Estudo sobre Mateus 7:6

Estudo sobre Mateus 7:6
Estudo sobre Mateus 7:6

Este dito de Jesus é, evidentemente, muito difícil de interpretar, porque parece exigir uma exclusividade que é precisamente o contrário do espírito da mensagem cristã. A Igreja Primitiva o aplicava em duas circunstâncias particulares:

(1) Usavam-na os judeus que acreditavam que os dons e a graça de Deus eram somente para os judeus. Os inimigos do apóstolo Paulo, cristãos judeus, sustentavam que os pagãos antes de poder entrar na Igreja deveriam circuncidar-se e aceitar a Lei, quer dizer, fazer-se judeus antes de poder chegar a ser cristãos. Era um texto que podia, certamente, interpretar-se como apoio do exclusivismo dos cristãos judaizantes.

(2) A Igreja primitiva usava este texto de maneira muito particular. A Igreja estava sob um duplo ataque. Estava ameaçada de fora. A Igreja primitiva era uma ilha de pureza rodeada por muito imoralidade pagã. Era muito fácil que essa imoralidade afetasse sua vida, tornando-a mundana. Mas também havia a ameaça que provinha de dentro da mesma Igreja.

Naquela época primitiva, os cristãos começavam a elaborar as doutrinas da fé, e era inevitável que alguns fossem levados ao caminho da heresia por suas especulações. Houve alguns que procuraram estabelecer uma solução de compromisso entre as categorias cristãs e a filosofia do paganismo, chegando a alguma síntese de ambos os pensamentos que pudesse satisfazer aos dois. Para poder sobreviver a Igreja devia defender-se tanto das ameaças exteriores como desta ameaça interior: de outro modo teriam chegado a converter-se em mais uma das religiões que competiam dentro do marco do Império Romano.

Especialmente, os cristãos daquela época eram muito cuidadosos com respeito à qualidade das pessoas que eram admitidas à celebração da Eucaristia ou Ceia do Senhor. Este texto se associava com essa prática. A Santa Ceia começava com o anúncio: "As coisas santas são para os santos." Teodoreto cita o que, segundo ele, é um dito de Jesus que não foi recolhido pelos evangelistas: "Meus mistérios são para mim e para os meus."

A Constituição Apostólica estabelece que ao começar a Ceia, um dos diáconos devia dizer: "Que nenhum dos catecúmenos (quer dizer, aqueles que se estavam preparando para receber o batismo), e nenhum dos auditores os que tinham vindo ao culto porque estavam interessados em conhecer algo sobre o cristianismo), e nenhum dos incrédulos, e nenhum dos hereges, permaneça neste lugar. A Mesa do Senhor estava fechada para todos, exceto os cristãos.

O Didaquê, um livro cujo título completo era O ensino dos doze apóstolos, que data do ano 100 de nossa era, e que é o primeiro "manual de culto" ou "livro de oração comum" da Igreja, estabelece: "Que ninguém coma ou beba da Ceia, exceto os que foram batizados no nome do Senhor: porque, com respeito a isto, o mesmo Senhor disse: 'Não dêem o santo aos cães'." Um dos protestos de Tertuliano é que os hereges permitem o acesso à Ceia a toda classe de pessoas, até aos pagãos, e ao fazê-lo, "Jogam aos cães o que é santo, e aos porcos as pérolas (embora por certo não são verdadeiras pérolas)" (Do Praescriptione, 41).

Em todos estes casos o texto serve como fundamento de alguma forma de exclusivismo. Tal atitude não significa que a Igreja carecesse de uma mentalidade missionária: a Igreja dos primeiros tempos vivia consumida pelo afã de ganhar a todos para Cristo. Mas ao mesmo tempo era consciente da necessidade de manter no alto a pureza da fé, para que o cristianismo não fosse absorvido pouco a pouco, e finalmente tragado, pelo oceano de paganismo que o rodeava.

É fácil dar-se conta do significado transitivo deste texto; mas nós devemos tentar ver também seu significado permanente.

É possível que este dito de Jesus tenha sido modificado acidentalmente no processo de transmissão. Constitui, literalmente, um bom exemplo do paralelismo hebreu que já encontramos anteriormente (Mateus 6:10). Leiamo-lo em duas orações paralelas:

Não deis aos cães o que é santo,
nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas...

Com exceção de uma palavra, o paralelismo é perfeito; dar possui como paralelo equivalente a jogar; os cães têm seu paralelo nos porcos; mas santo não pode equiparar-se como paralelo de pérolas. Aqui se rompe o paralelismo. Entretanto, havia duas palavras hebraicas muito similares, especialmente quando lembramos que o hebraico antigo não tinha vocais escritas, mas apenas consoantes. A palavra que significa santo é kadosh (K D SH) e a palavra aramaica que significa aro é kadasha (K D SH). As consoantes são exatamente iguais e na antiga escritura hebraica ambas as palavras se escreviam igual. Mais ainda, no Talmud aparece a frase proverbial "um aro no focinho de um porco", que significava algo completamente incongruente, fora de lugar. Não é impossível, então, que a frase original dissesse:

"Não deis um aro aos cães,
nem lanceis as vossas pérolas aos porcos."

