mas o pervertem, ou seja, privam-no de seu sentido (Gl 1.7).

  • Eles perturbam os gálatas, ou seja, tornam-nos inseguros em termos doutrinários (Gl 1.7; 5.10).
  • Eles impedem a bela corrida dos gálatas (Gl 5.7), tirando-lhes totalmente o equilíbrio.
  • Eles persuadem (Gl 5.8), sim constrangem, os cristãos pelo uso de pressão psicológica (Gl 6.12). Eles tentam afastá-los, i. é, isolá-los de Paulo e desligá-los de sua obra missionária (Gl 4.17).
  • Eles incitam à rebeldia contra o apóstolo (Gl 5.12). 

De acordo com Gl 4.16 parece que também já se formaram inimizades contra o apóstolo entre os gálatas. Enquanto a carta está sendo redigida, esses homens ainda estão atuando com toda a força e quase alcançam seu objetivo. As igrejas estão a ponto de se bandearem definitivamente para eles (Gl 1.6; 3.3,4; 4.9,11,21). Os mestres instalados por Paulo já ficavam sem sustento, o que se pode depreender da exortação de Gl 6.6-10. Essa situação de fundo explica a veemência incomum do apóstolo. Toda a federação galática de igrejas, com menos de cinco anos de idade, corria o perigo de despedir-se do cristianismo, não intencionalmente, mas de fato.

Por outro lado havia também uma minoria em que prevalecia o vínculo com Paulo. A palavra do morder e devorar-se mutuamente, em Gl 5.15; cf. v. 26, aponta para partidos em conflito. Devem ter sido os fiéis a Paulo que também o informaram, de modo que ele está bem ao par da situação, não considerando mais necessário levantar nenhuma pergunta adicional. Os fatos entre ele e os destinatários eram tão pouco controvertidos que o leitor atual precisa avançar na leitura até o quarto e quinto capítulos para descobrir sequer algo do conteúdo desse outro evangelho dos invasores (Gl 4.9,10; 5.2). Em todos os casos Paulo pode posicionar-se logo nas primeiras sentenças. É claro que uma visita pessoal teria sido apropriada (Gl 4.20). Mas naquele instante não lhe era possível (1Co 16.8,9) realizar a viagem a pé de pelo menos 400 km por terras escarpadas. É deste modo que se originou essa carta extraordinária.

b. Os adversários de Paulo (os judaístas)

Como dissemos, eles vinham de fora, porém não se apresentavam como visita normal ou como migrantes, mas como agitadores. Eles queriam algo (Gl 1.7; 4.17; 6.12,13). Qual era a sua intenção? Como Paulo, tencionavam missionar os gentios, do contrário não teriam vindo até essas igrejas gentílico-cristãs. Mais precisamente: Eles se sentiam enviados para realizar uma missão consecutiva, corretiva, nos lugares em que Paulo atuou antes deles. Há anos Paulo experimentava que às igrejas fundadas por ele em breve chegavam pessoas com essa intenção, assim na Galácia, passando por Filipos, até Corinto. As respectivas cartas o confirmam. Mais tarde, na Carta aos Romanos, ele também presumia que tinham influência em Roma. De acordo com Gl 2.4,5 ele já se defrontou com os antepassados espirituais deles há cinco anos em Antioquia (cf. com At 15.1,2): falsos irmãos, que se entremetiam e espreitavam atrás dele. Seus mandantes estavam em Jerusalém. Talvez também apresentassem cartas de recomendação de lá (cf. 2Co 3.1; 10.12).

