Introdução e Esboço da Epístola aos Hebreus

Introdução e Esboço da Epístola aos Hebreus
de F. F. Bruce



HEBREUS, ESBOÇO, INTRODUÇÃO, CARTA
A mais longa das cartas não paulinas no NT. Tradicionalmente ela vem depois das treze cartas paulinas; nos grandes unciais ela vem entre as nove cartas paulinas às igrejas e as quatro a indivíduos; no P46, o MS mais antigo do corpus Paulinum (final do 2a séc), ela vem em segundo entre as cartas as igrejas, logo após Romanos. (Essa era sua posição original na tradição textual síria; no saidico ela segue 2 Coríntios; no arquétipo do (B) Códice Vaticano ela segue Gálatas.)

1. Autoria
2. Destinatários
3. Ocasião, propósito e data
4. Esboço
5. Relação com a pregação apostólica
6. Argumento
7. Canonicidade e autoridade

1. Autoria. Apesar das atribuições tradicionais e suposições brilhantes, sua autoria é desconhecida. Em Alexandria ela foi atribuída a Paulo desde a segunda metade do 2a séc., embora dificuldades nessa atribuição tenham sido admitidas por Clemente e Orígenes: “Deus conhece a verdade da questão”, disse o último (Euseb. Hist. vi. 25.14). Tertuliano a atribuiu a Bamabe (Depudicitia 20).

A atribuição de Lutero a Apolo tem recomendado a si mesma a muitos; a atribuição de Hamack a Priscila parece ser descartada pelo particípio masculino em Hebreus 11.32. O autor era da segunda geração de cristãos, mestre de um estilo literário fino, muito diferente do de Paulo; como Apolo, ele pode ter tido uma formação judaica alexandrina e era certamente “bem versado nas Escrituras”, que ele conhecia na VS LXX e interpretava segundo um princípio exegético criativo.

2. Destinatários. O documento não nomeia aqueles para quem ele é dirigido nem o homem que o compôs. O título “Aos Hebreus” remonta ao último quarto do 2 séc. d.C., mas não pode ser determinado se ele corresponde a verdade original da questão ou, se for, o que “hebreus” significa precisamente. A partir da evidência interna pode ser concluído que eles eram judeus helênicos que tinham abraçado o evangelho. Os crentes gentios que estavam dispostos a apostatar não seriam grandemente movidos por um argumento que começava, “Se, portanto, a perfeição houvera sido mediante o sacerdócio levítico...” (Hb 7.11); a reação deles teria sido “Nós nunca imaginamos que fosse!” A insistência sobre o caráter obsoleto da antiga aliança (8.13) e o encorajamento aos leitores de sair a Cristo “fora do arraial” (13.13) teria mais finalidade se a formação deles fosse judaica, como seria também a confiança do autor de que eles aceitariam a autoridade do AT (gentios que eram inclinados a desistir da fé cristã desistiriam do AT com ela). Não pode ser conclusivamente decidido aonde eles viviam. Jerusalém, Cesareia, Antioquia, Alexandria, o Vale do Licos, Éfeso, Corinto, são sugeridas; mas talvez eles possam ser melhor considerados como membros de uma comunidade religiosa em Roma, a cidade na qual o conhecimento da epístola e atestado pela primeira vez (em Clemente de Roma, c. 96 d.C.).

3. Ocasião, propósito e data. As pessoas a quem a carta foi enviada estavam em perigo de perder seu entusiasmo inicial. Quando eles se tomaram cristãos, sua alegria era tal que se regozijavam em meio a perseguição, suportavam saque e afronta sem queixa e eram generosos em seu serviço aos companheiros crentes, especialmente aqueles que estavam presos. Com o passar dos anos o entusiasmo inicial diminuiu. A parousia, que eles esperavam ardentemente parecia tão distante quanto antes; a instituição judaica e a comunhão da sinagoga, da qual eles tinham desistido pelo Cristianismo, continuava a florescer e a oferecer a proteção de uma religião cuja pratica era permitida pelo estado romano. Seu ímpeto original afrouxou; eles estavam sendo tentados a olhar para trás em vez de para frente. Consequentemente a urgência com a qual o autor os exorta, usando uma variedade de metáforas, não para ser carregado correnteza abaixo, mas para remar duro contra a corrente, não para esmorecer na corrida, mas para perseverar na fé. Pode ser, como William Manson argumentou, que ele queria vê-los exercer seus papeis no avanço da missão crista mundial com outros crentes, em vez de permanecerem na agua parada. Para fazer isso eles deviam estar preparados para queimar seus barcos e cortar suas ligações com a antiga ordem. Ignorar o chamado para frente seria pior do que negligenciar, seria completa apostasia, “para se apartar do Deus vivo” (3.12). Contra isso ele os avisa solenemente, enquanto ao mesmo tempo ele expressa sua confiança em que eles se mostrarão dignos do seu primeiro amor e perseverantes na paciência e fé.

