Comentários Introdutórios da Carta aos Gálatas
Em relação à tradução
A palavra “apóstolo” poderia ser traduzido por: emissário, mensageiro. Nesse caso seria uma designação de função, limitada à duração da atividade. Aqui, porém, como na grande maioria das passagens do NT, ocorre com o termo apóstolo uma utilização especificamente cristã deste vocábulo, a saber, ele é aplicado para um círculo único de pessoas na igreja de Cristo de todos os tempos e lugares. A função delas jamais se extingue. Também depois de elas terem morrido, os membros desse círculo ainda falam por intermédio dos escritos do NT. Eles são os garantidores do evangelho não falsificado e formam a rocha sobre a qual a comunidade se funda (Mt 16.18; Ef 2.20; Ap 21.14). Quando esse sentido específico está sendo referido, é recomendável manter apóstolo como estrangeirismo.
Os irmãos meus constitui uma locução permanente que não se refere a pessoas que estão presentes por acaso, mas define relações mais estreitas: companheiros de viagem são colaboradores (At 22.9; Gl 2.3), seguidores, guarda-costas (Mc 2.26), equipe de trabalho (Lc 5.9), companheiros de partido (At 5.17,21).
Por isso se exclui a interpretação segundo a qual Paulo se estaria reportando a toda a comunidade local (p. ex. em Éfeso), com a qual ele teria discutido tudo e orado sobre tudo.
A tradução literal de exhairéomai com retirar seria muito fraca no presente caso: Em Mt 5.29; 18.9 a palavra aparece para arrancar violentamente um olho, em At 23.27 para livramento das mãos da turba enfurecida. Segundo At 7.10,34; 12.11 trata-se de um antigo vocábulo usado para designar a redenção, ao lado de sõzo e rhýomai.
Aíon, o tempo presente, significa um tempo longo, mas não ilimitado. A limitação é sublinhada pelo presente, mas cf. o mesmo termo no versículo seguinte.
Paulo expressa de múltiplas maneiras a experiência do tempo. Apenas nesta breve carta ele fala, sem contar hora, dia, mês, ano, agora, da era, ou do tempo deste mundo (aíon, aiõnios: Gl 1.4,5; 6.8), do decurso do tempo (chrónos: Gl 4.1,4) e do momento histórico (kairós: 4.10; 6.9,10).
Esta expressão dupla século dos séculos obviamente descreve e enfatiza o infinito, a eternidade. Seria absurdo atribuir a Deus somente um senhorio por tempo limitado.
Observações preliminares
1. O prefácio das cartas na tradição greco-romana. Até mesmo o autor mais teimoso se adapta, pelo menos nos aspectos mais gerais, aos costumes de seu tempo, de modo que o seu escrito possa ser identificado precisamente como carta. Este vínculo a um esquema usual vigorava com maior peso na Antigüidade. Cerca de 15.000 achados de cartas originais o comprovam. Por mais de mil anos certas características permaneceram constantes. Adolf Deissmann publicou 26 amostras dessas cartas antigas.
No presente contexto interessa o cabeçalho da carta(quanto à conclusão, veja o exposto sobre Gl 6.11-18), contudo antecipamos uma observação quanto ao endereço. Ele devia ser afixado no lado exterior do rolinho da carta ou na embalagem da folha dobrada, como p. ex.: Levar à oficina de cerâmica, a ser entregue a Náutias ou Trásicles ou ao filho (Deissmann, pág 120). Mais tarde, quando se formaram as coletâneas de cartas, essas instruções sobre o transporte tornaram-se sem sentido. Infelizmente não foram conservadas de nenhuma carta do NT.
Ao contrário do costume atual, falta a data no cabeçalho da carta (prefácio). Com objetividade rigorosa obedecia-se a três pontos, cada um dos quais quase sempre era formulado numa única palavra. Primeiramente como título (superscriptio) o remetente, que nas nossas cartas costumamos afixar somente como assinatura depois do todo. Segue-se a destinação (adscriptio) na forma do nome do destinatário, e finalmente a saudação (salutatio), que era formada por uma única palavra corrente de saudação. Assim, um filho escreve a seu pai: Polícrates ao pai: Salve! ou uma mulher ao marido: Ísias a Hefástio, o irmão: Salve!, ou um pai ao filho: Hérax ao mais doce filho: muitas saudações! Na carta confidencial, portanto, podiam ocorrer leves ampliações dos três elementos básicos, contudo refreadas pela dificuldade da escrita na Antigüidade.