Com certeza tratava-se de judeus, pelo menos arvoravam-se, segundo 2Co 11.22, no fato de que podiam chamar-se de hebreus, israelitas, descendentes de Abraão. Com a maioria dos exegetas, definimo-los mais precisamente como judaístas. Em relação a Gl 1.13,14 e 2.14 cabe elucidar este termo. Antecipamos duas explicações mais genéricas. Em primeiro lugar, Paulo conhece um conceito duplo de judaísmo. Em Gl 1.13,14 ele fala de um judaísmo judaico, ao qual ele próprio pertenceu no passado. Em nosso caso, no entanto (cf. Gl 2.14), trata-se de um fenômeno interno do cristianismo, da ala radical dos judaico-cristãos, que voltavam a conferir à lei um peso maior que ao evangelho. Como, porém, se tratava de cristãos, não se deve pressupor entre eles o legalismo judaico fariseu, mas um legalismo de cunho próprio. Em segundo lugar não se deve relacionar aquilo que Paulo escreve contra esses judaístas cristãos com os judeus propriamente ditos. Sua luta não respira de modo algum o anti-semitismo. Lamentavelmente a falta de precisão nos tempos antigos e modernos lançou tudo numa vala comum. No próprio Paulo falta totalmente a desqualificação do povo eleito.

Que intenções dos judaístas a carta permite perceber? São três direções em que vai a sua investida, e que correspondem aos três grandes blocos da carta aos Gálatas. A primeira linha de ataque: os judaístas solapavam a autoridade de Paulo enquanto apóstolo de Jesus Cristo. Para tanto também tornavam nebulosa a sua relação com os primeiros apóstolos e os cristãos de Jerusalém, de diversas maneiras. Nisso tampouco se detinham diante de afirmações impensadas ou até de difamações. Eles espalhavam que Paulo era ávido de receber agrados (Gl 1.10) e que não era sincero em sua pregação (Gl 5.11), a fim de conquistar a maior adesão possível. Este aspecto de sua agitação tinha uma característica mais preparatória, pois o pregador somente era atacado com o intuito de destruir a sua pregação. Mas Paulo a levou tão a sério que lhe dedicou com grande comoção toda a primeira parte da carta.

A segunda linha de ataque: os judaístas combatiam ferrenhamente a liberdade frente à lei trazida pelo evangelho. Neste aspecto, porém, a Carta aos Gálatas muitas vezes é lida de forma muito rápida, pressupondo-se que esses cristãos judaístas tenham assumido a posição de um judaísmo rigorosamente farisaico e que pretendiam lançar sobre os gálatas toda a rede dos preceitos farisaicos.

Para maior concreticidade, lembremo-nos do farisaísmo nos evangelhos, com o qual Jesus se deparou. Os fariseus formavam uma confraria que visava santificar pela obediência à lei todo o dia-a-dia de seus membros, do berço ao ataúde. Nesse sistema não podia haver nenhuma lacuna para escapar. Toda situação imaginável era refletida e regulamentada com esse objetivo. Para isso não apenas contavam cuidadosamente os 613 mandamentos citados no Antigo Testamento (365 ordens e 248 proibições), mas rodeavam-nos ainda com um círculo de determinações adicionais, submandamentos e subsubmandamentos. Esses eram as tradições dos anciãos, que são mencionadas cinco vezes em Mc 7.1-13 e às quais Jesus contrapôs os verdadeiros mandamentos de Deus. Por exemplo: No esforço de dizer claramente para cada pessoa sobre o que incidia a proibição de trabalhar no sábado, eles formularam nada menos de trinta e nove trabalhos principais, além de incontáveis trabalhos subordinados. Aumentava cada vez mais a soma daquilo que o homem de Deus tem de saber para poder viver de acordo com a vontade de Deus. Era esse enorme peso que Jesus tinha em vista quando afirmou: Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os ombros dos homens (Mt 23.4; cf. At 15.10), e quando exclamou: Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim… Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve (Mt 11.28-30).