Quanto aos dados da carta, um termimis ad quem é fornecido pelas referencias a ela em Clemente de Roma (c. 96 d.C.). Um termimis a quo é indicado na sugestão de que tanto o autor quanto os leitores receberam o Evangelho de homens que o ouviram do Senhor. Nenhuma resposta completamente definitiva pode ser dada a questão da carta ser escrita antes ou depois da destruição do Templo de Jerusalém, em 70 d.C., O ritual sacrificial e mencionado no tempo presente e a “antiga aliança”, sob a qual aquele ritual estava instituído e declarada estar “prestes a desaparecer” (8.13), mas há controvérsias que este seja um “presente literário”, visto que a descrição do ritual esta baseada não na prática corrente, mas nas prescrições do Pentateuco. Todavia, se no tempo da escrita o templo tinha sido destruído e os sacrifícios encenados, isso teria acrescentado tal importância ao argumento do autor que alguma alusão a ele, embora dissimulada, dificilmente poderia ter sido evitada. Uma data anterior a 70 d.C. e mais provável, embora não certa.

Se os destinatários são cristãos romanos, uma data não posterior a 64 d.C. e indicada em Hebreus 12.4, “Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido ate ao sangue”. Isso não poderia ter sido escrito apos a perseguição de Nero. (A perseguição em Hb 10.32ss., que não envolveu martírio, pode ter se relacionado a expulsão dos judeus de Roma em 49 d.C., mencionada em At 18.2). Outra indicação cronológica pode ser os “quarenta anos”, citados do Salmo 95.10 em Hebreus 3.9,17. A crença corrente em um período de provação de quarenta anos no tempo final comparado com aquele do inicio da historia de Israel e atestada, por exemplo, nos textos Qumra; e se um período de quarenta anos desde a morte de Cristo estava chegando ao fim quando o autor escreve, haveria uma relevância maior em sua citação do Salmo.

4. Esboço. A carta e descrita pelo escritor como uma “palavra de exortação” (13.22), uma expressão usada em Atos 13.15 sobre um sermão na sinagoga. De fato e uma homilia cuidadosamente construída, pronunciada pela forca das circunstancias em forma escrita em vez de oralmente.

I. A finalidade do Evangelho (1.1-2.18)
(a) Revelação completa de Deus no Filho (1.1-4)
(b) Cristo superior aos anjos (1.5-14)
(c) Primeira admoestação: Evangelho e lei (2.1-4)
(d) Humilhação e glória do Filho do homem (2.5-9)
(e) O Filho do homem, o Salvador e Sumo Sacerdote de seu povo (2.10-18)

II. A verdadeira casa do povo de Deus (3.1 -4.13)
(a) Jesus superior a Moises (3.1-6)
(b) Segunda admoestação; a rejeição de Jesus e mais seria que a rejeição de Moises (3.7-19)
(c) O verdadeiro repouso de Deus pode ser perdido (4.1-10)
(d) Exortação para obter o descanso de Deus (4.11-13)

III. O sumo sacerdócio de Cristo (4.14-6.20)
(a) Sumo sacerdócio de Cristo, um encorajamento para seu povo (4.14-16)
(b) Qualificações para o sumo sacerdócio (5.1-4)
(c) Qualificações de Cristo para o sumo sacerdócio (5.5-10)
(d) Terceira admoestação: imaturidade espiritual (5.11-14)
(e) Nenhum recomeço e possível (6.1-8)
(f) Encorajamento para perseverar (6.9-12 )
(g) A firmeza da promessa de Deus (6.13-20)