Neste caso existiria um paralelismo que poderíamos denominar perfeito.

Se este fosse o texto original do ensino de Jesus, significaria simplesmente que há certas pessoas que não são capazes de receber a mensagem cristã que a Igreja está desejosa de oferecer. Não se trataria pois, de uma declaração de exclusivismo, mas sim de uma antecipação da dificuldade prática com que se enfrentariam os cristãos ao pregar o evangelho, em qualquer época da história. É muito certo que é completamente impossível repartir a verdade a certas pessoas. Antes de receber algum ensino, algo deve suceder em suas vidas. Há um dito rabínico que afirma: "Assim como os tesouros não devem ser mostrados a qualquer um, as palavras da Lei não devem ser aprofundadas a não ser na presença de quem está capacitados a nos acompanhar."

Esta é uma verdade universal. Não é com qualquer um que podemos falar de qualquer coisa. Em um grupo de amigos podemos nos sentar a conversar sobre nossa fé; podemos permitir que nossas mentes questionem e aventurem respostas; podemos falar das coisas que não compreendemos e das que nos deixam perplexos, e podemos permitir que nossas mentes se lancem aos caminhos da especulação. Mas se ao mesmo grupo ingressa uma pessoa de ortodoxia rígida e pouco pormenorizada, o mais provável é que, ao ela nos ouvir, pendure em nós a etiqueta de hereges perigosos; e se, em troca, entra uma alma simples, daquelas que jamais imaginam perguntas, o mais provável é que ao nos ouvir, sinta que sua fé é abalada e posta em tela de juízo.

Um filme científico, sobre os aspectos médicos do sexo, por exemplo, pode servir para alguns como experiência iluminadora, reveladora, valiosa e saudável; mas haverá outros, predispostos à obscenidade e à curiosidade insalubre, que serão incapazes de compreender o verdadeiro significado das imagens.

Conta-se do Dr. Johnson que em certa oportunidade estava brincando e contando piadas como só pode fazer-se em um grupo de amigos íntimos. Repentinamente viu que se aproximava uma pessoa que ele conhecia, cujo caráter era muito pouco agradável, e disse: "Fiquemos quietos, porque vem um tolo." De maneira, pois, que há certas pessoas que são incapazes de receber a verdade cristã. Pode ser que suas mentes estejam fechadas; possivelmente tenham a capacidade de compreensão embotada pela imundície que recobre seus sentidos; possivelmente tenham levado vidas que obscureceram sua capacidade para ver a verdade; possivelmente sejam zombadores por natureza, especialmente frente a tudo o que é santo; possivelmente, como ocorre às vezes, careçamos completamente de um terreno comum com eles, a partir do qual possamos argumentar. Ninguém pode compreender senão aquilo para o qual está capacitado. Não podemos abrir nossos corações e mostrar seus segredos ante qualquer um. Sempre há alguns para quem a pregação de Cristo é tolice, e em cujas mentes a verdade, ao ser expressa em palavras, encontrará um muro impenetrável.

O que faremos com estes? Temos que abandoná-los, considerando-os casos perdidos? Vamos privá-los, terminantemente, da mensagem cristã? O que as palavras não podem fazer, freqüentemente pode fazê-lo uma vida autenticamente cristã. É possível que haja alguns absolutamente impermeáveis à mensagem cristã por meio de argumentos, mas que não terão resposta para a demonstração de uma vida cristã.

Cecil Northcott, em Uma Epifania Moderna, conta a história de uma conversação durante um acampamento no qual conviviam jovens cristãos de distintas nacionalidades. "Uma noite muito úmida um grupo dentre os acampantes conversavam sobre as distintas maneiras de comunicar o evangelho às pessoas. Em certo momento da discussão, voltaram-se para uma moça africana: "Maria, o que vocês fazem em seu país?" "Não falamos", disse Maria, "não organizamos campanhas evangelísticas nem distribuímos folhetos. Simplesmente enviamos uma ou duas famílias cristãs para viver em uma aldeia onde o resto são pagãos. E quando vêem como são os cristãos, eles também querem tornar-se cristãos."

Em última instância o único argumento que pode conquistar toda objeção é o de uma vida verdadeiramente cristã.

Com freqüência é impossível falar de Cristo frente a algumas pessoas. Sua insensibilidade, sua cegueira moral, seu orgulho intelectual, sua zombaria cínica, a sujeira de suas mentes, é possível que os fechem totalmente às palavras que falam de Cristo. Mas sempre é possível mostrar a Cristo aos homens: a fraqueza da Igreja não é a falta de argumentos cristãos mas a escassez de vidas cristãs consagradas.