Retornemos aos cristãos judaístas e sua propaganda na Galácia. Se de fato tivessem tido a intenção de introduzir esse gigantesco aparato legalista, isso deveria ter-se espelhado na carta. No entanto Paulo afirma sobre eles algo diferente: Para abrandar, queriam introduzir não a lei toda, mas somente um pouquinho dela (Gl 5.9; cf. 3.15), uma pequena insignificância. Em Gl 6.13 encontramos a afirmação clara de que também eles próprios não guardam a lei toda: Pois nem mesmo aqueles que se deixam circuncidar guardam a lei. A que partes eles se restringiam? Se revisamos a carta aos Gálatas, encontramos pelo menos duas, provavelmente três:

  • Sua exigência central era a circuncisão (Gl 5.2,3; 6.12,13, cf. 2.3,4). É por isso que Paulo em Gl 6.13 também os designa de gente que cultiva a circuncisão, ou seja gente da circuncisão.
  • De acordo com Gl 4.10 somava-se a esse ato a observação das festas judaicas, seguramente sobretudo do sábado. 
  • Como terceiro elemento surgem os mandamentos judaicos em relação à comida. É o que se poderia depreender de Gl 2.11,12. A afirmação direta desse texto, porém, refere-se a Antioquia.

Com certeza não era arbitrário que os judaístas impusessem exatamente essas três partes dentre a plenitude de mandamentos e preceitos. Pelo contrário, eles se apoiavam para isso numa grande história precedente que remonta ao século VI a.C., a saber, ao exílio babilônico.

Naquele tempo formou-se entre os desarraigados e deportados um movimento, comparável a um avivamento, nos seguintes termos: Agora é que vamos de fato ser fiéis e continuar sendo o povo de Deus! Logo, isolaram-se, para não serem absorvidos pelo paganismo que os cercava. Passaram para o primeiro plano aqueles preceitos legais que reforçavam essa tendência, que, portanto, se prestavam como marcas de diferenciação por caírem na vista, e que sublinhavam a separação confessional diante dos gentios. O sábado, celebrado semana após semana, tornava impossível ignorar uma família judaica num bairro gentílico. Além disso, as prescrições alimentares precisas serviam para sufocar qualquer convívio mais estreito com gentios. Sobretudo destacava-se a circuncisão. Na Palestina ela não desempenhara uma função tão marcante, pois ali também os povos vizinhos praticavam esse rito. Na distante Babilônia, porém, ele era desconhecido e sem paralelo. O rito, portanto, fazia do judeu uma pessoa impossível de ignorar, separava-o e incorporava-o ao povo eleito. Sem a circuncisão as pessoas eram apenas massa. Este ato, porém, as destacava da massa informe.

É por isso que na Babilônia justamente esses rituais visíveis se tornaram a característica judaica para todo o que queria ser judeu com seriedade. Quando os judeus babilônios puderam retornar novamente para Jerusalém, trouxeram consigo esse legado e continuaram a cultivá-lo. Além disso era dada a máxima ênfase àquelas partes da lei que os separavam dos povos gentios. Sim, enquanto a lei no AT continha uma riqueza de auxílios para um convívio humano de judeus e estrangeiros, seu real sentido passou a ser visto na função de separar. De acordo com essa posição, Deus tinha dado a lei para rodear os judeus com uma cerca impenetrável e com um muro de bronze, para que não tivessem comunhão alguma com nenhum dos demais povos. Sob essas circunstâncias passavam para segundo plano os singelos atos de obediência no cotidiano, privilegiando-se os ritos evidenciáveis e controláveis. Ao mesmo tempo armava-se o perigo da exterioridade, a saber, a tentação de substituir a obediência por ações simbólicas.

Retornemos aos cristãos judaizantes na Galácia. É inegável que, com suas exigências da circuncisão, do sábado e dos mandamentos sobre a alimentação, eles se encostavam na grande tradição judaica. Ao mesmo tempo fica nítida também sua intenção interior. Nesses três aspectos estava em jogo para eles nada menos que a salvação, i. é, de pertencerem ao único povo da salvação na terra, os judeus. Contudo não podiam imaginar o ingresso nesse povo da salvação de maneira diferente que exatamente pela aceitação precisamente desses três rituais de caráter confessional. Isso, apenas esse pouquinho, os judaístas acreditavam ser sua obrigação introduzir na missão de Paulo entre os gentios.