IV. A ordem de Melquisedeque (7.1-28)
(a) Melquisedeque o sacerdote-rei (7.1-3)
(b) A grandeza de Melquisedeque (7.4-10)
(c) Imperfeição do sacerdócio de Arão (7.11-14)
(d) Superioridade do novo sacerdócio (7.15-19)
(e) Superior por causa do juramento de Deus (7.20-22)
(f) Superior por causa da permanência (7.23-25)
(g) Superior por causa do caráter de Jesus (7.26-28)

V. Aliança, santuário e sacrifício (8.1-10.18)
(a) Sacerdócio e promessa (8.1-7)
(b) A antiga aliança substituída (8.8-13)
(c) O santuário sob a antiga aliança (9.1-5)
(d) Um ritual temporário (9.6-10)
(e) Redenção eterna de Cristo (9.11-14)
(f) O mediador da nova aliança (9.15-22)
(g) O sacrifício perfeito (9.23-28)
(h) A velha ordem, uma sombra da realidade (10.1-4)
(i) Anova ordem, a realidade (10.5-10)
(j) O Sumo Sacerdote entronizado (10.11-18)

VI. Chamado para a adoração, fé e perseverança (10.19-12.29)
(a) Acesso a Deus através do sacrifício de Cristo (10.19-25)
(b) Quarta admoestação: o pecado voluntário da apostasia (10.26-31)
(c) Chamado a perseverança (10.32-39)
(d) A fé dos anciãos (11.1-40)
i. Prólogo: a natureza da fé (11.1-3)
ii. Fé dos antediluvianos (11.4-7)
iii. Fé de Abraão e Sara (11.8-12)
iv. A cidade de Deus, a casa do fiel (11.13-16)
v. Fé dos patriarcas (11.17-221
vi. Fé de Moises (11.23-28)
vii. Fé no êxodo e na colonização (11.29-3,1)
viii. Mais exemplos de fé (11.32-38)
ix. Epílogo: vindicação da fé vem em Cristo (11.39,40)
(e) Jesus, autor e consumador da fé (12.1-3)
(f) Disciplina e para filhos (12.4-11)
(g) Chamado a ação (12.12-17)
(h) Sina: terreno e Sião celestial (12.18-24)
(i) Voz de Deus deve ser atendida (12.25-29)

VII. Exortação e oração de encerramento (13.1-21)
(a) Prescrições éticas (13.1-6)
(b) Exemplos a seguir (13.7,8)
(c) Os verdadeiros sacrifícios cristãos (13.9-16)
(d) Submissão aos lideres (13.17)
(e) Pedido de oração (13.1 8, 1 9)
(f) Oração e doxologia (13.20,21)

VIII. Pós-escrito (13.22-2 5)
(a) Notas pessoais (13.22,23)
(b) Saudações e benção finais (13.24,25)

5. Relação com a pregação apostólica. Devido aos hebreus representarem uma escola de pensamento distinta dentro do NT, e mais interessante comparar o Evangelho, que é pressuposto como base comum entre o autor e os leitores, com o Evangelho como apresentado em outros documentos do NT, e descobrir que nos fundamentos básicos é o mesmo Evangelho. A nova era foi inaugurada; as profecias do AT foram cumpridas. “Jesus, o Filho de Deus” (4.14), “na consumação dos séculos de uma vez por todos se manifestou” (9.26 ASV, mg). Em seu ser eterno ele é identificado com a sabedoria, agente de Deus na criação do mundo (1.1-3; cp. Jo 1.1-3; Cl 1.15.17; Ap 3.14); sua descendência humana de Davi e sugerida no que e afirmado ser uma questão de conhecimento comum, que ele pertencia a tribo de Judá (Hb 7.14). As circunstâncias materiais de sua morte são conhecidas (13.12); ele permaneceu firme “para aniquilar o pecado” (9.26; cp. Rm 4.25; ICo 15.3). Sua ressurreição e admitida em vez de afirmada (cp. Hb 13.20); e parte do movimento geral de sua exaltação a mão direita de Deus, onde ele intercede por seu povo (cp. Rm 8.34; Fp 2.911). Sua parousia, que é confiantemente esperada (Hb 10.37), consumara a salvação do seu povo (9.28). Entrementes, eles receberam o Espírito Santo, cuja presença com eles e atestada por seus dons distribuídos “segundo sua vontade” (2.4; cp. ICo 12.4ss.;Gl 3.2-5).