Ocasionalmente seguia-se ao prefácio, formulado numa só linha, um discurso preliminar de cunho mais poético (Vielhauer, pág 65), o proêmio, na verdade canto prévio. Ele dava espaço a cortesias e bajulações, muitas vezes também ao voto de saúde: Acima de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde (cf. 3Jo 2).
Nesse ponto Paulo geralmente fala de sua intercessão, e sobretudo agradece a Deus. Gl comprova que ele não diz nada de maneira fingida: Falta nela o proêmio!
Em Paulo podem-se constatar todas as peculiaridades das cartas de seu mundo envolvente, até em aspectos gramaticais. Contudo, sempre de novo chamam atenção suas ampliações muito bem refletidas. Em Gl, p. ex., as três palavras usuais transformaram-se em cinco versículos ricos em conteúdo. Sobretudo animou o esquema seco com um sopro cristão. Pois suas cartas, destinadas à leitura pública, também faziam o papel de substituir seu comparecimento pessoal à reunião da igreja e sua pregação (Gl 4.20; 1Ts 5.27). É assim que se explica a extensão dos escritos e também a incorporação de elementos litúrgicos na abertura e no encerramento. Esses escritos transcendiam o formato de cartas particulares, criando um tipo singular de forma literária cristã – primeiro em Paulo, e depois seguido pelas demais cartas do NT.
2. O tempo presente de acordo com Paulo (v. 4). Observadas superficialmente, as afirmações de Paulo sobre o tempo atual são contraditórias. Contudo, ele não faz um jogo dialético. Para ele os fatos encontram-se numa concatenação orgânica.
A era presente é, por um lado, tempo de desgraça, ou seja, é má (v. 4). Contudo ela está chegando ao fim (1Co 7.29; 10.11). Seu poder, que ainda pesa como chumbo sobre a humanidade, praticamente já se tornou poroso, foi rompido, perfurado pelos raios da glória de Cristo. Por isso o ponto de partida para Paulo também não se encontra nas afirmações negativas. Percebemos o pulsar dessa nova era no júbilo de 2Co 6.2: Eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia da salvação. É verdade que em seguida ele arrola maciços problemas, que no entanto para ele não anulam o veredicto de que agora é o tempo ideal, a saber, de invocar o Senhor, de ser atendido e de experimentar salvação. Os tempos sombrios, em que a salvação ainda estava oculta, finalmente passaram. Agora, se tornou manifesto (o evangelho) e foi dado a conhecer por meio das Escrituras proféticas, segundo o mandamento do Deus eterno (Rm 16.26); tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente (Rm 3.26). Porque o presente tem algo incomparável a oferecer, os cristãos também devem remi-lo (Ef 5.16; Cl 4.5). Dediquem-se ao seu presente e deixem para outros a nostalgia, utopia ou fuga do tempo! A atualidade é tempo pleno e precioso, porque Deus entrou nela como em nenhum outro período da história. Ele enviou o seu Filho ao mundo e o Espírito de seu Filho a corações humanos (Gl 4.4-6). Cristo tornou-se nosso contemporâneo e está conosco todos os dias até o fim da era atual. Desse modo o tempo presente é tempo de Cristo, tempo de missão, tempo de comunidade e tempo do Espírito Santo.
Neste quadro devem ser inseridas as afirmações sobre a atualidade má. Justamente porque o tempo presente é tempo de Cristo de uma maneira tão real, ele também é tempo do anticristo. Ao contrário do ponto de vista judaico, portanto, o tempo de desgraça e o tempo de salvação não transcorrem cronologicamente um após o outro, mas o futuro luminoso irrompeu com sua ponta no presente, de forma que ambos os tempos se encontram agora em confrontação. Nela o poder anticristão trabalha com uma tática dupla de perseguição e sedução. Como deus deste século, ele visa fechar o entendimento dos descrentes para o evangelho, de maneira que a luz para eles não seja mais clara (2Co 4.4). Até mesmo à sabedoria deste século, ou seja, à elite intelectual, a seus porta-vozes, o evangelho parece ser uma tolice inaceitável (1Co 2.6,8; 3.18; 1.20).
