Estudo sobre Mateus 6:2-4

Estudo Bíblico sobre Mateus 6:2-4
 Estudo sobre Mateus 6:2-4

Para o judeu a esmola era o mais sagrado de todos os deveres religiosos. Até onde era considerada uma obrigação de primeiríssima importância pode deduzir-se do uso que faziam do termo esmola – tzedakah – para denotar também um conceito tão fundamental como justiça. Dar esmola e ser justo eram uma e a mesma coisa. Dar esmola era ganhar méritos ante Deus, e podia inclusive significar a expiação e o perdão pelos pecados cometidos no passado. "Melhor é dar esmola que acumular tesouros, pois a esmola livra da morte e poda de tudo pecado" (Tobias 12:8).

"A piedade com o Pai não será lançado ao esquecimento. E em vez do castigo pelos pecados terá prosperidade. No dia da tribulação, o Senhor se lembrará de ti, e como se derrete o gelo em dia quente, assim se derreterão os teus pecados." (Eclesiástico 3:15c-17. Nácar-Colunga).

Havia um dito rabínico que dizia: "Maior é aquele que dá esmolas que aquele que oferece todos os sacrifícios." A esmola era primeira na lista das boas obras.

Era natural e inevitável, pois, quem queria ser bom devia concentrar-se em dar esmolas. O ensino mais elevado dos rabinos era exatamente igual ao de Jesus. Eles também proibiam a esmola ostentosa. "Quem dá esmola em segredo", diziam, "é maior que Moisés." A esmola capaz de salvar da morte é "aquela em que o beneficiado não sabe de quem provém, nem o ofertante a quem a dá". Havia um rabino que quando desejava dar esmolas atirava dinheiro a suas costas, para não saber quem a recolheria. "É melhor não dar nada", diziam, "que fazê-lo obrigando o necessitado a reconhecer a seu benfeitor, pondo-o deste modo em uma situação vergonhosa." Havia um belo costume, relacionado com o templo, onde uma de suas salas se chamava a Sala dos Silenciosos. Os que desejavam expiar algum pecado entravam nessa sala e deixavam dinheiro; com essas contribuições se ajudava aos jovens de famílias nobres que tinham empobrecido.

Mas, como ocorre com tantas outras coisas, a prática não satisfazia plenamente as exigências do preceito. Com muita freqüência o ofertante dava esmola de tal maneira que todos pudessem dar-se conta, e se preocupavam mais da glória que receberiam que da ajuda a oferecer.

J. J. Wetstein narra um costume oriental de longa data: "No Oriente a água é tão escassa que às vezes se precisa comprar. Quando alguém queria fazer uma boa obra e trazer bênção para sua família, ia até o vendedor de água e lhe dizia: "Dá de beber aos sedentos." O vendedor de água enchia uma bota com água e de pé no meio do mercado gritava: "Os sedentos, venham, bebam a oferenda." O ofertante o acompanhava, e de pé junto ao vendedor de água, quando alguém vinha beber lhe dizia: "Agradece-me, eu sou quem te dá de beber."

Esta é precisamente a atitude que Jesus condena. Diz que os hipócritas agem deste modo. Em grego a palavra hipócrita significa "ator". As pessoas que procedem deste modo estão representando o papel do homem generoso só para sua glória pessoal.

Vejamos agora algumas das motivações que nos impulsionam ao ato de dar.

(1) Pode-se dar por um sentido de obrigação. Podemos fazer uma oferenda não porque nos sintamos movidos interiormente a isso, mas sim porque cremos estar obrigados a fazê-lo. Até é possível que alguém chegue a considerar – talvez inconscientemente – que os pobres estão no mundo para lhe permitir cumprir esse dever e desse modo adquirir méritos perante Deus.

Catherine Caswell, em sua autobiografia, conta os primeiros anos de sua vida em Glasgow, Escócia. "Os pobres, quase diria, eram como bichinhos domésticos, que sempre estavam conosco. E éramos ensinados a amá-los, honrá-los e ajudá-los em nossa arca particular." A nota dominante, segundo a autora o expressa ao refletir sobre aquela etapa de sua vida, era a superioridade e a condescendência. Considerava-se que dar esmola era um dever, mas a oferenda quase sempre ia acompanhada de uma pequena conferência moralizante, que outorgava ao rico um farisaico sentido de superioridade moral. Naquela época em Glasgow todos os sábados à noite muitos se embebedavam.