Paulo, porém, esclareceu os gálatas, já dispostos a se deixarem circuncidar, que não existe esse pouquinho sem o todo. Se afinal o sinal de aliança da circuncisão devia ter sentido, fazia parte dele passar a observar toda a aliança de Moisés. A solução com a lei reduzida é esfarrapada. Como rabino formado, Paulo lhes propõe o argumento de Gl 5.3: todo homem que se deixa circuncidar que está obrigado a guardar toda a lei. Para isso não existe substituição. Tampouco a circuncisão é um substitutivo, de maneira tal que se estaria livre das demais obrigações (Rm 2.25), porém e la subordina a pessoa a um compromisso geral. Desejar a circuncisão significa na prática desejar a lei e a justiça da lei e rejeitar a graça de Cristo, independentemente de a pessoa ter ou não uma clara noção disto (Gl 5.2-4). Nesse sentido é que Paulo pode inculpar de forma um tanto aguçada seus leitores em Gl 4.21: Vocês que querem estar debaixo da Lei (BLH). Encontramo-nos diante de um método significativo de Paulo. Ele retira um ponto controvertido de seu isolamento e o perpassa em direção do fundamental. Em Antioquia isso aconteceu, segundo Gl 2.11-21, a partir do mandamento sobre os alimentos, na Galácia a partir da exigência da circuncisão. Paulo demonstra o que está em jogo com essa exigência isolada, que supostamente não afetaria em nada o ser cristão: é introduzido todo o sistema da lei e, assim, anulado alternativamente todo o sistema do evangelho.

Paulo considerava, com a mesma seriedade dos seus adversários, a questão de pertencer ou não ao povo da salvação. Com base na Escritura, porém, ele a responde de maneira totalmente diferente em Gl 3.1-14. A terceira linha de ataque: os judaístas dispunham de mais uma alavanca para tornar os gálatas inseguros, a saber, das perguntas pelas deficiências morais entre as suas próprias fileiras. Nesse caso precisamos traçar um quadro mais abrangente.

O grande comentário a Gálatas de Hans Dieter Betz (em língua alemã em 1988) mostra nas pág 35-36 que essa carta não está calibrada para os espíritos ingênuos dos distantes vales nas montanhas da Galácia, nos quais ainda se falava o idioma celta. Pelo contrário, em termos de linguagem, forma de pensamento e conhecimentos, ela pressupõe leitores da camada letrada. Ela corresponde a altos padrões intelectuais. Poderia ter sido dirigida a pessoas urbanas da então capital provincial Ancyra (cf. acima, item 3a). Como tal a carta também abordava a crise cultural daquele tempo. O que nos interessa nesse aspecto é o vazio ético que se escancarava diante de muitas pessoas intelectualmente despertas no primeiro século do Cristianismo.

Apesar de todo o brilho, a cultura se esgotara. Decaíam as ordens, os usos e costumes que até então preservavam a sociedade. Formas sociais como matrimônio, família, vizinhança e cidadania não sustentavam mais nada. Os templos ficavam vazios e corriam o perigo de restarem apenas como museus.

Verdadeira devoção tornava-se coisa rara. Sempre menos pessoas tinham vontade de se casar e gerar filhos ou também de trabalhar e assumir responsabilidade. Passavam a predominar a saturação, o esgotamento e o aborrecimento com suas conseqüências desmoralizantes. Conhecemos o lamento: Uma situação como na antiga Roma!, que alude ao pântano de imoralidade da capital mundial daquele tempo, ao luxo e ao desperdício, ao suborno e à insídia, à vulgaridade e ao egoísmo, à mania e ao vício (cf. Rm 1.24-26; 6.1; 13.12,13). Por outro lado também não faltavam propostas de reforma, o que é típico para essas épocas. O estoicismo, p. ex., propagava rigoroso cumprimento do dever e comedimento racional. Ele impressionava também por verdadeiros exemplos. De fato formou-se mais tarde uma certa aliança entre o estoicismo e o cristianismo.