Forma-se um sentimento de superioridade. Forças demoníacas geram um clima em que o ser humano, num verdadeiro prazer pelo pecado, e apesar de toda a desgraça do pecado, se sente cabalmente seguro. Contudo, essa descrição ainda não atinge o que é realmente maligno no espírito do tempo presente, ao que nos reportaremos na interpretação do v. 4
A palavra “apóstolo” poderia ser traduzido por: emissário, mensageiro. Nesse caso seria uma designação de função, limitada à duração da atividade. Aqui, porém, como na grande maioria das passagens do NT, ocorre com o termo apóstolo uma utilização especificamente cristã deste vocábulo, a saber, ele é aplicado para um círculo único de pessoas na igreja de Cristo de todos os tempos e lugares. A função delas jamais se extingue. Também depois de elas terem morrido, os membros desse círculo ainda falam por intermédio dos escritos do NT. Eles são os garantidores do evangelho não falsificado e formam a rocha sobre a qual a comunidade se funda (Mt 16.18; Ef 2.20; Ap 21.14). Quando esse sentido específico está sendo referido, é recomendável manter apóstolo como estrangeirismo.
Os irmãos meus constitui uma locução permanente que não se refere a pessoas que estão presentes por acaso, mas define relações mais estreitas: companheiros de viagem são colaboradores (At 22.9; Gl 2.3), seguidores, guarda-costas (Mc 2.26), equipe de trabalho (Lc 5.9), companheiros de partido (At 5.17,21).
Por isso se exclui a interpretação segundo a qual Paulo se estaria reportando a toda a comunidade local (p. ex. em Éfeso), com a qual ele teria discutido tudo e orado sobre tudo.
A tradução literal de exhairéomai com retirar seria muito fraca no presente caso: Em Mt 5.29; 18.9 a palavra aparece para arrancar violentamente um olho, em At 23.27 para livramento das mãos da turba enfurecida. Segundo At 7.10,34; 12.11 trata-se de um antigo vocábulo usado para designar a redenção, ao lado de sõzo e rhýomai.
Aíon, o tempo presente, significa um tempo longo, mas não ilimitado. A limitação é sublinhada pelo presente, mas cf. o mesmo termo no versículo seguinte.
Paulo expressa de múltiplas maneiras a experiência do tempo. Apenas nesta breve carta ele fala, sem contar hora, dia, mês, ano, agora, da era, ou do tempo deste mundo (aíon, aiõnios: Gl 1.4,5; 6.8), do decurso do tempo (chrónos: Gl 4.1,4) e do momento histórico (kairós: 4.10; 6.9,10).
Esta expressão dupla século dos séculos obviamente descreve e enfatiza o infinito, a eternidade. Seria absurdo atribuir a Deus somente um senhorio por tempo limitado.
Observações preliminares
1. O prefácio das cartas na tradição greco-romana. Até mesmo o autor mais teimoso se adapta, pelo menos nos aspectos mais gerais, aos costumes de seu tempo, de modo que o seu escrito possa ser identificado precisamente como carta. Este vínculo a um esquema usual vigorava com maior peso na Antigüidade. Cerca de 15.000 achados de cartas originais o comprovam. Por mais de mil anos certas características permaneceram constantes. Adolf Deissmann publicou 26 amostras dessas cartas antigas.
No presente contexto interessa o cabeçalho da carta(quanto à conclusão, veja o exposto sobre Gl 6.11-18), contudo antecipamos uma observação quanto ao endereço. Ele devia ser afixado no lado exterior do rolinho da carta ou na embalagem da folha dobrada, como p. ex.: Levar à oficina de cerâmica, a ser entregue a Náutias ou Trásicles ou ao filho (Deissmann, pág 120). Mais tarde, quando se formaram as coletâneas de cartas, essas instruções sobre o transporte tornaram-se sem sentido. Infelizmente não foram conservadas de nenhuma carta do NT.
Ao contrário do costume atual, falta a data no cabeçalho da carta (prefácio). Com objetividade rigorosa obedecia-se a três pontos, cada um dos quais quase sempre era formulado numa única palavra. Primeiramente como título (superscriptio) o remetente, que nas nossas cartas costumamos afixar somente como assinatura depois do todo. Segue-se a destinação (adscriptio) na forma do nome do destinatário, e finalmente a saudação (salutatio), que era formada por uma única palavra corrente de saudação. Assim, um filho escreve a seu pai: Polícrates ao pai: Salve! ou uma mulher ao marido: Ísias a Hefástio, o irmão: Salve!, ou um pai ao filho: Hérax ao mais doce filho: muitas saudações! Na carta confidencial, portanto, podiam ocorrer leves ampliações dos três elementos básicos, contudo refreadas pela dificuldade da escrita na Antigüidade.