E frequentemente dito que em Hebreus a escatologia mais antiga das duas eras foi combinada (se não coberta) com o sistema platônico dos dois mundos — o mundo superior da realidade eterna e o mundo inferior, caracterizado por copias materiais e temporárias daquela realidade. De fato, algo desse tipo e reconhecível nos capítulos 8 e 9, onde a verdadeira habitação de Deus e contrastada com o santuário terreno com seu sacerdócio e ritual. Mesmo para isso o autor encontra seu texto no AT (Êx 25.40, citado em Hb. 8.5). Ele certamente se mostra familiar com o sistema platônico, provavelmente como mediado por Filo, mas sua principal categoria de pensamento a este respeito e o sistema hebraico das duas eras, modificado (como por outros escritores do NT) a luz da vinda de Cristo e a palavra definitiva de Deus falada nele “nestes últimos dias” (Hb 1.2; cp. ICo 10.11; IPe 1.20).

6. Argumento. Sobre essa base o escritor estabelece a finalidade do Evangelho como revelação perfeita de Deus ao homem. O Evangelho é contrastado nesse aspecto com tudo que o precedeu, especialmente com o ritual levítico. Ao enfatizar a inteireza da obra de Cristo e a perfeição de sua pessoa, ele apresenta o Evangelho como a única forma que assegura o acesso desimpedido a Deus.

Ele mostra que Cristo é superior a todos os servos e porta-vozes de Deus que vieram antes dele, sejam seres humanos como Moisés (Hb 3.3) sejam intermediários angelicais (1.4), como aqueles por meio dos quais a lei foi comunicada (2.2). Cristo e o Filho de Deus, seu agente na criação e na manutenção universo (1.1-3), não obstante o único que, como Filho do homem, submeteu-se a humilhação e morte (2.5-18). Agora ele esta exaltado acima nos céus, entronizado a mão direita de Deus como representante do seu povo (1.3; 4.14). Esse ministério e apresentado em termos de sumo sacerdócio, sendo Hebreus o único documento do NT que usa explicitamente essa linguagem em referência a Jesus. Seu sumo sacerdócio e exposto parcialmente com base no Salmo 110.4, onde o Messias davídico e aclamado por Deus como “um sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque”, em parte sobre fatos históricos acerca de Jesus. Embora o oraculo do Salmo 110.1, seja citado ou repetido muitas vezes em Hebreus, e um dos testimonia mais comuns no NT, o uso do Salmo 110.4 e peculiar a essa epístola. O Messias que e aclamado como rei no Salmo 110.1 (“Assenta-te a minha mão direita..”.), diz o autor, e aclamado como sacerdote no Salmo 110.4 (Hb 5.6). A referência ao sacerdócio de Melquisedeque e explicada (7.1 ss.) com o auxilio da narrativa sobre o mesmo (Gn 14.18-20), sua relevância e encontrada não apenas no que e dito dele aqui, mas também no que não é dito. Este argumento escriturístico para a função sumo sacerdotal do Messias e reforçado pelas qualificações pessoais de Jesus para desempenhar esta função: ele não era apenas “santo, inocente, imaculado” quanto ao caráter (Hb 7.26), mas, tendo sido tentado em todos os aspectos como seu povo, ele pode simpatizar-se com ele e fornecer a ajuda que precisa na hora da provação (4.15s.; 5.7-10).

O ministério intercessor de Jesus e mencionado nos evangelhos (e.g., Lc 12.8; 22.32; Jo 17.6ss.), e nas epístolas (Rm 8.34; lJo 2.1 s.); mas e elaborado de uma maneira distinta em Hebreus. Vários argumentos são adicionados para mostrar que seu sacerdócio não e apenas superior ao da linhagem de Arão, mas pertence a uma ordem totalmente diferente. Ele pertence a nova aliança profetizada em Jeremias 31.31-34, uma aliança marcada por promessas e esperança melhores que as da antiga aliança do Sinai, sob o qual os sacerdotes de Arão ministraram (Hb 7.11-19; 8.6-13). Ele esta associado a um melhor sacrifício que qualquer outro anterior (9.23) e é executado em um santuário melhor que qualquer outro desta criação (9.11). Sacerdócio e sacrifício são inseparáveis. Os sacerdotes da linhagem de Arão ofereciam repetidamente sacrifícios de animais (7.27), particularmente a oferta anual pelo pecado no dia da expiação (9.7), mas esses não poderiam satisfazer a necessidade real de homens e mulheres (10.4). Eles não podiam limpar a consciência da corrupção do pecado, que e a grande barreira a comunhão com Deus (9.9). Entretanto o ministério sumo sacerdotal de Cristo e exercido sobre a base de um sacrifício real., voluntario e eficaz — o “sacrifício de si mesmo” (9.26) — que, diferente de todos os outros sacrifícios, limpa a consciência do homem para que ele possa, dai por diante, servir “ao Deus vivo” (9.14).