Mais importante em nosso contexto, porém, é a existência de um judaísmo no estrangeiro (diáspora). Em quase cada cidade do Império Romano havia uma ou várias sinagoga. No seu interior não se encontrava a imagem impertinente de um ídolo, tampouco um altar, nem atividade de sacrifícios sangrentos com cheiro adocicado de incenso, nem um sacerdócio em ornamentos caros e brilhantes, mas sim, com uma sobriedade benéfica, nada além da então Bíblia judaica, o Tanak (= AT). Incansavelmente ela era proferida, decorada, estudada e discutida. Dessa maneira formava-se, em torno da lei de Moisés, uma comunidade humana que se destacava pela conduta honrada, por uma forma de vida sensata, por senso de família, coesão social, bem-estar e aconchego. Não eram poucos os gentios que se sentiam atraídos por esse pedaço de mundo sadio, e que se ligavam legalmente a uma comunidade dessas por meio da circuncisão (prosélitos; Lutero: companheiros dos judeus), ou que lhe pertenciam de maneira informal, sem circuncidar-se (tementes a Deus).

Nessa situação Paulo entrava em cena e fundava igrejas gentílico-cristãs livres da lei. Seus sucessos por um lado causavam surpresa e, por outro lado, também não a causavam. Pois que havia de surpreendente no fato de que ele conseguia sempre de novo firmar-se no círculo dos amigos das sinagogas? É o que At mostra repetidas vezes. Ele lhes poupava a elevada barreira da circuncisão. De acordo com a sua doutrina, era possível tornar-se filho de Abraão e membro do povo de Deus unicamente por intermédio da que atua pelo amor.

Como o judaísmo se defendia contra essa concorrência? Inicialmente lançando suspeitas. Imputava-se a Paulo diretamente a intenção de atrair as pessoas para as suas igrejas baixando os preços. Mais sensível era outra crítica. Observavam-se as conseqüências éticas desse evangelho livre da lei que Paulo anunciava.

Como era a realidade de sua força supostamente transformadora? Logo que essas igrejas existiam por algum tempo, aparecia neles que a herança pagã tinha uma sobrevida persistente. Todas as cartas do NT enviadas a igrejas e não por último as missivas do Apocalipse documentam de forma muito realista deficiências éticas entre os cristãos. Existem a mornidão, o erro e a maléfica recaída. Isso, afinal, também faz parte da realidade de uma comunidade missionária, naquele tempo como hoje.

Era compreensível que essas deficiências cristãs causassem insegurança. Será que realmente faltava algo na pregação de Paulo? Será que entre os ouvintes normais é possível um caminho totalmente sem lei, sem um elemento adicional, de estabilização? Será que, afinal, a liberdade total faz bem ao ser humano, ou ele não precisa de uma pressão ao menos suave? Será que sobre o ensino de Paulo acerca da liberdade cristã não paira o cheiro da anarquia, e semelhante empreendimento não tem de acabar num fiasco?

Adicionalmente a essa suspeita pode ter exercido um efeito a referência ao poder abençoado que a lei comprovadamente desempenhou no judaísmo. Podemos imaginar muito bem que, em frutos morais, uma tradicional família da sinagoga, devotada à lei, superava em muito os gentílico-cristãos recém-convertidos.

A partir desse aspecto, a fundamentação exegético-teológica dos judaístas invasores, dos quais falávamos acima, recebeu um apoio existencial. As deficiências éticas com que as novéis comunidades cristãs ainda não sabiam lidar reforçavam a tentação de aderir ao estado de salvação judaico pela aceitação da circuncisão e de mais algumas concessões. Por que a fé em Cristo não deveria harmonizar-se com um pouco de pressão da lei, por que não reivindicaria praticamente por essa complementação?

Neste ponto temos de reconhecer um mérito dos judaístas na Galácia. Eles foram o motivo para que Paulo acrescentasse à sua carta, Gl 5,6, um longo bloco ético, que constitui a formulação mais fundamental de que dispomos de sua autoria sobre esse tema. Num determinado aspecto, essa terceira parte da carta forma até o auge da carta, uma vez que fornece a prova dos noves da mensagem de Paulo.