Ocasionalmente seguia-se ao prefácio, formulado numa só linha, um discurso preliminar de cunho mais poético (Vielhauer, pág 65), o proêmio, na verdade canto prévio. Ele dava espaço a cortesias e bajulações, muitas vezes também ao voto de saúde: Acima de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde (cf. 3Jo 2).
Nesse ponto Paulo geralmente fala de sua intercessão, e sobretudo agradece a Deus. Gl comprova que ele não diz nada de maneira fingida: Falta nela o proêmio!
Em Paulo podem-se constatar todas as peculiaridades das cartas de seu mundo envolvente, até em aspectos gramaticais. Contudo, sempre de novo chamam atenção suas ampliações muito bem refletidas. Em Gl, p. ex., as três palavras usuais transformaram-se em cinco versículos ricos em conteúdo. Sobretudo animou o esquema seco com um sopro cristão. Pois suas cartas, destinadas à leitura pública, também faziam o papel de substituir seu comparecimento pessoal à reunião da igreja e sua pregação (Gl 4.20; 1Ts 5.27). É assim que se explica a extensão dos escritos e também a incorporação de elementos litúrgicos na abertura e no encerramento. Esses escritos transcendiam o formato de cartas particulares, criando um tipo singular de forma literária cristã – primeiro em Paulo, e depois seguido pelas demais cartas do NT.
2. O tempo presente de acordo com Paulo (v. 4). Observadas superficialmente, as afirmações de Paulo sobre o tempo atual são contraditórias. Contudo, ele não faz um jogo dialético. Para ele os fatos encontram-se numa concatenação orgânica.
A era presente é, por um lado, tempo de desgraça, ou seja, é má (v. 4). Contudo ela está chegando ao fim (1Co 7.29; 10.11). Seu poder, que ainda pesa como chumbo sobre a humanidade, praticamente já se tornou poroso, foi rompido, perfurado pelos raios da glória de Cristo. Por isso o ponto de partida para Paulo também não se encontra nas afirmações negativas. Percebemos o pulsar dessa nova era no júbilo de 2Co 6.2: Eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia da salvação. É verdade que em seguida ele arrola maciços problemas, que no entanto para ele não anulam o veredicto de que agora é o tempo ideal, a saber, de invocar o Senhor, de ser atendido e de experimentar salvação. Os tempos sombrios, em que a salvação ainda estava oculta, finalmente passaram. Agora, se tornou manifesto (o evangelho) e foi dado a conhecer por meio das Escrituras proféticas, segundo o mandamento do Deus eterno (Rm 16.26); tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente (Rm 3.26). Porque o presente tem algo incomparável a oferecer, os cristãos também devem remi-lo (Ef 5.16; Cl 4.5). Dediquem-se ao seu presente e deixem para outros a nostalgia, utopia ou fuga do tempo! A atualidade é tempo pleno e precioso, porque Deus entrou nela como em nenhum outro período da história. Ele enviou o seu Filho ao mundo e o Espírito de seu Filho a corações humanos (Gl 4.4-6). Cristo tornou-se nosso contemporâneo e está conosco todos os dias até o fim da era atual. Desse modo o tempo presente é tempo de Cristo, tempo de missão, tempo de comunidade e tempo do Espírito Santo.
Neste quadro devem ser inseridas as afirmações sobre a atualidade má. Justamente porque o tempo presente é tempo de Cristo de uma maneira tão real, ele também é tempo do anticristo. Ao contrário do ponto de vista judaico, portanto, o tempo de desgraça e o tempo de salvação não transcorrem cronologicamente um após o outro, mas o futuro luminoso irrompeu com sua ponta no presente, de forma que ambos os tempos se encontram agora em confrontação. Nela o poder anticristão trabalha com uma tática dupla de perseguição e sedução. Como deus deste século, ele visa fechar o entendimento dos descrentes para o evangelho, de maneira que a luz para eles não seja mais clara (2Co 4.4). Até mesmo à sabedoria deste século, ou seja, à elite intelectual, a seus porta-vozes, o evangelho parece ser uma tolice inaceitável (1Co 2.6,8; 3.18; 1.20).
Forma-se um sentimento de superioridade. Forças demoníacas geram um clima em que o ser humano, num verdadeiro prazer pelo pecado, e apesar de toda a desgraça do pecado, se sente cabalmente seguro. Contudo, essa descrição ainda não atinge o que é realmente maligno no espírito do tempo presente, ao que nos reportaremos na interpretação do v. 4