O escritor encontra esse sacrifício perfeito profetizado no Salmo 40.6-8, onde um locutor, rejeitando todo sacrifício animal como inaceitável, dedica sua vida a Deus para o cumprimento obediente da sua vontade (Hb 10.5-7). As palavras do Salmo são entendidas como as palavras de Cristo quando ele veio ao mundo. No “corpo... preparado” para ele (SI 40.6 LXX) ele cumpriu a vontade de Deus, em vida e morte igualmente. Por intermédio desse sacrifício de obediência perfeita a vontade de Deus seu povo e, de uma vez por todas, santificado e recebe o direito de acesso a Deus (Hb 10.10,22); além disso, por ele estabelecida a nova aliança na qual Deus implanta sua lei nos corações e não se lembra mais dos pecados deles (10.1518).

Esses argumentos, baseados na interpretação da Escritura, foram confirmados pela experiência pratica de uma geração de crentes que, desde a paixão e triunfo de Cristo, demonstrava em suas vidas a eficácia de seu sacrifício e intercessão. Tal sacrifício (diferente daqueles da ordem levítica) não requeria repetição; para aqueles que rejeitam esse sacrifício nenhuma oferta de pecado adicional esta disponível; portanto, o aviso solene para não rejeitar o Filho de Deus, nem profanar sua aliança de sangue (10.26-31).

O que os leitores precisavam em sua presente situação era cultivar resistência paciente e manter firme sua confissão até o fim. Eles não deveriam se sentir desencorajados por causa da esperança adiada; a vinda daquele que viria (10.36-39). O exemplo de fe mostrado pelos homens e mulheres que viveram e morreram na esperança da promessa que foi cumprida em Cristo, embora eles mesmos não testemunhassem aquele cumprimento, deveria ajuda-los (11.1-40); o exemplo da resistência de Cristo deveria revigora-los ainda mais a prosseguir no caminho da obediência a Deus e não desistir da luta (12.1-17). O ambiente familiar e adequado de seus primeiros dias estava desaparecendo, jamais retomaria; como herdeiros de um reino inabalável eles deveriam cortar os laços que os atava a seu passado e sair em direção a Cristo, abraçando o estigma atado ao nome do Senhor, seguindo-o no caminho da fé para “a cidade futura” (12.28-13.14).

7. Canonicidade e autoridade. Pode ser dito que Hebreus foi a primeira de todas a receber reconhecimento canônico, quando um editor do 2-sec. (provavelmente em Alexandria) incorporou-a no corpus Paulinum. Certamente desde o período de Panteno (c. 180 d.C.) sua canonicidade era unanimemente reconhecida por Alexandria; por mais que existissem as duvidas por parte de Orígenes sobre sua autoria, ele não tinha nada sobre sua qualidade canônica. O exemplo de Alexandria foi seguido pelas igrejas do leste em geral. Eusébio de Cesareia incluiu Hebreus (reconhecida por ele como uma carta paulina) entre os livros cuja canonicidade era “obvia e clara”, embora ele não negligencie o fato de que “alguns a tem descartada com base em que ela foi rejeitada pela igreja romana como não paulina” (Euseb. Hist. iii. 3. 5). Efrem (c. 350 d.C.) e os outros pais sírios a aceitaram sem objeção como canônica (e como paulina); diferente de algumas das epístolas católicas ela foi incluída no Peshitta (inicio do 52 sec.) desde o início.