"Todos os domingos pela tarde meu pai percorria as delegacias de polícia da cidade, pagando a fiança dos que tinham sido detidos na noite anterior, para que não perdessem seus empregos no dia seguinte, por não apresentar-se ao trabalho. Todos tinham que assinar uma promessa de não beber e eram solicitados a devolverem a meia coroa da fiança ao cobrar seu salário da semana seguinte."

Sem dúvida a atitude daquele homem era essencialmente correta. Mas era generoso porque desse modo se sentia superior em sua eminente respeitabilidade e sempre junto com sua dádiva entregava seus bons conselhos. Evidentemente se sentia membro de uma categoria moral diferente da daqueles bêbados. Alguém disse uma vez, referindo-se a um homem moralmente superior: "Apesar de tudo o que dá nunca se dá a si mesmo." Quando alguém dá esmola como se estivesse sobre um pedestal, quando dá sempre calculando, quando dá por um sentido de obrigação, possivelmente seja generoso com o que possui, mas nunca se dá ele mesmo e portanto sua oferenda é imperfeita.

(2) Pode-se dar por razões de prestígio. A única coisa que se busca neste caso é a glória de ser generoso. Muito possivelmente se ninguém fosse inteirar se, se não se fizesse publicidade de sua dádiva, jamais daria um centavo. E se não é elogiado, agradecido e honrado, fica insatisfeito, tristemente frustrado. Não dá para a glória de Deus, e sim para sua própria glória. Não ajuda para que os pobres vejam aliviada sua miséria, mas para gratificar sua vaidade e seu próprio sentido de poder.

(3) Pode-se dar simplesmente por sentir-se interiormente obrigado a fazê-lo. Porque o amor e a bondade que brotam de seu coração, não lhe permitem fazer outra coisa.

Em torno do Dr. Johnson flutuava uma espécie de ampla aura de bondade. Em certa oportunidade havia um homem acossado pela miséria que se chamava Robert Levett. Levett, em seus melhores tempos, tinha sido jovem em Paris, e depois se tornou médico nos bairros mais pobres de Londres. Seu aspecto e suas maneiras, segundo o próprio Johnson o dizia, eram tais para causar repulsa aos ricos e aterrorizar os pobres. De uma ou outra maneira, Levett passou a integrar o grupo dos servidores de Johnson. Boswell não podia compreender a atitude do Johnson, mas Goldsmith, que o conhecia melhor explicou todo o assunto dizendo: "Levett é pobre e honrado, e isso é suficiente recomendação para Johnson. Está na miséria, e essa é a única condição necessária para ser protegido por Johnson."

A desgraça era a chave com que qualquer um podia entrar no coração de Johnson. Boswell narra a seguinte história com respeito a Johnson: "Uma vez ao voltar para sua casa tarde da noite, encontrou uma mulher atirada na rua, tão exausta que não podia sequer caminhar: Johnson a levantou, colocou-a sobre as costas, e a levou para sua casa. Ali descobriu que era uma dessas pobres prostitutas, que tinha caído até o mais baixo do vício, a enfermidade e a fome. Em vez de recriminar sua conduta, deu instruções para que a atendesse com todo carinho durante longo tempo, o que exigiu bastante dinheiro, até que recuperou a saúde totalmente, e tentou trazê-la de volta ao caminho da virtude." Tudo o que Johnson recebeu como recompensa terrestre desse gesto generoso foram intrigas maliciosas sobre seu próprio caráter, mas seu coração o obrigava a dar, e nenhuma maledicência poderia detê-lo.

Provavelmente uma das imagens mais bonitas da história literária inglesa é a de Johnson quando ele mesmo era pobre, antes de alcançar a fama, e ao voltar para sua casa de madrugada, caminhando pela rua Strand, de Londres, punha moedas de peniques nas mãos de pobres que dormiam na rua porque não tinham aonde ir. Hawkins diz que alguém lhe perguntou como podia suportar ter sua casa cheia de gente "necessitada e indigna". Johnson lhe respondeu: "Se eu não os ajudasse, nenhum outro o faria, e não devem perder-se por falta de uma oportunidade." Esta é a autêntica forma de dar, a que provém de um coração inflamado de amor, o dar que é uma sorte de transbordamento do amor de Deus.

Jesus Cristo nos mostrou a pauta desta forma de caridade. Paulo escreveu a seus amigos de Corinto: "Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos" (2 Cor. 8:9). Nossa esmola nunca deve ser a severa e orgulhosa dádiva que obedece a um sentimento de dever, e menos ainda deve perseguir como propósito enaltecer nosso prestígio e glória entre os homens. Deve ser o fluir instintivo do coração amante; devemos dar a outros do mesmo modo que Jesus Cristo Se deu a Si mesmo a nós.