Comentário de Lucas 1:5-6
Comentário de Lucas 1:5-6
A história
de Zacarias e Isabel abre o drama messiânico. Quando Deus começa uma nova obra,
ele não joga fora a antiga, mas estabelece uma conexão com ela! No seio de
Israel, em Jerusalém, no templo (o centro da vida cultual de Israel), Deus
engendra o surgimento da nova aliança.
Também
Schlatter chamou atenção para esse aspecto da conexão do novo com o antigo. “No
templo começa a história narrada pelo evangelista Lucas. Ao templo também é
trazido posteriormente o recém-nascido Messias-Cristo, como a lei prescrevia.
Do mesmo modo, Jesus, aos doze anos de idade, ao visitar pela primeira vez o
templo, entra nele com a ideia de que agora se encontra naquilo que pertence a seu
Pai…”
Com essas
frases no começo do evangelho relacionam-se as últimas frases do evangelho de
Lucas, Lc 24.52s: “Então, eles, adorando-o, voltaram para Jerusalém, tomados de
grande júbilo; e estavam sempre no templo, louvando a Deus.”
Sim, é “no
templo” de Jerusalém, a continuação do tabernáculo, que Deus estabelece a
conexão com o novo. – Somente depois que Jerusalém rejeitou definitivamente ao
Salvador o templo também foi entregue à destruição (cf. Lc 13.35; 19.46 e
21.6).
5 – Nos dias
de Herodes, rei da Judeia, houve (era) um sacerdote chamado Zacarias, do turno
(sacerdotal) de Abias. Sua mulher era das filhas de Arão e se chamava Isabel.
A tradução
tão literal quanto possível tem por finalidade explicitar a diferença de
expressão entre os v. 1-4 e os v. 5ss. O mesmo homem que, por meio de um
discurso bem elaborado no prólogo, se posiciona como um erudito entendido da
literatura grega, devido ao estudo e à ocupação, agora começa um relato de
vários e longos capítulos em um estilo que, para quem entende um pouco de
hebraico, parece tradução de um idioma semita. Deparamo-nos novamente com o
estilo clássico do prefácio na segunda metade de Atos dos Apóstolos. A locução aconteceu
nos dias do rei Herodes é hebraica. Nenhum historiador grego escreveria
assim. Recordamos 2Sm 21.1; 1Rs 10.21; Jr 1.2; Mt 2.1.
Quanto a
“Herodes, o Grande” veja na Série Esperança, Mateus, p. 42ss, inclusive as
notas de rodapé.
A expressão o
turno (sacerdotal) de Abias baseia-se na subdivisão dos sacerdotes
em 24 ordens que remontam a Davi (1Cr 24.3,10).1
Considerando
que Isabel era oriunda “dentre as filhas de Arão”, João Batista era descendente
de uma família puramente sacerdotal. O texto continua a falar acerca de seus
pais:
6 – Ambos eram justos diante de Deus, vivendo
irrepreensivelmente em todos os preceitos e mandamentos do Senhor.
A expressão justos
refere-se ao cumprimento cabal dos mandamentos levitas. Deus deixava valer
diante de si esta justiça como reta diante dele. O termo irrepreensível
corresponde à palavra “perfeito” em Gn 17.1. Quem deseja ser digno do serviço
de Deus precisa ser obediente a ele e vincular seu coração incondicional e
irrestritamente a seus mandamentos. Ambos andavam [viviam], i. é, não
apenas conduziam temporariamente uma vida agradável a Deus, mas se empenhavam
em praticar continuamente, com santa seriedade, aquilo que era correto perante
Deus. Ninguém podia acusá-los de nada. Encontravam-se “no santuário perante
Deus” de forma persistente.
À origem
sem mácula dos pais de João Batista agregava-se, pois, uma vida de
acordo com a vontade e o agrado de Deus. Que casal de cônjuges e pais
exemplares apresenta-se, assim, diante de nossa alma!
Deus viu
este andar perante si. Seu intento era transformar Zacarias e Isabel em
portadores do Espírito. Por isso ele também os educou de maneira diferente dos
demais humanos. Um novo começo no reino de Deus deveria ser preparado por meio
da irrupção de um casal de pais para dentro da vida de fé de pessoas como
Abraão e Sara! Considerando, porém, que a promessa a Abraão estava prestes a
ser cumprida, evidenciou-se repentina e surpreendentemente que surgiam aqui
exatamente os mesmos sintomas do tempo de Abraão: “Não havia herdeiro!” Além
disso Isabel já havia passado em muito a idade em que podia ter esperança de se
tornar mãe de um menino!
1 Cada turno prestava serviço no templo duas
vezes ao ano, durante oito dias. Zacarias não pertencia à “liderança”
sacerdotal, porque esta era formada pelos sacerdotes em exercício e pelos que
haviam prestado mandato, bem como pelos sacerdotes da primeira divisão daquelas
24 ordens. O turno sacerdotal de Abias situava-se na oitava posição na
hierarquia, ou seja, era muito inferior. Enquanto todos os sacerdotes distintos
tinham sua sede em Jerusalém, os demais viviam aqui e acolá, dispersos pelo
território. Era permitido ao sacerdote casar-se com uma israelita “simples”,
contudo era mais honroso para ele desposar uma moça de linhagem sacerdotal ou,
em “linguagem erudita”, “uma mulher dentre o número das filhas de Arão”.