No oeste a situação era muito diferente. Embora a epístola fosse conhecida em Roma antes do final do 1 séc., ela não foi considerada como canônica até o 4- sec., presumivelmente porque não foi reconhecida como a obra de um apóstolo. Finalmente a igreja romana, sem grande entusiasmo, decidiu não permanecer fora do passo com as igrejas do leste neste aspecto, sendo movida particularmente pela habilidade persuasiva de Atanásio, que passou seu segundo exílio (340-346 d.C.) em Roma. Mesmo Irineu de Lian (c. 180 d.C.), apesar de pertencer a Ásia pró-consular, tinha ressalvas quanto a Hebreus; ele pode ter-lhe dado um status deuterocanônica comparável a de Sabedoria (Euseb. Hist. V. 26). A dificuldade sentida pela igreja romana era devida amplamente a tradição pela qual a autoridade canônica e autoria apostólica seguiram lado a lado. Jeronimo e Agostinho estavam mais dispostos a aceitar Hebreus como uma carta paulina sobre essa base do que sobre as considerações da crítica literária. Ela foi incluída no canon promulgado pelos Sínodos de Hipona (393) e Cartago (397) dessa forma: “De Paulo o apostolo, treze epístolas; do mesmo, aos Hebreus, uma”.

Quando a questão foi reaberta pelos reformadores, a canonicidade e a autoria apostólica de Hebreus foram claramente distinguidas. Lutero rejeitou a autoria paulina e relegou-a a uma posição deuterocanônica porque esta continha, conforme ele pensava, “madeira, feno e restolho”; Calvino igualmente negou sua autoria paulina, mas afirmou. “Eu a classifico sem hesitação entre os escritos apostólicos” — “apostólico” quanto a doutrina e autoridade, não quanto a autoria. Sobre seu valor inerente ele disse. “Não ha livro da Sagrada Escritura que fale tão claramente do sacerdócio de Cristo, que exalte tão altamente a virtude e a dignidade daquele único e verdadeiro sacrifício que ele ofereceu por meio da sua morte, que lide tão abundantemente com o uso das cerimonias bem como com sua revogação, e. em uma palavra, explique tão completamente que Cristo e o fim da lei. Portanto, não permitamos que a igreja de Deus ou nos mesmos sejamos privados de tão grande benefício, mas defendamos firmemente a posse dela” (Commentary on Hebrews, introdução).

E adequado que canonicidade e autoria devam ser assim distinguidas pelo reconhecimento do direito de um trabalho anônimo ter um lugar dentro do NT por causa da sua qualidade essencial. A autoridade permanente da epístola pode ser encontrada na sua insistência sobre a interioridade da verdadeira religião e seu banimento das exterioridades para um local de pouca importância relativa. (Mesmo os sacramentos podem ter sido incluídos pelo autor entre tais exterioridades; não e sem importância que a única declaração sobre Melquisedeque em Gn 14.18-20, a qual nenhuma referencia e feita em Hb 7.1-10, e sua apresentação de pão e vinho.) A purificação que importa aos olhos de Deus e a purificação da consciência do pecado, não a remoção da polução do ritual; o único sacrifício que vale aos olhos de Deus para efetuar essa purificação e o sacrifício de uma vida disposta e dedicada sem reservas, como a do Servo de Isaias, que espontânea e deliberadamente ofereceu-se “para tirar os pecados de muitos” (Hb 9.28). Nenhum santuário material e necessário para a adoração de Deus; a casa de Deus, onde sua presença e manifesta e o ministério do sumo sacerdócio do Cristo exaltado e dispensado, e mais alta que os céus em um sentido espiritual, não em um sentido espacial, pois e identificada com comunhão do seu povo, se eles mantiverem firmes sua confiança e glória da esperança (3.6).

Nenhuma cidade geográfica ou pais requer sua submissão por causa de alguma santidade especial; a antiga cidade santa não era mais porque Jesus, expulso de seus arredores, “sofreu fora da porta” (13.12). O povo de Cristo deve segui-lo como uma comunidade peregrina, nunca parando em seu serviço a tão pouca distancia do descanso que ha para eles na “a cidade que tem fundamentos, da qual Deus e o arquiteto e edificador” (4.9; 11.10). Num mundo inconstante, onde os antigos pontos de referencia desaparecem e velhos modelos não são mais reconhecidos, o único ponto de referencia constante e o Cristo imutável, em movimento progressivo, “o mesmo ontem, e hoje, e eternamente” (13.8); o caminho da sabedoria e encarar o desconhecido com o Senhor. Nosso autor antecipa Herbert Butterfield ao encontrar aqui “um princípio que tanto nos da uma Rocha firme quanto deixa a máxima elasticidade para nossas mentes; o principio: Manter-se firme em Cristo, e além disso, ser totalmente descomprometido” Christianity and History [1950], 146).



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